terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Decasia (Decasia) 2002

"Decasia" é o que pode ser chamado de um trabalho de arquivo, reunindo imagens a preto e branco em nitrato de vários filmes antigos, como se para garantir que essas imagens esquecidas permanecessem vivas por muitas gerações - principalmente porque o filme fisicamente se tem deteriorado, tornando este documento de decadência em filme, uma obra em toda a sua beleza e esplendor.
Bill Morrison que dirigiu, produziu e montou, toma como ponto de partida as fascinantes abstracções que o dano produziu, em vez das imagens que estão dentro do filme, e constrói-se a partir daqui. A partir deste ponto de vista, é a deterioração que forma a narrativa, como se fosse uma forma estranha não muito diferente de "The Blob" ou o monstro de "The Forbiden Planet", que aterroriza excertos de filmes mudos e filmagens documentais.
Muitas das imagens que o realizador Bill Morrison escolheu, não são apenas decadentes mas também retratam variações no processo de decadência, imagens de pedras a serem erodidas pelas ondas, distorções de uma casa a arder, e uma mulher a ser bronzeada sob luzes. Além disso, muitas das figuras que povoam estas imagens estão agora confinadas aos anais do anonimato. "Decasia" liga cuidadosamente a sua mensagem ao seu meio, mostrando a mesma fragilidade e transitoriedade tanto do esforço humano como do material fotográfico concebido para comemorá-lo. "Decasia" não é apenas uma festa psicadélica para os olhos, mas também uma lembrança cinematográfica demonstrando que nada perdura e tudo existe em fluxo.
Não esquecer que "Decasia" é uma referência a "Fantasia", com o título a dar uma sugestão de onde o realizador quer chegar.

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O Ensaio Audiovisual

"No dia em que poderá dispor de um certo material cinematográfico como se dispõe de citações em literatura, nesse dia, o projecto de Godard poderá efectivamente ser realizado, e eu desejo isso com todo o meu coração."

Jean Mitry em 1979 a propósito do, ainda por “redigir”, Histoire(s) du cinéma de Jean-Luc Godard

"O futuro da reflexão, crítica e académica, sobre o cinema passará inevitavelmente pela criação de uma caneta-câmara que permita uma escrita realizada directamente sobre as imagens. Godard, que nunca deixou de se assumir como um crítico de cinema, dizia que as imagens eram complementos de ideias. Ora, o ensaio audiovisual propõe despertar essas ideias na pele das próprias imagens. Roland Barthes referia a actividade da crítica como um embate com a insuficiência, ou os limites, da linguagem. Filomena Molder afirma que a obra contém em si as condições da sua própria criticabilidade.

O que este ciclo propõe é fornecer as ferramentas para se construir ou desconstruir um edifício, bloco a bloco, no contacto directo com os materiais dessa construção ou desconstrução. Ao cinema o que é do cinema? Em 1979, Jean Mitry antevia no projecto louco de Godard, de fazer um filme não sobre mas que contivesse a sua visão particular da história do cinema, a possibilidade de formação de um cinema que ensinasse cinema. Através do ensaio audiovisual, promete-se, assim, a concretização de uma crítica imanente tal como a formulou Benjamin na sua colecção de citações ou montagem paracinematográfica que é O Livro das Passagens. Se outrora citar directamente a imagem de um filme era um problema técnico e epistémico demasiado problemático para ser encarado, hoje as novas tecnologias impõem um pensamento não tanto sobre as imagens, mas já “entre elas”, “com elas”. Uma nova metodologia ou, mais, uma nova epistemologia afirma-se, já que com o acesso a um conhecimento (um argumento, uma tese, uma ideia ou um conjunto de ideias) revelado em si, estaremos no limiar da pura crítica: “a pura crítica por citações”, escreveu Benjamin com desencanto e ansiando a mudança, “permanece ainda inteiramente por elaborar”.


O My Two Thousand Movies foi convidado para realizar este ciclo em conjunto com o Curso Livre O Ensaio Audiovisual e a Escrita sobre Cinema, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, e pretende ser uma espécie de guia mediático para o ciclo, apresentando os filmes essenciais para este curso. Percorreremos os antepassados do ensaio audiovisual, num caminho que nos levará a conhecer alguns realizadores vanguardistas, como Joseph Cornell, Ken Jacobs, Martin Arnold, Peter Tscherkassky, Gustav Deutsch, Bill Morrison, entre outros.
Fiquem atentos, e poderão começar a ver os filmes já a partir de amanhã. 

domingo, 29 de janeiro de 2017

Hungarians (Magyarok) 1978

Durante a II Guerra Mundial, um grupo de camponeses húngaros sem terra aceita trabalhar como emigrantes-trabalhadores numa quinta do norte da Alemanha, onde os salários são bons e as esposas e familiares são autorizados a acompanhá-los. Embora estejam a meio da Segunda Guerra Mundial estão relativamente despreocupados. Estes camponeses não alcançam muito para lá da pequena localidade onde vivem e trabalham na propriedade sem descanso, mas ali perto existe um campo de prisioneiros de guerra onde se ouvem tiros a toda a hora, e cadáveres a serem transportados. Aos poucos este grupo de camponeses começa a acordar para a realidade...
Zoltán Fábri já em fase final da sua carreira, que acabaria poucos anos depois, em 1983. É mais uma das suas obras a narrar a luta contra o Fascismo. A história era baseada num livro de József Balázs, que também escreveu a livro que Fábri adaptaria no seu filme seguinte: "Fábián Bálint találkozása Istenne".
Pela segunda vez Fábri era nomeado para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, dez anos depois de "The Boys From Paul Street", e mais uma vez perdeu. A concorrência nesse ano era forte, e o Óscar acabaria por ir parar ás mãos do francês Bertrand Blier, com o filme "Préparez Vos Mouchoirs". 
Legendas em inglês. Este filme nunca foi lançado em DVD ou outro formato de vídeo, esta versão é gravada da televisão.

