quarta-feira, 29 de junho de 2016

Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard) 1955

Noite e Nevoeiro é o culminar doa actividade de Alain Resnais enquanto documentarista através de curtas metragens, numa carreira que já durava praticamente há uma década. Hoje é amplamente reconhecido como a sua primeira obra prima, como um dos melhores documentários de toda a história do cinema e como o filme definitivo sobre os campos de concentração nazis.
Noite e Nevoeiro parte de uma colaboração entre Resnais e Jean Cayrol poeta francês, ligado à Resistência e que mais tarde escreveria o argumento de Muriel, a terceira longa metragem de Resnais. A banda sonora é de Hans Eisler, um dos mais reputados compositores alemães do século XX e habitual colaborador de Brecht. O documentário mistura imagens de arquivo dos campos de concentração de Auschwitz e Majdanek com outras filmadas dez anos depois do horror. Intercala igualmente a cor e o preto e branco sendo estas imagens de arquivo histórico. O que impressiona mais fortemente em Noite e Nevoeiro é a sua notável contenção. O texto de Cayrol foge aos estereótipos comuns na abordagem deste tema e é, a um tempo, sereno e emotivo, transportando a proximidade de alguém que também passou por um dos campos de concentração, mas que consegue ter o necessário distanciamento para fazer uma análise racional da monstruosidade. As imagens são igualmente depuradas: as de arquivo perspectivam historicamente a emergência do nazismo desde que ele assumiu o poder na Alemanha em 1933 e combinam-se com as dos campos de concentração, dez anos depois, onde impera a desolação, o abandono e o silêncio. Longos planos de tenebrosas instalações, agora deixadas completamente ao abandono, minuciosamente escrutinadas pela câmara, revelam-nos que, por mais dolorosas que sejam as evocações do horror, elas devem permanentemente ser avivadas. Não por um mero capricho, mas para que a banalidade do mal de que falava Hanna Arendt, nunca seja esquecida.
De imediato o filme muito bem recebido, aguçando a curiosidade para futuras obras de maior dimensão do realizador. Foi exibido no Festival de Cannes extra-concurso por pressão de grupos de antigos prisioneiros e teve igualmente estreia comercial em França o que não era muito usual num documentário de 32 minutos. Curiosamente quer as autoridades francesas, quer o governo alemão fizeram inúmeras pressões para limitar a divulgação do filme ou até para exercer censura sobre o mesmo. No caso francês por causa de uma cena que mostrava o envolvimento isolado de um francês na colaboração com o nazismo; no caso alemão, porque seria necessário vir a geração do novo cinema alemão do início da década seguinte, para este país e este povo começarem a enfrentar o seu próprio passado. Curiosamente, foi também mal recebido pela direita religiosa em Israel, o que não é de todo incompreensível, tendo em conta as suas posições fundamentalistas que pouco se coadunam com a visão universalista que perpassa nos objectivos de Resnais e de Cayrol.
Pouco importa. Noite e Nevoeiro continua, mais de sessenta anos após a sua realização, a maravilhar sucessivas gerações de cinéfilos.
Texto de Jorge Saraiva

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