sexta-feira, 6 de junho de 2014

Kapò (Kapò) 1960



Antes de deixar a sua marca para sempre no cinema, com o lendário "A Batalha de Argel", Gillo Pontecorvo realizou este audacioso drama sobre a Segunda Guerra Mundial sobre uma jovem judia (Susan Strasberg) num campo de concetração Nazi, salvando-se da morte depois de assumir a identidade de outra mulher, para depois se tornar numa "kapò" implacável. Foi um dos primeiros filmes a retratar os horrores do Holocausto, e fê-lo com uma brutalidade, e uma complexidade muito ousada para o seu tempo.
Pontecorvo recria o campo de concentração em vívido detalhe, e preenche o fundo com uma desgastante actividade que parece designada a manter os prisioneiros cansados demais para sequer tentarem escapar. Existe uma enorme quantidade de personagens que passam pelo filme, como o prisioneiro político (Emmanuelle Riva), tentando manter a resistência viva num lugar onde manter o corpo vivo é bastante difícil.
Filme muito pouco visto ao longo da história do cinema, esteve anos indisponível, mas ficou famoso pelas piores razões, não só o tema mas também por causa de um determinado travelling. Serge Daney, famoso crítico nos "Cahiers du Cinema", escreveu o seguinte sobre Kapò:
"Entre os filmes que nunca vi, não estão apenas Outubro, Le Jour se Léve ou Bambi, há também esse obscuro Kapo. Filme sobre os campos de concentracão, rodado em 1960 pelo italiano de esquerda Gillo Pontecorvo, Kapo não deixou marcas na história do cinema. Serei eu o único a nunca o ter esquecido, apesar de nunca o ter visto? É que eu nunca vi Kapo mas, ao mesmo tempo, vi-o. Vi-o porque alguém — através das palavras — mo mostrou. Este filme, cujo título, como uma senha, acompanhou toda a minha vida de cinema, só o conheço através de um curto texto: a crítica que fez Jacques Rivette em Junho de 1961 nos Cahiers du Cinéma. Era o número 120, o artigo chamava-se «Da abjecção», Rivette tinha trinta anos e eu dezassete. Acho que até aí nunca tinha sequer pronunciado a palavra «abjecção» em toda a minha vida. No seu artigo, Rivette não contava o filme; contentava-se, numa frase, em descrever um plano. Essa frase gravou-se-me na memória e dizia o seguinte: «Vejam em Kapo, o plano em que Riva se suicida, atirando-se sobre o arame farpado electrificado: o homem que decide fazer, nesse momento, um travelling para reenquadrar o cadáver em contra-picado, tendo o cuidado de colocar a mão erguida num ângulo preciso do seu enquadramento final, este homem só tem direito ao mais profundo dos desprezos». Assim um simples movimento de câmara podia também ser o movimento que não se devia fazer. Aquele que deveria — de modo evidente — ser abjecto fazer. Mal tinha lido estas linhas, soube que o seu autor tinha absolutamente razão. Abrupto e luminoso, o texto de Rivette permitia-me descrever esse rosto da abjecção. A minha revolta tinha encontrado por fim palavras para se dizer. Mas havia mais. É que essa revolta era acompanhada por um sentimento menos claro e, sem dúvida, menos puro: O reconhecimento aliviado de ser esta a minha primeira certeza de futuro crítico. Ao longo dos anos, com efeito, «o travelling de Kapo» seria o meu dogma portátil, o axioma que nunca se discutia, o ponto final de qualquer debate. Com alguém que não sentisse imediatamente a abjecção do «travelling de Kapo», eu não teria, definitivamente, nada a ver, nada a partilhar. Este género de recusa estava, aliás, no espírito do tempo. À vista do estilo irritado e excessivo do artigo de Rivette, sentia que ele provinha de antigos e furiosos debates e parecia-me lógico que o cinema fosse a caixa de ressonância privilegiada de todas essas polémicas. A guerra da Argélia tinha acabado com a crença de quem — por não ter sido filmada — estivesse à partida desconfiado em relação a qualquer representação da História. Qualquer pessoa podia agora perceber que existissem — mesmo, e sobretudo, no cinema — tabus, facilidades criminosas e montagens interditas. A formula célebre de Godard, que via nos travellings «uma questão de moral», era, para mim, um desses truísmos sobre os quais não se podia ceder. Eu não, em qualquer caso."
Em 1961 conseguiu uma nomeação para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. 

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