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sábado, 28 de janeiro de 2017

The Fifth Seal (Az ötödik Pecsét) 1976

A consciência é levantada durante uma reunião de quatro amigos num bar de Budapeste, passada durante a ocupação Nazi da Hungria durante a Segunda Guerra Mundial. embora o filme/livro substitua a suástica por uma estranha cruz, sob os uniformes equivalentes aos uniformes nazis. Mas a menção aos russos, que naquela altura ocupavam o território em substituição dos nazis, demonstra a intenção clara do realizador/escritor. A pergunta lançada é, se morrermos hoje será que gostaríamos de renascer como um poderoso, rico, cruel ditador ou dono de escravos que não acreditasse que estaria a fazer algo de antiético.
Poucos filmes lidam com filosofia e escolhas humanas éticas em situações de testes extremos. "The Fifth Seal" é um filme que não só apresenta um dilema filosófico na sua história mas vai fazer um espectador inteligente e sensível ponderar sobre a sua própria escolha em situações semelhantes. 
O filme,dirigido por Zoltan Fabri é baseado num livro de Ferenc Santa, possivelmente o melhor escritor húngaro, e que ganhou quase todas as honras de topo naquele país. O próprio Santa escreveu o argumento do filme, por isso pode adivinhar-se que o filme reflecte o conteúdo do livro com muita precisão. Era o segundo trabalho de Fabri baseado na obra de Ferenc Santa, sendo o primeiro "Twenty Hours" (1965). Ambos os filmes ganharam o prémio principal nos respectivos anos no Festival de Cinema de Moscovo.
Para apreciar suficientemente o filme, ajuda consideravelmente se o espectador tiver alguns conhecimentos sobre a Bíblia Sagrada ou sobre artes visuais,  especificamente o autor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516). As razões são muito simples. 
O título do filme refere-se a uma passagem da Bíblia: "E quando abriu o quinto selo, vi por baixo do altar as almas dos que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa da obra de testemunho que costumavam ter". Além disso, um personagem do filme/livro, Karoly Keszei, que é um fotógrafo artístico e um ex-soldado ferido, refere-se à passagem acima, especificamente mencionando o Quinto Selo, num monólogo crucial do filme.
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

The Boys of Paul Street (A Pál Utcai Fiúk) 1969

No final do século 19, em Budapeste, dois grupos de adolescentes envolvem-se numa guerra simulada num dos poucos lotes vagos que restam na cidade. Os Paul Street Boys há muito que consideram o terreno sua propriedade exclusiva, mas agora os temíveis Red Shirts decidiram expulsá-los e tomar conta do lote. Enquanto os preparativos para a batalha começam cada lado planeia a sua estratégia, e o soldado Nemecsek, o mais pequeno e mais jovem dos Paul Street Boys aspira a se tornar oficial. Ao espiar os Red Shirts é obrigado a esconder-se na água para não ser apanhado, e apanha uma pneumonia. Apesar da doença do jovem soldado, os dois gangues preparam-se para lutar.
Baseado num livro escrito em 1907 por Ferenc Molnar, este filme é uma produção híbrida. Produzido por Endre Bohem, um húngaro naturalizado norte-americano, cujos créditos incluem a série de televisão "Rawhide", e realizado por Zoltán Fábri, um realizador húngaro pouco conhecido no exterior. Bohem e Fábri colaboraram no argumento, e recrutaram um elenco de jovens, descobertos na sua maioria em Inglaterra. 
"The Boys of Paul Street" tem um certo charme porque, acima de tudo, é um filme que se leva a sério a si próprio. O resultado não é exactamente uma sátira às futilidades da guerra como as nossas gerações a conhecem, mas um filme sobre os códigos de honra dramatizados na literatura Vitoriana, e que foram bem preservados em filmes como  "The Lives of a Bengal Lancer," "White Feather" ou "Fort Apache." 
Apesar de ter vários jovens ingleses era um filme falado em húngaro, e graças a isso seria nomeado para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

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terça-feira, 24 de janeiro de 2017

The Brute (Dúvad) 1961

O cenário é o campo, onde um agricultor independente, proprietário de terras, ocupa o seu tempo livre a deitar-se com as mulheres do seu terreno, para depois as atirar fora. Uma destas mulheres mal tratadas acaba por casar com um jovem jovem que está encarregado de um terreno comum, uma quinta onde a besta do título é mais tarde obrigado a juntar-se. O arrogante, e antes independente agricultor, não reformulou o seu caminho, e depressa começa a perseguir a esposa do gerente, a mulher que tinha abandonado não fazia ainda muito tempo. O resultado vai ser desastroso...
Mais um drama não conformista a ter lugar na Hungria do pós-guerra, um pouco influenciado por motivações políticas, mas ainda assim um filme envolvente. Sétimo filme de Fabri, era a sua terceira participação em Cannes, a segunda tinha sido "Édes Anna", que não veremos neste ciclo. A concorrência neste ano era muito forte, com "A Rapariga da Mala", de Zurlini, "Madre Joana dos Anjos", de Jerzy Kawalerowicz, "Duas Mulheres", de De Sica, "Viridiana", de Buñuel, entre outros.
Não existe muita informação sobre este filme, é uma grande raridade, mas ele aqui está com legendas em inglês.

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segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Merry-Go-Round (Körhinta) 1956

Num cenário rural, no meu de mudanças difíceis vive uma jovem camponesa humilde, chamada Mari Pataki. O pai proíbe-a de ver o homem que ela ama, acima de tudo preocupado com a vida do campo e a riqueza em perspectiva, e decide dar a mão da sua filha em casamento a um homem velho, mas rico, com que faz negócios. Esta parece ser a regra inflexível do camponês húngaro, mas o jovem amante está disposto a enfrentar qualquer coisa para ficar com o amor de Mari.
Uma peça de propaganda comunista, disfarçada sob a aparência de um olhar fascinante sobre a vida rural camponesa, e uma história de amor directa, "Merry-Go-Round" é um filme historicamente importante porque foi lançado pouco antes do fracasso da insurreição e revolução do país, contra o regime imposto pelos soviéticos em 1956. 
As personagens principais do filme são Mari (Mari Töröcsik) e Mate (Imre Soós), e estão apaixonados, mas a política mantém-nos afastados. O pai de Mari, Istvan (Béla Barsi),  não os quer ver juntos porque discorda da cooperativa agrícola, da qual Mate é membro. Preferindo possuir e cuidar da sua própria terra, Istvan entra num acordo de parceria com outro proprietário de terras, ao qual oferece a mão da filha em casamento.
Zoltan Fabri em tempos foi considerado um dos realizadores mais importantes da Hungria, uma figura chave na chamada "new wave" húngara, mas a sua fama não duraria muito tempo. Durante a década de 50 foram vários os nomes que se destacaram nesta filmografia, e o sucesso de alguns perdurou durante anos, como Istvan Szabo, Miklos Jancso ou Karoly Makk. "Korhinta" é um desses filmes que muita gente fala mas poucos viram. A sua importância no país é considerável, foi lançado numa altura em que a maioria dos países ocidentais tinha uma visão negativa sobre a Hungria. Lançado dois anos mais tarde nos Estados Unidos, este filme colocaria o cinema húngaro no mapa mundial. 

