sábado, 8 de março de 2014

Viver a Sua Vida (Vivre sa vie: Film en Douze Tableaux) 1962



O quarto filme de Jean-Luc Godard é ao mesmo tempo uma mistura dos elementos dos seus filmes anteriores (o existencialismo áspero a preto e branco de "À Bout de Souflle", o pano de fundo politizado de "Le Petit Soldat", e a centralização feminina de "Un Femme est une Femme), e, ao mesmo tempo, um indicador directo para onde o cinema de Godard iria na próxima década, mais especificamente em relação a uma maior reflexão, marca socialmente consciente do cinema político que era mais do que um ensaio narrativo. "Vivre sa vie" está estruturado em doze  “tableaux” que traçam a decadência de uma jovem mulher aspirante a actriz, até prostituta. Godard já a algum tempo que era fascinado pela prostituição, não só por causa das suas implicações sociais e morais, mas também pela sua separação filosófica da mente e do corpo, algo que ele iria explorar melhor mais tarde.
A protagonista de "Vivre sa Vie" é Nana K.(Anna Karina, musa de Godard e na altura sua esposa, na terceira de sete colaborações entre ambos) para quem somos introduzidos pela primeira vez quando ela está de costas para a câmera, enquanto ela fala com o seu ex-marido Paul (André S. Labarthe). Esteticamente esta cena de abertura estabelece a relutância proposicional de Godard em jogar pelas regras clássicas do cinema tradicional, privilegiando o som directo, muito preciso, os takes longos, e mantendo a protagonista de costas para a câmera durante muito tempo. Tematicamente, enfatiza o forte senso de autonomia, ela é uma mulher que planeia viver a sua vida pela sua própria vontade, que a faz ser tão poderosamente trágica tendo em conta o rumo que a sua vida toma.
A  partir daí o filme segue Nana enquanto ela luta economicamente, deixando de fazer face às despesas, a trabalhar numa loja de discos ( a certa altura ela é expulsa do apartamento) e eventualmente juntando-se a um chulo chamado Raoul (Sady Rebbot), que a mostra a uma vida de prostituição.
Maravilhosamente filmado num preto e branco pelo director de fotografia Raoul Coutard, que trabalhou com Godard em 15 filmes, mantém um imediatismo estético, e a gravação em exteriores, enfatizando o aspecto documental da história sem sacrificar a fluição da narrativa.
Godard está claramente apaixonado por Anna Karina, e a sua câmera trata-a com grande reverência, os seus close ups foram comparados com os de algumas estrelas do cinema mudo, como Louise Brooks ou Lillian Gish, ou mesmo Maria Falconetti em "A Paixão de Joana D'Arc", que a nossa protagonista vê numa sala de cinema. De certa forma, "Vivre sa Vie" contém o melhor de Godard, tanto intelectual como emocional, e claramente sinalizou uma nova direcção numa das mais importantes carreiras da história do cinema.

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