segunda-feira, 1 de maio de 2017

O Meu Maior Pecado (The Tarnished Angels) 1957

O Meu Maior Pecado (The Tarnished Angels) é o antepenúltimo filme de Douglas Sirk. Mais uma vez o cineasta resolveu surpreender os espectadores. Sirk que tinha reinventado a cor no cinema, desta vez optou pelo preto e branco. A razão prende-se com o facto de ser uma adaptação de Pylon, um romance de 1935 de William Faulkner adaptado por George Zuckerman. Sirk justificou esta opção baseado na intenção de querer respeitar o mais possível quer o ambiente da época em que o romance foi escrito, quer a altura em que o mesmo se passa, o início dos anos 30. Faulkner gostou tanto do filme que o considerou como a melhor adaptação ao cinema de uma obra sua.
The Tarnished Angels é, provavelmente, o mais sombrio e amargurado de todos os filmes de Sirk. O cineasta volta a reunir o mesmo trio de actores que já tinha colaborado em Escrito No Vento: Rock Hudson (naquela que seria a sua última participação num filme do realizador), Robert Stack e Dorothy Malone. Curiosamente ao revê-lo, encontrei algumas semelhanças com The Lusty Man (Idílio Selvagem) de Nicholas Ray de 1952. Só que aqui, em vez do mundo dos rodeos, temos o das acrobacias aéreas, ambas actividades perigosas e que põem em risco a vida de quem neles participa. O filme centra-se na história de um piloto que foi herói da primeira guerra mundial, mas que agora ganha a vida em corridas aéreas. A personagem, representada por Robert Stack, é uma das mais amarguradas de toda a obra de Sirk. Tem uma mulher (Dorothy Malone) que parece ser cobiçada por todos, mas a quem ele trata com frieza e distanciamento. Aparentemente de forma fortuita, conhecem um jornalista (Rock Hudson) à procura de um qualquer «furo» que lhe permita contar uma boa história. No entanto, a curiosidade jornalística inicial vai-se transformando num envolvimento afectivo com a mulher do piloto, ela também uma mulher desencantada com o rumo que a sua vida levou. Por isso, Tarnished Angels é um filme de solidão e de memórias. Cada personagem, a que poderíamos acrescentar a do mecânico que acompanha inseparavelmente o piloto, mas que está silenciosa e resignadamente apaixonado pela sua mulher, vive enclausurada no seu próprio mundo. O casal vive de memórias que não são forçosamente comuns. Ele, dos tempos gloriosos da sua prestação na guerra e das noites boémias de Paris; ela, da paixão precoce que teve pelo aviador, que a fez sair de casa em busca da concretização do seu amor que nunca foi inteiramente correspondido. Essas memórias, nem sempre gratas, são realçadas no filme pelo uso do flashback do período e das circunstâncias em que ambos se casaram. Para além da realização virtuosa de Sirk (com destaque para a forma como filma as corridas de aviões), o que ressalta mais neste filme é a extraordinária qualidade dos diálogos, obviamente por mérito do argumentista George Zuckerman, mas principalmente por William Faulkner, provavelmente o maior escritor americano de todo o século XX. A vida destes andarilhos, ela saltando de pára-quedas, de pernas nuas por 20 dólares e ele encarniçado em manobras perigosas em que o vencedor ganha tudo e os perdedores nada, é descrita de uma forma brilhante, a um tempo distante e terna. A forma como o filme termina, sem happy-end, mas também sem desesperança, é um momento mágico. Tarnished Angels só poderia ter este final. 
 Este é um dos melhores filmes de Sirk. Na altura em que foi lançado foi muito mal recebido por grande parte da crítica e não teve muito sucesso de bilheteira. Sirk já estava à espera que isso acontecesse. Um filme com uma história sombria e triste, com um final ambíguo e sem o uso exuberante da cor que tanto havia enriquecido os melodramas anteriores, nunca poderia ser um grande êxito. Hoje é reconhecido como uma obra prima de forma praticamente unânime. Pode não ser o melhor dos seus filmes, mas é aquele que tem o melhor argumento. 
* Texto de Jorge Saraiva.

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