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domingo, 22 de janeiro de 2017

Zoltán Fábri

Zoltán Fábri foi um dos melhores realizadores do pós-Segunda Guerra Mundial, na Hungria. Embora o seu trabalho não tenha inovado muito depois da década de 60, nas duas décadas anteriores foi de grande valor artístico.
Fábri nasceu e foi educado em Budapeste, onde o seu primeiro interesse foi a pintura, estudou nesta área desde 1935 a 1938, na Academia de Belas Artes em Budapeste. Mudou de curso em 1938, quando se matriculou na Academy of Film and Drama, para se tornar encenador. Em 1941 era membro do  Hungarian National Theatre, onde além de dirigir também desenhava cenários, e actuava em peças.
A carreira de Fábri como realizador, descolou já na década de 50, quando decorria o realismo socialismo, e onde trabalhou primeiros como director artístico nos Hunnia Film Studios, para se tornar realizador em 1952.
O seu primeiro filme,  "Gyarmat a fold alatt" (Underground Colony, 1952), era um típico produto da indústria cinematográfica húngara nacionalizada e carregada da propaganda da altura. O tema era sobre uma suposta sabotagem ocidental da produção de petróleo húngara.
O seu primeiro verdadeiro sucesso veio três anos depois, e chamava-se "Korhinta" (Merry-Go-Round, 1955). 20 anos mais tarde, foi considerado pelo crítico Istvan Nemeskurty um dos melhores filmes da história do cinema húngaro. Seria a primeira vez que estaria presente em Cannes,e num festival importante.
Da sua carreira de mais de 20 filmes, poucos estão acessíveis pela internet. Por isso fiz uma pequena selecção de filmes que poderão acompanhar esta semana, ao longo da qual poderão conhecer melhor este realizador.
Aqui ficam os filmes que poderão ver:

- "Korhinta" (1956) - Nomeado para a Palma de Ouro
- "Duvad" (1961) - Nomeado para a Palma de Ouro
- "A pál-Utcai Fiúk" (1969) - Nomeado para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira
-  "Az ötödik Pecsét" (1976) - Nomeado para o Urso de Ouro
- "Magyarok" (1978) - Nomeado para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira

 Boa semana, espero que seja do vosso agrado.


sábado, 21 de janeiro de 2017

First on the Moon (Pervye na Lune) 2005

Na primavera de 1938, nas montanhas ao norte do Chile, caiu um objeto voador em chamas, mais tarde chamado de “Esfera Chilena”. A investigação do episódio, realizada por uma equipa de filmagens, fez uma importante descoberta. Um programa espacial secreto tinha sido desenvolvido na União Soviética antes da Segunda Guerra Mundial. Cientistas e autoridades militares desenvolveram uma nave espacial 23 anos de Yuri Gagárin, para ir para o espaço. É um documentário com elementos ficcionais e falsidades divertidas sobre os primeiros astronautas russos. 
O realizador Aleksei Fedorchenko, a escolher o formato "mock-documentary" para contar a história de um programa espacial soviético desconhecido. Vamos conhecer o destino do primeiro astronauta soviético, Ivan Kharlamov (Boris Vlasov). Este personagem viaja do Chile através do Pacífico, para a China e para a Mongólia, até que é finalmente capturado pelo pelo KGB, e enviado para uma enfermaria psiquiátrica. Eventualmente escapa da sua cela, e assume uma série de identidades que lhe permitem esconder da polícia secreta, e sobreviver no ambiente hostil e errático da rússia soviética. 
Participou em vários festivais pelo mundo fora, onde ganhou vários prémios. O mais importante foi o Venice Horizons Documentary Award, no Festival de Veneza. Era o filme de estreia de Aleksey Fedorchenko.

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Pereval (Pereval) 1988

Uma nave espacial humana caíu num planeta extraterrestre. Alguns anos depois, é enviado um pequeno grupo composto por filhos dos sobreviventes, nascidos na altura do acidente, de volta para os destroços da nave. Os jovens precorrem o caminho através de uma paisagem hostil e surreal que lhes causa algumas surpresas. Encontram a nave bem preservada, e um dos jovens sente uma ligação importante ao seu passado e às suas origens. 
Um filme escuro com uma atmosfera contemplativa, mesmo nas sequências de acção. No entanto, há também algumas sequências cómicas, na forma de uma criatura de oito olhos, semelhante a um elefante, que os jovens encontram pelo caminho. 
Vladimir Tarasov, o realizador, utiliza um estilo arrojado, realista, com contrastes nítidos: ele sobrepõe sombras com tons de amarelo monocromáticos e vermelhos para criar uma atmosfera gráfica única, que faz lembrar o trabalho de Frank Miller. O planeta é retratado como estéril, perturbador e ameaçador, e as imagens são muitas vezes surreais, e nenhuma tentativa é feita para dar ao "background" qualquer senso de realismo. Tudo isto torna o filme comparável a "La Planète Sauvage", de Laloux, embora com algumas diferenças de estilo. A nave espacial, por exemplo, parece-se mais com um tempo extraterrestre do que propriamente uma nave da Terra. Ficamos com a idéia de que a viagem dos jovens é mais simbólica do que real. 
Realizado por Vladimir Tarasov, e adaptado de um livro de Kir Bulychev, "Pereval" foi o último filme de animação de Tarasov durante o período da era soviética.

