Operários Camponeses é o segundo de três filmes consecutivos de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet de encontro com a obra do escritor italiano Elio Vittorini. Após Sicília, desta vez inspiraram-se no livro As Mulheres de Messina que também seria fonte para o Regresso do Filho Pródigo de 2003.
Tal como seria de esperar, não se trata de nenhuma adaptação ao cinema de uma obra literária, propósito que nunca fez pare dos objectivos dos realizadores. Um grupo de actores/leitores lê excertos do livro de forma pausada e sem quaisquer tipos de entoações teatrais, interpoladas por momentos em que os actores recitam sem ler. O cenário conjuga o tom espartano dos seus filmes, onde todos os aspectos acessórios são meticulosamente removidos, com uma luxuriante floresta siciliana, de um verde brilhante e encantatório. Os actores raramente fixam a câmara, com os olhos nas folhas de papel e estão vestidos de forma comum sem quaisquer adereços ou trajes evocativos dos anos 40 do século passado, época em que o livro foi escrito. Para além da voz dos actores, que na maioria dos casos estão de pé, embora por vezes se sentem nos troncos de árvores derrubadas, ouvem-se os sons dos animais na floresta, designadamente de pássaros. O filme apresenta-se assim de forma totalmente depurada nas suas duas horas de duração. Para além do genérico inicial completamente a negro e com excertos de uma cantata de Bach, apenas na fase final há uma visão panorâmica da floresta que dura cerca de três minutos e que já é habitual nos seus filmes. Estamos assim em presença de um dos filmes mais radicais da dupla e um dos que mais privilegia a palavra do escritor. Nesse sentido, aplica-se talvez como a poucos outros filmes feitos por eles as palavras de Ruy Gardnier no blog Contracampo: «Sabemos desde A Crônica de Anna Magdalena Bach que o cinema dos Straub era claro. O que não sabíamos, provavelmente, é que o fato desse filme inaugural (mesmo que o primeiro tenha sido Machorka-Muff) levar para a frente da tela todas as fontes de iluminação tinha antes de tudo um valor de manifesto: jamais esconder ou fingir qualquer coisa em sua relação com o espectador. Projecto louco, de um fôlego absurdo – afinal, fazem isso há 40 anos – e de uma dimensão mais louca ainda, a se julgar pelos caminhos que a arte audiovisual tomou logo cedo e que hoje mais do que nunca segue: acabar com a sedução como modo de relação que entretém o espectador na cadeira com o filme que vê. Dessa forma, os Straub são os únicos no mundo (com exceção talvez de Guy Debord e dos filmes de Godard realizados pelo grupo Dziga Vertov) que fazem um cinema estritamente marxista na relação com o espectador: não há aqui nenhum privilégio dos meios de produção estética e a arte não se constrói por esse privilégio (esse saber-fazer).»
Esta ausência de truques e de filtros entre o que se faz e o que se vê, estende-se igualmente às palavras de Vittorini. Os excertos lidos e recitados surgem como depoimentos o que levou Straub a declarar que tem uma estrutura de quase filme policial e onde a imagem é mais densa e as cores mais intensas, mas sempre naturais e sem estarem sujeitas aos tratamentos artificiais da química moderna. O argumento acompanha a vida de um grupo de sicilianos e as suas memórias. Não se limita à descrição da vida dura nos campos, sobretudo no Inverno e à exploração constante a que foram sujeitos. Muitos deles de origem camponesa acabam por emigrar e tornar-se operários das grandes cidades do norte de Itália, embora nunca percam as suas raízes. Embora fosse um homem de esquerda, Vittorini foi sempre um heterodoxo quer na escrita, quer na ideologia. Apesar do título fazer pressupor grandes ambições revolucionárias, essa revolução surge aqui de forma mais subliminar. Não há a descrição de lutas revolucionárias, feitos heroicos típicos de certa literatura. Há descrições de histórias comuns de gente simples, de amores e conflitos, da descrição do trabalho e da forma com as estações do ano o influenciam e até sobre as virtudes do louro e as formas de fazer requeijão.
Talvez seja desta forma, nesta materialidade da fala (mais do que da língua escrita) nestas doces palavras entoadas numa torrente serena e ritmada, neste redescobrir de uma simplicidade que se vai perdendo quer no cinema, quer na vida, que conseguimos descobrir uma nova revolução por fazer.
Legendas em inglês.
* texto de Jorge Saraiva
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