domingo, 7 de junho de 2020

O Cinema Espanhol no Tempo de Franco - A Década de 50, as Novas Caras e o Neorrealismo Espanhol

Podemos considerar este ciclo dividido em quatro partes. A primeira parte, que terminou ontem, é sobre a primeira década do governo de Franco. Para avançarmos para a década de cinquenta, temos que fazer aqui algumas considerações.

A segunda década da ditadura de Franco foi um período de várias mudanças políticas , económicas e culturais. Trouxe legitimações internacionais do regime ditatorial:  a Espanha foi admitida na Unesco em 17 de Novembro de 1952, assinou um acordo com o Vaticano em 27 de Agosto de 1953, e finalmente foi admitida nas Nações Unidas em Dezembro de 1955. A Espanha autárquica tornou-se tecnocrática. Franco reestruturou  o seu gabinete em Fevereiro de 1957, incluindo Laureano López Rodó como secretário geral da presidência do governo, um novo ministro das finanças, Mariano Navarro Rubio, e um novo ministro do comércio, Alberto Ullastres Calvo. Defensores de uma sociedade tecnológica e de progresso, os tecnocratas valorizavam a eficiência, a competição e o profissionalismo. Também apoiavam o esforço da modernização liderado pelo estado, e a liberalização económica.  Os novos ministros tecnocratas endossaram a adopção do capitalismo moderno, investimento estrangeiro, industrialização maciça, migração populacional, urbanização e expansão educacional. Entre os desenvolvimentos mais preocupantes para o regime estavam as greves trabalhistas e os distúrbios estudantis.

Em Setembro de 1951, José María García Escudero foi nomeado director geral do Teatro e Cinema. García Escudero era um defensor da renovação, as suas reformas articularam mais claramente a política de subsídios estatais, censura, licenças de importação e exportação, e a politica da industria cinematográfica em geral. No entanto, ele foi vitíma das contradições internas do regime de Franco, que paradoxalmente exigia controle interno e liberalização.  Ele tinha sido nomeado director geral para ajudar a projectar uma imagem mais liberal de Espanha no exterior, mas posteriormente foi visto como liberal demais, e obrigado a renunciar em Fevereiro de 1952. A sua renúncia foi motivada pelo chamado escândalo "Surcos", que ilustra bem a politica complexa de Espanha durante a década de 50.
García Escudero nomeou para uma categoria de "interesse nacional" o filme "Surcos" (1951), em vez de outro mais apropriado ideologicamente para o regime de Franco, "Alba de America" (1951), de Juan de Orduña, épico histórico sobre as descobertas de Colombo na América. Apesar dos seus valores falangistas, "Surcos" centrava-se em questões sociais e contemporâneas, como a imigração, o mercado negro, corrupção, desemprego e prostituição.  A nomeação de "Surcos" enfrentou forte oposição dos sectores tradicionais do regime, o que forçou a destituição de García Escudero. A sua breve aparição teve um grande impacto no cinema espanhol, e ele voltaria a ocupar o cargo em 1962, tendo sido uma das figuras principais do Novo Cinema Espanhol. Mas a esta parte, lá chegaremos.

A politica institucional e de produção dos anos 50 influenciou realizadores experientes e emergentes. Com algumas excepções, os veteranos continuaram a fazer trabalhos convencionais e não politizados, que se saíram bem com o regime e o público. A cultura cinematográfica dos anos cinquenta também viu o surgimento de uma nova geração, ligada ao Instituto de Investigaciones y Experiencias Cinematográficas ou IIEC, a escola de cinema criada em 18 de Fevereiro de 1947. As duas vozes jovens mais importantes a surgir daqui foram Juan António Bardem e Luís Garcia Berlanga, ambos graduados do IIEC. Em 1953 os dois dirigiram "Esa Pareja Feliz" onde a actriz Lola Gaos interpreta uma raínha medieval que é uma clara paródia a Aurora Batista no épico histórico "Locura de Amor", um filme claramente de ideologia fascista realizado uns anos antes. "Berlanga foi também o autor do filme mais célebre deste período, "¡Bienvenido Mister Marshall!", que explorava os mitos e realidades da Espanha franquista, da burocracia espanhola ao Plano Marshall, uma politica americana que fornecia ajuda financeira a uma frança subdesenvolvida.
Aos filmes lá iremos a seu tempo devido, mas agora, para não vos maçar mais, resta dizer que no inicio da década de cinquenta o IIEC organizou umas mostras de cinema italiano, com a exibição de alguns filmes muito importantes, como "Cronaca di un Amore" ou "Miracolo a Milano", com os próprios realizadores muitas vezes a acompanharem as exibições dos filmes. Este acontecimento teve um impacto enorme no cinema espanhol posterior, que como iremos ver nos próximos dias, teve forte inspiração no neorrealismo italiano.
Neorrealismo seria a principal estética do cinema espanhol dos anos 50. Com esta me despeço, até amanhã.



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