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Cidade Zero (Gorod Zero) 1989

Uma absurda viagem pelo tempo em que um homem inocente se torna prisioneiro dos fantasmas do passado stalinista. Ele não consegue mais sair da cidade onde foi realizar uma inspeção rotineira de engenharia. Lá, é acusado de crimes não cometidos e, em contraponto, confundido com o filho de um antigo inimigo do povo que dançou o primeiro rock da aldeia, nos anos cinquenta.
Cruzamento de "Alice no País das Maravilhas" com Franz Kafka, nesta comédia sombria de Karen Shakhnazarov, chamada "Cidade Zero", uma sátira mordaz sobre um sistema soviético resolutamente acorrentado à inércia e burocracia contra os ventos da mudança que vão soprando. Shakhnazarov diverte-se a criticar facções opostas dentro do sistema soviético - aqueles que querem a mudança, e os que não querem - usando o pesadelo Kafkiano de Aleksei e o absurdo dos acontecimentos. O filme é tanto um símbolo da nova abertura do final dos anos 80 na antiga URSS, como um sinal das coisas que estavam por vir, onde o nacionalismo regional se sente inquieto ao lado de uma identidade colectiva onde a burocracia frustrada com ineficiência é o elefante ignorado na sala, e onde a propaganda sistemática torna impossível separar os factos da ficção.
Com imagens de um passado pesado e um futuro indeterminado, baseado tanto nos contos folclóricos e nas formas mais modernas de absurdismo, o filme de Shakhnazarov é um verdadeiro marco no campo da ficção da antiga união soviética, e do cinema feito no final dos anos 80.

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

To the Stars by Hard Ways (Per Aspera Ad Astra) 1981

Uma missão espacial encontra uma nave extraterrestre não identificada. A bordo da nave, a tripulação encontra uma mulher, pelos vistos a única sobrevivente de alguma tragédia. De volta à Terra, os cientistas tentam descobrir se Neeya é humana ou um ser criado artificialmente, já que ela não se lembra de quem é. O cientista Serjioja Lebedev oferece-se para abrigá-la na sua casa de campo, onde ela vem a descobrir muitos aspectos sobre o mundo humano. Um lenta ligação começa a crescer entre ela e o filho de Lebedev...
Com a excepção de "Solaris" de Tarkovsky, a ficção científica soviética tem um historial de ser mal tratado no ocidente, e "To the Stars by Hard Ways" não é excepção. O filme teve o azar de caír nas mãos ruinosas de Sandy Frank, que mandou fazer uma dobragem totalmente desordenada, para depois ser exibido na televisão americana com o nome de "Humanoid Woman".
Na união soviética, não surpreendentemente, as coisas seriam diferentes. Escrito pelo popular autor de ficção científica Kir Bulychyov, foi um sucesso crítico e de público nos dias do seu lançamento, e depois da queda do comunismo, tornou-se num filme de culto entre os jovens cinéfilos. Esta renovada popularidade provocou o sucesso de uma versão restaurada do filme (projecto de Nikolai Viktorov, filho do realizador original Richard Viktorov) em 2001.
"To the Stars By Hard Ways" era baseado numa curta história de Bulychyov chamada " Difficult Child". Nesta história um jovem humanoide é encontrado no espaço como fazendo parte de um grupo de humanoides semelhantes que foi enviado à Terra na esperança que eles possam sobreviver à morte do seu planeta natal, e possam assegurar a continuação da sua espécie, ainda que em menor escala. No entanto, a sua integração nas famílias terrestres parece ser mais difícil do que ele pensava. "To the Stars By Hard Ways" vai buscar a semente da história de Bulychyov, e expande-a substancialmente. Tanto no livro como no filme é possível ler trechos autobiográficos do autor. Enquanto jovem, Bulychyov viveu os horrores de Stalin, e as dificuldades da Segunda Guerra Mundial. A sua mãe era uma engenheira química que foi designada para uma fábrica de munições, e, mais tarde, foi enviada para um laboratório de medicina experimental, onde conheceu e casou com o seu segundo marido, ele próprio um químico. Os seus pais serviam como modelo para a família soviética perfeita na história. 
A mãe de Bulychyov cultivou-lhe o interesse na ficção científica, assim como na ciência, oferecendo-lhe comics que depois o incentivaram a entrar no mundo da tradução e da escrita. Enquanto trabalhava num projecto na Birmânia Bulychyov encontrou uma série de livros de ficção científica deixados por soldados ingleses, e a partir daqui iniciou uma carreira no ramo da escrita de ficção científica, sempre a desafiar a censura, ou pior, ou a pisar a linha. Nunca se juntou ao sindicato dos escritores, nem ao Partido Comunista, mesmo sabendo que quem não o fazia estava sujeito a morrer. Esta colaboração com Richard Viktorov é um ponto alto na carreira de ambos. 

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Hotel do Alpinista Morto ('Hukkunud Alpinisti' Hotell) 1979

Algures num futuro próximo, a policia recebe um estranho pedido de ajuda de um hotel isolado, situado nos Alpes. Quando o Inspector Peter Glebsky (Uldis Pucitis) chega ao local tudo parece estar bem. O crime que ele iria investigar parece não ter ocorrido. Pensando que tudo se tratava de uma brincadeira, ele liga ao seu chefe da recepção do hotel, e negoceia uma estadia de uma noite, disfrutando da vista espectacular, e da decoração moderna do resort. Mas esta noite vai ser tudo menos uma noite calma.
Baseado num livro do mesmo nome de 1970, também publicado com o título “Inspector Glebsky's Puzzle”, o filme tem argumento dos irmãos Strugatsky, que também são os autores da história original, estes irmãos também são conhecidos por terem escrito os livros que deram origem ao filme "Stalker", e "Hard to be a God", duas das produções mais importantes da ficção científica soviética. 
É interessante como este filme partilha temas em comum com o trabalho de  Phillip K. Dick. Pessoas estranhas com nomes estranhos, e um homem solitário a lutar contra a sua percepção da realidade, e o que significa ser humano. O filme em si tem alguns paralelos com "Blade Runner", tanto na trama como na estética. O ritmo lento, os visuais escuros, e as armadilhas retro-futuras, acompanhadas pela estranha banda sonora de Sven Grünberg, que soa um pouco a Vangelis. 
A nível do argumento, é um filme muito complicado para fazer sentido num primeiro visionamento, e há alguns saltos e cenas abruptas que nos diminuem a oportunidade de absorver cenas importantes ou eventos estranhos. Mas, bem perto do final, tudo fará sentido.
Seria o derradeiro filme de Grigori Kromanov, um realizador nascido na Estónia, e que faleceria bastante cedo.

