Uma Visita ao Louvre é o regresso a um filme feito quinze anos por Straub e Huillet: Cézanne. Voltam a estar presentes os diálogos entre o pintor e o seu amigo, poeta e crítico de arte Joachim Gasquet conforme foram recolhidos no seu livro sobre o pintor. Straub e Huillet mantêm a forma de abordagem das palavras com Huillet a ler em voz off todas as partes respeitantes a Cézanne, interrompidas muito esparsamente por pequenas perguntas que são lidas por Straub. Continuamos a ter um formato de média metragem desta vez com cerca de quarenta e cinco minutos de duração.
Se aparentemente estamos em presença de filmes semelhantes, na realidade são duas obras absolutamente distintas, embora complementares. Em Cézanne o pintor falava da pintura em geral e da sua pintura em particular. Aqui o autor analisa criticamente e numa linguagem profundamente expressiva as impressões que lhe causam as obras (pintura e escultura) de outros autores, nomeadamente alguns dos que estão expostos no Museu do Louvre, ou seja, praticamente de épocas anteriores à vaga surrealista da segunda metade do século XIX. Num tom sereno e sem vacilações, Danièle Huillet vai transmitindo a opinião, frequentemente heterodoxa, de Cézanne sobre um conjunto de quadros e de pintores. Os quadros são filmados em panos fixos e na sua íntegra, sem zooms para pormenores, para o espectador poder ter uma visão de conjunto dos mesmos. Mas o que é particularmente saboroso (perdoem-me a utilização deste adjectivo, mas é aquele que se me afigura mais adequado) são as reflexões de Cézanne sobre estes quadros. Tomo a liberdade de citar aqui algumas das suas reflexões:
«Eu não compreendo verdadeiramente Giotto. Gostava de tê-lo visto, mas já estou muito velho para voltar a Itália»
«A verdadeira pintura só começaria com os venezianos»
«Holbein, Clouet ou Ingres não têm nada além da linha. Ora isso é muito belo, mas não basta»
«David matou a pintura»
«O que marca o grande pintor é a personalidade que ele empresta a tudo o que toca, impulsiona, movimenta, apaixona, pois é possível ser apaixonado e sereno»
«Para amar uma pintura é preciso primeiro sorvê-la em grandes goles. É preciso perder a consciência»
«Nós perdemos este conhecimento da preparação, esta liberdade e vigor adquiridos sob a pintura»
As referências continuam sempre de forma polémica e apaixonada denegrindo os quadros de que o pintor não gosta e transparecendo uma intensa emoção sobre obras de Tintoretto e Delacroix que estão entre os seus favoritos. Mas o que mais fascina é este constante opinar, este «tomar partido» sem ambiguidades nem hesitações. Straub e Huillet mostram-nos os quadros em planos fixos, intervalados por breves separadores em que o ecrã fica negro, deixando-os respirar e terem vida própria. O que é deveras interessante, sobretudo para quem não é particularmente versado em pintura (como é o meu caso) é que as reflexões que acompanham os quadros, ajudam a interpretá-los e a avaliá-los, independentemente da concordância com as opiniões do crítico Cézanne.
Cada plano do filme acaba por se tornar, ele próprio, um quadro, ou, pelo menos uma relação entre a imagem do cinema e o objecto em si mesmo. Sempre feito de forma seca, no sentido em que não existem quaisquer artifícios para além dos quadros que se observam e a opinião crítica sobre eles. Exceptuando as imagens iniciais nas imediações do museu, um breve plano sobre o Sena e as imagens finais de uma floresta intensamente verde que evoca a mesma Sicília dos filmes imediatamente anteriores, tudo o mais é filmado dentro do museu, mas apenas dos quadros analisados. É esta demanda que transforma Uma Visita ao Louvre num filme belíssimo. Tudo pode ser simplesmente sintetizado no texto da Cinemateca: «O resultado é nada menos do que “um filme fabuloso, uma das mais entusiasmantes experiências cinematográficas dos últimos tempos. Começar por onde, destacar o quê, explicar o quê?” (Luís Miguel Oliveira»
Legendas em Inglês
* texto de Jorge Saraiva
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