quarta-feira, 3 de maio de 2017

Tempo Para Amar e Tempo Para Morrer (A Time To Love and a Time To Die) 1958

Tempo Para Amar, Tempo Para Morrer (A Time To Love and a Time To Die), é um filme sem paralelo na obra de Douglas Sirk. Trata-se da adaptação de um romance homónimo do seu compatriota Erich Maria Remarque de 1954. Foi o cineasta a persuadir o escritor a fazer a adaptação cinematográfica do filme e parece que os dois se entenderam perfeitamente.
É uma nova incursão de Sirk sobre o cenário de guerra como já tinha acontecido em The Battle Hymn. Desta vez, no entanto na Segunda Guerra Mundial em vez da Guerra da Coreia. De algum modo, este filme é um dos mais profundos e perturbantes de toda a carreira de Sirk. A dimensão horrível da guerra é apresentada sem quaisquer tipos de subterfúgios. Uma das mais importantes cenas surge logo no início quando por retaliação à morte de um tenente alemão, um pelotão de soldados fuzila quatro civis. Devemos ter consciência moral («afinal desde quando é que soldados matam civis?»), ou limitamo-nos a cumprir ordens? Acompanhamos o soldado Ernst Graeber (John Gavin) que recebe uma licença de três semanas da frente russa, para poder voltar à sua aldeia natal. No regresso encontra os pais desaparecidos e a sua terra destruída pelos bombardeamentos deixando um rasto de desolação e morte. Aquilo que ele pensava ser um bálsamo do tempo de guerra, transforma-se numa busca incessante pelo paradeiro da família. A Time To Love and a Time To Die acaba por ser menos um filme sobre a frente de batalha (que surgem apenas no princípio e no fim) e mais sobre a forma de sobreviver aos bombardeamentos constantes. Esta perspectiva permite-nos perceber melhor o ambiente vivido na Alemanha no período da guerra. A dor e o desespero das pessoas comuns sem família nem bens. O aparecimento de uma camada ligada ao nazismo que usufrui de todos os luxos e lucra com a guerra. A presença da sempre poderosa da Gestapo que continua a reprimir ferozmente todo o sinal de descrença. É um filme de contrastes. Ao mesmo tempo que procura a família, Ernst encontra o amor na filha do médico da sua família, também ele deportado para um campo de concentração. O aspecto mais fascinante deste filme, é que o seu amor será tão intenso quanto breve e mesmo que ela consiga sobreviver aos incessantes bombardeamentos, será quase impossível que ele tenha a mesma sorte quando regressar à frente russa. Ambos o sabem, e por isso, cada dia que vivem juntos, é como se encerrasse toda a eternidade. Do ponto de vista temático, este é um dos mais poderosos filmes sobre guerra que tive oportunidade de ver. Não pela violência dos combates, mas pela crueldade com que se apresentam todo o seu envolvimento e consequências. Mais do que bombas ou tiros, Sirk filma a dor, a opressão e o desespero. As ruínas dos edifícios que se coadunam com as ruínas humanas. Toda a gente perdeu alguém. A este luto geral, associa-se a incompreensão. Com os motivos da guerra e a insanidade do nazismo. Quando Elizabeth evoca a possibilidade de fugirem, a questão põe-se de uma forma cruel: para onde? Os alemães são odiados por todo o lado. Do ponto de vista estético, o filme (rodado em Berlim) é absolutamente primoroso com uma reconstituição precisa dos tempos de guerra, os ângulos abertos da câmara facilitada pela utilização do Cinemascope e a utilização magnífica da cor. 
Este filme recebeu uma crítica inflamadamente entusiástica de Jean-Luc Godard. O caso não era para menos. A Time To Love And a Time To Die é uma obra prima e um dos melhores filmes de Sirk. No seu regresso à Alemanha, toca nas feridas profundas do período mais negro da sua história. Numa altura em que o cinema alemão posterior à guerra queria esquecer-se de todo o horror e uns anos antes do novo cinema alemão ter finalmente procurado analisar o trauma, já Sirk, embora numa produção americana, fazia este filme para avivar a memória. Porque há coisas que nunca se esquecem. 
* Texto de Jorge Saraiva.

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