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domingo, 15 de janeiro de 2017

As Averiguações do Piloto Pirx (Test Pilota Pirxa) 1978

O filme é sobre "finite nonlinears," robots que assemelham a humanos, mas são ainda mais perfeitos do que os humanos. Eventualmente, eles destinam-se a substituir os seres humanos nos voos espaciais. Um pouco apreensiva sobre a sua inutilidade, a Unesco marca um voo espacial para testar as suas reacções aos seres humanos que também compõem a tripulação. Pirx é escolhido como comandante do voo, e a identidade dos robots não lhe foi revelada...
Co-produção entre a URSS e a Polónia, "Test Pilot Pirxa" tem sido citado por alguns críticos como um precursor (se não mesmo uma influência) para "Blade Runner" (1982), dadas as preocupações da sua história, e a relação instável entre robots e seres humanos.
Baseado na história "The Inquest” de Stanislaw Lem, a versão cinematográfica de Pirxa é uma amálgama de ficção científica cerebral com James Bond, com alguns momentos irregulares, para não falar da velocidade do filme, que é capaz de enervar os mais impacientes, mas também há uma série de outros momentos únicos, que elevam o filme ao estatuto de culto. 
Apesar de começar como um típico filme de ficção científica da Europa do Leste, com bastantes diálogos e pouca acção. Esta primeira parte é passada na Terra, e tem o formato de filme de espionagem, com os empresários norte-americanos a serem tratados como criminosos acima da lei. Mas, o filme, torna-se bem mais interessante a partir do momento em que a missão é lançada, parecendo um trabalho conceptual semelhante às obras de Philip K. Dick. Aqui, o filme torna-se num drama fascinante para descobrir quem a bordo da nave é android ou não. 

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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

The Silence of Dr. Evans (Molchaniye Doktora Ivensa) 1973

Dr Evans, a sua esposa, e alguns outros passageiros são salvos por extraterrestres de um acidente de avião. Um dos aliens humanoides desenvolve um relacionamento especial com o Dr Evans, cujo trabalho científico aspira a prolongar a vida humana. Como primeiro encontro para ambas as partes os dois parecem ter ficado um pouco desapontados com o outro lado, apesar dos aliens terem menos coisas a corrigir.
Este argumento poderia corresponder a um episódio da popular série de televisão "The Twilight Zone", mas acaba por ser uma desculpa para a observação da condição humana a partir de um ponto de vista imparcial. Ou seja, com destaque para os aspectos contraditórios e difíceis de explicar sobre a nossa espécie, para os extraterrestres, que em principio viajam pelo universo para fugir da solidão, e se surpreendem pela forma como os ricos deixam os pobres morrerem de fome, ou não conseguem entender a humanidade como um todo, regido pelas mesmas leis, estabelecendo fronteiras entre similares, levando a disputas na forma de guerra.
A ênfase é no diálogo, e o filme tem acção e efeitos especiais limitados. A exibição de um scotch whisky, e de uma famosa marca de cigarros tentam dar ao espectador a impressão de que o filme é passado em algum sitio da Europa Ocidental. As interpretações são bastante boas, principalmente a de Sergey Bondarchuk, no papel principal, uma espécie de Marcello Mastroianni russo, que contava já com um número elevado de filmes no seu país natal, mas também era conhecido por ser o pai de Natalya Bondarchuk, a protagonista de "Solaris", filme que tinha visto a luz do dia no ano anterior. Era apenas o segundo e último filme de Budimir Metalnikov. 
É um filme muito raro, só o consegui com legendas em inglês.

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Amphibian Man (Chelovek-Amfibiya) 1962

Marinheiros e pescadores numa pequena cidade costeira perto de Buenos Aires estão em pânico depois de avistarem uma estranha criatura marítima. No entanto, este demónio do mar prateado parece ser algo benevolente, ao resgatar a bela Gutiere (Anastasia Vertinskaya) do ataque de um tubarão. Longe de ser um monstro, Icthyander (Vladimir Korenev) é uma espécie de superhomem marítimo, dotado de pulmões de tubarão pelo seu pai, Professor Salvatore (Nikolai Simonov). O recluso génio confia ao bom coração Olsen (Vladlen Davydov) o seu plano de criar uma comunidade utópica debaixo do mar, uma sociedade onde ricos e pobres viverão de modo igual. 
Baseado num livro de ficção científica escrito por Alexander Beliaev, "Amphibian Man" é um filme pouco conhecido no ocidente, mas foi um grande sucesso na União Soviética dos anos sessenta, e continua a ser um filme duradouro. Com uma estimativa de 65 milhões de bilhetes vendidos, só no seu país de origem, o filme fez de uma estrela a sua fantástica protagonista, Anastasia Vertinskaya, que logo depois seria protagonista no épico de Sergei Bondarchuk "Guerra e Paz" (1966), assim como a sua música-tema se tornaria num sucesso, cantada até aos anos 90.
É considerado um conto de fadas com toques de ficção científica, por vezes semelhante ás fábulas de Tim Burton sobre estranhos e extravagantes personagens, fundindo elementos de "Creature from the Black Lagoon" (1954) com "The Little Mermaid" (1990). As sequências submarinas hipnóticas podem ter influenciado "Vertigem Azul" (1988), de Luc Besson, embora este filme fosse mais acessível e ambicioso. Alexander Beliaev reclamou com grandes influências Jules Verne e H.G. Wells, evidentes nas conversas entre Professor Salvatore (que detesta a humanidade), e Olsen (que acredita que a humanidade deve ter uma hipótese. 
Realizado a quatro mãos, por Vladimir Chebotaryov e Gennadiy Kazanskiy.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Planet of Storms (Planeta Bur) 1962

