domingo, 1 de março de 2020

A morte de Empédocles (Der Tod des Empedokles oder: Wenn dann der Erde Grün von neuem Euch Erglänzt) 1987

Quando se fala do filósofo pré-socrático Empédocles, recordo sempre as palavras do meu professor de Filosofia Antiga que nos recomendava uma cautela particular em relação à sua vida e ao seu pensamento, já que existiam muito poucas fontes fidedignas sobre uma e o outro. Uma delas é a obra de Diógenes Laércio, Vidas e Opiniões de Eminentes Filósofos e foi nela que o poeta e figura maior do romantismo alemão do início do século XIX, Friedrich Hölderlin, se baseou para escrever o drama a Morte de Empédocles.
A obra literária teve três versões, mas nenhuma dela foi concluída e reporta-se aos últimos dias de vida de Empédocles quando foi banido de Agrigento na Sicília, a sua cidade natal. Foi a primeira versão da Morte de Empédocles que Straub e Huillet transpuseram para o cinema com as características comuns aos seus filmes: utilização exclusiva de cenários naturais, ou seja, os montes junto do vulcão Etna na Sicília, som directo constituído pelas palavras dos actores e ruídos naturais e a utilização exclusiva de luz natural sem qualquer trabalho laboratorial sobre a cor. Toda esta simplicidade baseia-se num intenso e meticuloso trabalho de dezoito meses de filmagens, sobretudo de direcção de actores. Se a obra literária tem três versões, o filme tem quatro sempre com os mesmos planos, só que com tomadas distintas. Mas, ao contrário da generalidade dos seus filmes anteriores, em A Morte de Empédocles não existem cenários paisagísticos que funcionem como interlúdios entre as palavras. Estas assumem uma centralidade absoluta. Segundo Straub, o objectivo era trabalhar o ritmo da palavra, naquilo que o próprio designa pela «métrica justa», isto é, o respeito pela musicalidade do texto de Hölderlin. E, embora os meus escassos conhecimentos da língua alemã não me permitam desfrutar plenamente do texto original, mesmo as traduções não ofuscam a extraordinária beleza do texto. O seu apogeu acontece na parte final, onde o suicídio de Empédocles (que, segundo a lenda, se atira para o Etna) é sugerido como uma inevitabilidade. Obviamente que não é a verdade histórica que aqui se procura confrontar com a narrativa de Hölderlin, tanto mais que essa mesma verdade histórica é particularmente obscura. Empédocles foi uma das mais prestigiadas figuras da cidade de Agrigento até ser banido da cidade por influência do sacerdote, por se recusar a aceitar a tirania e a corrupção reinantes. Com excepção do seu jovem discípulo Pausânias, todos se colocam do lado do poder o que força o filósofo a um exílio sem destino e em condições particularmente penosas. Quando uma delegação da cidade procura mostrar arrependimento e persuadir Empédocles a regressar com todas as honrarias anteriores, este mantém-se irredutível: a sua dignidade tinha sido irremediavelmente manchada e já nada poderia ser feito para sanar a situação. 
A escolha dos textos que Straub e Huillet adaptam ao cinema nunca é inocente. Há sempre uma motivação política e moral subjacente que pode ser transporta para os nossos dias, naquela visão muito particular que os cineastas têm da história em que aquilo que é essencial pouco varia apesar das conjunturas particulares. Por isso é legítima a análise de Jean-Claude Guiguet no Libération em Outubro de 1987 quando afirma: «Como Empédocles rejeitando os traficantes de mitos falsificados, o cinema da clarividência, longe da ciência e da astúcia, radicaliza-se aqui, recrudesce a sua resistência para despertar as consciências sonolentas, iluminar o olhar, reagir contra o torpor. Ele mostra, com uma clareza assustadora, a chegada dos novos ídolos, esses padres tecnocratas da concorrência e da competitividade que nos vendem as suas mentiras sem vergonha no mercado negro do progresso. E pensar que ainda não entendemos nada: vivemos com ódio uns aos outros, trabalhamos sem convicção, corremos atrás do dinheiro de que não precisamos para morrer um dia sem que nada tenha realmente acontecido nas nossas vidas. Sim, estamos em maus lençóis. A Morte de Empédocles chama-nos à ordem: os assassinos estão entre nós.»
* texto de Jorge Saraiva

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