Cosmonautas soviéticos aterram na superfície quente e desigual do planeta Vénus, que se revela um planeta muito inóspito para os seres humanos, mas perfeito para criaturas gigantes. Além de fluxos de lava, plantas assustadoras, dinossauros, há uma corrente de água, que esconde evidências de habitações anteriores de seres inteligentes e artísticos, que provavelmente podiam ser parecidos com os humanos. Mesmo com a ajuda de um robot amável e pensativo, os humanos estão constantemente em perigo.
O realizador russo Pavel Klushantsev, agora considerado um dos verdadeiros visionários da ficção científica, é pouco conhecido no Ocidente, no entanto, a sua atenção meticulosa para os detalhes visuais, à realidade científica e probabilidade, tornarem estes vôs cinematográficos cheios de imaginação ainda mais influentes no género ficção científica, principalmente influenciando filmes posteriores mais sérios, como "2001: a Space Odissey".  Na altura em que o filme foi produzido ainda não se sabia se existia vida em Vénus ou não, mas, a existir, os cientistas soviéticos pensavam que fosse assim.
Klushantsev trabalhava no Leningrad Film Studio for Science and Technology, primeiro como director de fotografia, depois como realizador. Esta mudança permitiu-lhe tornar-se num pioneiro e inventar técnicas lendárias para filmar os planetas, as estrelas e a ausência de gravidade, muito antes de qualquer outra pessoa. À medida que a corrida espacial se intensificou, entre os Estados Unidos e a União Soviética, a partir do final da década de cinquenta, Klushantsev já estava à frente dos rivais, com os seus filmes inventivos. Adicionava sempre uma certa dose de comentário pró-soviético, para manter os seus filmes fora dos censores, mas era óbvio que ele estava mais interessado nas viagens espaciais, ambientes estranhos, e as possibilidades de novas formas de vida noutros planetas. Do seu corpo de trabalho destacam-se "Meteors" (1947), "The Universe" (1951), "Road to the Stars" (1957), "Planet of Storms" (1962), "The Moon" (1965), e "Mars" (1968). Dos quais se destaca este "Planet of Storms".
De acordo com alguns historiadores, "Planet of Storms" estabeleceu novos padrões para os filmes de ficção científica. Klushantsev teve ajuda de alguns dos mais notáveis cientistas russos, que lhe asseguraram autenticidade no seu projecto, e compreensão nas viagens ao espaço. Mas também foram adicionados elementos humanos ao filme, os seus personagens não eram simplesmente autómatos, nem sequer o robot que os acompanha. A questão filosófica da vida noutros planetas é respondida afirmativamente.
O produtor americano Roger Corman ficou tão envolvido pelo filme que comprou os seus direitos, mas, em vez de o distribuir, precedeu a uma série de cortes e remontagens, adicionando algumas cenas com Basil Rathbone a conversar com os astronautas. O filme foi dobrado para inglês mas permaneceu intacto visualmente, e levou depois um novo nome, "Voyage to the Prehistoric Planet" (1965), que durante anos foi a única forma dos ocidentais verem "Planet of Storms", mas sem toda a poesia ou filosofia de Klushantsev.

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domingo, 8 de janeiro de 2017

Cosmic Journey (Kosmicheskiy Reys: Fantasticheskaya Novella) 1936

Apesar da sua precisão em vários aspectos sobre as viagens espaciais, "Cosmic Journey" era um filme pouco conhecido até recentemente. Até o filme de Fritz Lang "Woman in the Moon" (1929), recebeu uma distribuição muito maior, e ainda é um prazer ser visto, apesar de não ser tão preciso como este "Cosmic Voyage". 
Em 1932 a Komsomol, uma organização comunista juvenil na União Soviética de Staline, insistissem que os cineastas criassem obras que atraíssem os jovens. Alguns temas, incluindo a ficção científica, foram propostos. O realizador Vasily Zhuravlyov perguntou ao argumentista Aleksandr Filimonov, com quem já tinha trabalhado antes, se ele podia escrever um argumento sobre a primeira viagem da humanidade à Lua. Seguiram-se conversas com o lendário realizador Sergei Eisenstein, que tinha sido relegado para executivo num dos estúdios soviéticos de cinema. Eisenstein já não podia fazer filmes depois de regressar dos Estados Unidos e México, mas a proposta para este filme de ficção científica foi aceite, e Zhuravlyov com Filimonov começaram a trabalhar.
Para garantir a precisão científica contactaram Constantin Tsiolkovski, um professor, cientista e escritor. Este ficou tão animado com a possibilidade de ver algumas das suas teorias científicas sobre viagens espaciais serem colocadas num filme, que ofereceu os seus serviços como consultor. Embora compreendendo que a forma cinematográfica e o conteúdo dramático exigiria alguma flexibilidade de probabilidade científica, Tsiolkovski exigiu que alguns elementos devessem aparecer no filme: o foguete devia ser enviado de uma rampa em vez de verticalmente por causa do seu tamanho ser enorme, as cabines individuais deviam encher-se de água durante a descolagem para facilitar os efeitos da pressão externa no corpo humano, as estrelas no espaço não piscariam, os astronautas poderiam saltar na superfície da lua, o regresso da nave à terra devia ser feito com para-quedas. 
Durante uma série de reuniões, o realizador e os outros membros da equipa aprenderam muito sobre uma possível viagem à Lua, e a sua provável realidade. Tsiolkovski, com 78 anos na altura, ajudou com cálculos e apresentou 30 desenhos para manterem a nave o mais científica possível. A sua experiência como professor de matemática e geometria ajudou-o a tornar as suas idéias mais simples e compreensíveis. Muito depois da sua morte, Werner von Braun, um dos vários cientistas alemãs levados para os Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, para dirigir o programa espacial americano, elogiou os cálculos de Tsiolkovski, e como foram importantes para se fazerem as primeiras viagens espaciais. 
Em Dezembro de 1935 a montagem final do filme estava pronta. Estreava a 21 de Janeiro de 1936, e apesar de ser mudo, e a maioria dos filmes daquela altura já serem falados, conseguiu um enorme sucesso na União Soviética. A idéia de ser mudo, era para que pudesse ser visto até nas pequenas localidades do país, que ainda não tinha sistema de som. No entanto, e apesar da sua popularidade, o filme foi retirado da circulação pouco tempo depois. Os censores, além de decepcionados com a frívola viagem à Lua, sentiram que os personagens estavam mais interessados em atingir conhecimento científico em vez de promoverem a causa socialista. O filme permaneceu assim obscuro durante anos, até ser exibido em 1984, na televisão russa. 
Para o público ocidental é uma obra quase desconhecida, e que merece ser descoberta. Aproveitem esta versão, com intertitles em português. Nunca estreou, nem em Portugal nem no Brasil.

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sábado, 7 de janeiro de 2017

Aelita - A Rainha de Marte (Aelita) 1924

O filme passa-se no início da NEP (Nova Política Económica), em dezembro de 1921. Uma mensagem de rádio misteriosa é transmitida em todo o mundo, e entre os terrestes que a recebem estão Los, o herói do filme, e o seu colega Spiridonov. Los é um sonhador individualista. Aelita é filha de Tuskub, o governante de um estado totalitário em Marte em que a a classe trabalhadora era congelada quando não era necessária. Com um telescópio, Aelita é capaz de ver Los. Como que por telepatia, Los fica obcecado em ser visto por ela, e depois de algumas peripécias envolvendo o assassinato da sua esposa com um detetive na perseguição, Los assume a identidade de Spiridonov e constrói uma nave espacial para se deslocar a Marte...
Antes de Eisenstein, Vertov, Pudovkin capturarem a atenção do mundo com uma abordagem nova e emocionante para o cinema, o cineasta soviético Yakov Protazanov forjou uma carreira impressionante com uma abordagem mais tradicional. A sua prolífica carreira cinematográfica começou no início da indústria do cinema soviético. Começou como ator, em 1905, mas em 1909 mudou-se para a cadeira de realizador. Entre 1909 e 1917, dirigiu 40 filmes, muitos dos quais eram épicos de grande escala histórica, adaptações literárias, entre outros... No entanto, quando a Revolução de Outubro trouxe a turbulência e a incerteza, Protazanov fugiu da Rússia. Primeiro instalou-se em Yalta na Crimeia e, posteriormente, andou à deriva por Odessa e Constantinopla. Protazanov e os seus companheiros continuaram a fazer filmes, mas recebiam apenas o apoio financeiro dos estúdios locais. Uma vez chegado a França, a carreira de Protazanov mais uma vez tomou raízes, mas depois da estabilidade voltou a restabelecer-se na Rússia, o novo incipiente da indústria do cinema soviético pediu a Protazanov para voltar e contribuir com o seu talento para novas produções. E ele regressou. Uma vez de volta à Rússia, começou a planear um filme vagamente baseado numa novela de Alexei Tolstoy - Aelita, a Raínha de Marte. E seria o seu filme mais conhecido no Ocidente. Um espectáculo de ficção científica socialista com cenários magníficos que evocam motivos construtivistas e cubistas, Aelita foi o primeiro filme de grande orçamento feito na Rússia. Um ano e meio em filmagens, Aelita foi concebido como entretenimento de massa ideologicamente correcto que poderia competir nas bilheterias com os filmes de Hollywood. 
Com um hype de pré-estreia que faria os estúdios contemporâneos verdes de inveja, Aelita recebeu uma enorme cobertura: aviões a lançaram milhares de panfletos e figuras gigantes de Aelita e Tuskub nas fachadas decoradas dos teatros. O público mal podia esperar que as portas do teatro se abrissem. De acordo com algumas histórias, a comoção ditou a ausência de Protazanov de participar na estreia. Enquanto Aelita foi um sucesso popular, os críticos soviéticos não foram tão amáveis. Lamentaram o estilo ocidental escapista do filme. E mais tarde, depois da chegada de Eisenstein, Pudovkin e Vertov, Aelita foi retirado de circulação. No entanto, a influência do filme é difícil de sobrestimar. Os cenários avant-garde incriveis - desenhados por Alexandra Exter e o seu protegido Isaak Rabinovich - logo seriam ecoados por Fritz Lang em Metrópolis, e os cenários do planeta Mongo em Flash Gordon refletem fortemente a visão de Marte de Aelita. De qualquer forma, não é a qualidade da propaganda do filme que leva ao seu status de clássico, mas a sua visão de Marte, que ficou bastante famosa.
Notavelmente sofisticado para a época, tanto a nível da narrativa como da técnica visual, Aelita é uma mistura inteligente de ficção científica e cinema pró-comunista, embora não seja uma peça de propaganda directa. Pelo contrário, faz avisos sobre a facilidade com que as revoluções podem ser corrompidas, retrata uma sociedade russa que está longe de ser perfeita, com as pessoas a aproveitarem-se umas das outras e funcionários do governo a enganarem o sistema, e adverte que a única maneira de preservar uma sociedade saudável é através da vigilância e do trabalho duro. Esta é uma abordagem intelectual para a política que seria sufocada na Rússia, não muito tempo depois, e que, nos próximos anos, surgia apenas indirectamente através do trabalho de grandes realizadores como Tarkovsky e Eisenstein, que enfrentaram a censura. Aqui está tudo a nú, e honestamente, o filme em si é um exemplo do trabalho que defende.
Intertitles em inglês. 

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quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Ficção Científica Soviética: O Futuro que Nunca Chegou

Em 1898 o britânico H. G. Wells escreveu "The War of the Worlds", um livro de ficção científica em que os marcianos invadem a Terra, e quase dizimam a humanidade.
Uma década depois, naquele que era na altura chamado de Império Russo, o escritor e revolucionário Marxista Alexander Bogdanov, escreveu "Red Star", um livro igualmente sobre os marcianos a chegarem à Terra. No livro de Bogdanov os marcianos não são violentos ou monstruosos, em vez disso convidam o personagem principal, um jovem estudante russo chamado Leonid, a visitar o planeta vermelho, para ver de perto a civilização marciana: uma utopia próspera, pacífica e comunista.
Tomáš Pospiszyl, um escritor e estudioso de arte checo, disse na conferência "Futures of Eastern Europe", realizada em 2014, que o optimismo de "Red Star" era uma característica fundamental da ciência soviética. Pospiszyl disse também que no inicio do século 20, quando os dois livros foram escritos, muitas pessoas acreditavam que havia uma civilização avançada em Marte. Mas, enquanto H. G. Wells interpretava o "avançada"como militante e conquistadora, Bogdanov interpretava o "avançada" como comunista, e, portanto, pacífica e próspera.
No entanto, não muito depois da União Soviética se ter estabelecido em 1922, a ficção científica, e muitos outros tipos de literatura, foram banidos nos estados. Era visto como um género ocidental decadente. Tanto a ficção científica como a ideologia comunista estavam muito preocupadas com o futuro. A ideologia comunista baseava-se no futurismo, ou numa clara perspectiva histórica, que conduzia do capitalismo no passado, ao comunismo no futuro.
Na década de 50, depois da morte de Joseph Stalin, a ficção científica foi mais uma vez permitida na União Soviética. No entanto, isso não queria dizer que os escritores pudessem escrever aquilo que lhes apetecia. Esta limitação foi abandonada em 1956, mas, mesmo sem ela, o estado ainda impôs restrições, tanto explicitas como implícitas, à ficção científica soviética.
Os cineastas soviéticos foram pioneiros na ficção científica, lançando filmes inovadores como "Aelita", em 1924, numa altura em que o desenvolvimento das histórias ainda era uma coisa nova para as imagens em movimento. Ao longo de décadas a União Soviética continuou a produzir cinema inovador com efeitos especiais impressionantes, apesar da estrita supervisão do governo, produzindo histórias de planetas distantes, super armas futuristas, e experiências científicas aterrorizantes.

A ideia deste ciclo foi-me dada por uma amiga minha, a Ágata, já há alguns meses atrás, tendo depois desenvolvido o conceito neste artigo do A. V. Club. Pretende ser uma viagem pelo mundo da ficção científica soviética, no cinema, um mundo muito pouco desbravado pelas populações ocidentais, mas que merece, sem dúvida, uma divulgação, mesmo que seja rápida. Será um ciclo simples, com 10 filmes, e especial enfoque no período da Guerra Fria. De fora ficarão alguns filmes que já se encontram no blog, como os de Tarkovsky ("Stalker" ou "Solaris"), e também "Kin-Dza-Dza", de Georgiy Daneliya. Mas, posso garantir que será uma viagem agradável.

Deixo-vos com imagens de um dos filmes que poderemos ver neste ciclo:


domingo, 1 de janeiro de 2017

Douglas Sirk em Março no M2TM

"Eu tinha vagamente ouvido falar de um cineasta alemão que fugiu do regime nazi e se radicou nos EUA no final dos anos 30. Tinha lido qualquer coisa sobre o facto de nos anos 50 ter feito melodramas populares que foram sucessos de bilheteira, mas não demoveram os críticos mais empedernidos e exigentes. Não liguei muito a isso. De facto, o melodrama nunca foi um género que me entusiasmasse particularmente. 

Um dia, depois de ver o Far From Heaven de Todd Haynes, li uma entrevista em que o cineasta americano se referia a Douglas Sirk e particularmente ao filme All That Heaven Allows (Tudo O Que o Céu Permite). A argumentação de Haynes era de tal modo apelativa e encomiástica relativamente ao génio de Sirk, que não resisti e fui tentar perceber os motivos de tanta admiração. Tive a sorte de começar pela obra prima do melodrama social, Imitação de Vida. e desde aí nunca mais parei." 



É desta forma começará o ciclo, em Março, dedicado ao grande Douglas Sirk. Mais uma vez com a colaboração do professor Jorge Saraiva na parte dos textos.
Aqui o blog tem agora uns dias de descanso, e continua na quinta.

Malvadez (Malvadez) 1991

Vindo do Fundão para Lisboa, onde não estava desde o serviço militar, Matias descobre que a realidade da cidade não é exactamente a que se lembrava.
""Malvadez" começa a mostrar um tanto o que é isso de um telefilme primeira obra de um realizador. Isto é, uma ficção sangrenta e ingénua, uma história algo esfiapada mas uma nítida vontade de cinema (veja-se como os planos são todos plasticamente pensados - mais os planos que a cena, é curioso), indecisões, acertos, desvios, fixações (ah, "Os Verdes Anos"). Ainda não um argumento talhado a preceito (quantas irrespondidas ou personagens sem precisa utilidade dramática: porque é que aquele tipo está no Fundão, quem é e para que serve a personagem de Maria Amélia Matta, quem utilidade tem o personagem de Isabel Ruth?..). Ainda não tem um espaço social definido com rigor. Mas já credibilidade. Mas já actores a fazer de gente possível (Pedro Hestnes, Miguel Guilherme, Vitor Norte e Sónia Guimarães a cumprir bem e com acuidade). Mas já uma atenção sonora (muito boa a música de Bochmann, embora Luis Alvarães a use, com destreza, para colmatar problemas de montagem, fazendo um "continuum" musical para que as coisas colem com mais maleabilidade - e quem lhe atira a primeira pedra?). Mas já cinema a acontecer. A começar a balbuciar-se com jeito. A mostrar vontade e vocação. O que é o essencial, porque estamos a falar de começo, de prova de aptidão profissional, de primeiros sinais.
Tudo adicionado e ponderado, estamos de parabéns. Vimos nascer um cineasta. Se grande, se minorca, se audaz ou se rotineiro, isto só veremos ao longo do futuro, se o futuro não for avaro para Luis Alvarães. A primeira barra foi transporta, sem lugar para entusiasmos desmedidos, nem imprecações sumárias. É isso apenas o que sabemos, e isso é bom."
Texto publicado no Expresso, em 13-71991.

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Aqui na Terra (Aqui na Terra) 1993

Miguel, um economista bem estabelecido na vida, fica profundamente afetado pela morte do seu pai. Começa a sofrer de alucinações, perde interesse no seu trabalho e desliga-se da sua mulher. Entretanto, longe da sua cidade, dois jovens provincianos, António e Cecília, estão apaixonados. O primeiro mata um homem que abusava de Cecília, que por sua vez está grávida. António, apesar de não ser o pai da criança, aceita-o como seu. A família e a comunidade rejeitam Cecília que, por ironia, encontra apoio e auxílio junto da viúva do homem que António matou. 
João Botelho realizou e escreveu "Aqui na Terra" em 1993, confirmando, mais uma vez, a qualidade e a inteligência do seu cinema. Refletindo sobre um país de altos contrastes e clivagens sociais, económicas e culturais, Botelho tenta estabelecer inesperadas ligações emocionais entre o campo e a cidade, a partir das distintas histórias de dois casais em crise. Dois casais que, apesar de evoluírem em distintos universos, acabam por cruzar as suas trajetórias, angústias e problemas, ?Aqui na Terra? de todos e de ninguém, num país desconcertante e ambíguo. Botelho, como sempre, domina de forma soberba as atmosferas plásticas de um filme envolvente e tocante, servido por um belo elenco que conta com as participações de Luís Miguel Cintra, Jessica Weiss, Pedro Hestnes e Rita Dias.