sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Viver (Ikiru) 1952

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Muito embora Kurosawa seja principalmente conhecido pelos seus épicos sobre samurais ("Os Sete Samurais" e "Yojimbo, o Invencível") os seus interesses não se resumem a sangue e entranhas - apesar de nenhum realizador ter explorado como o fez o cineasta japonês todas as potencialidades das imagens de violência no grande ecrã. Kurosawa é, acima de tudo, o maior humanista da sétima arte, e "Ikiru" é prova cabal disso.
O filme conta-nos a história de Kenji Watanabe (Takashi Shimura, um dos actores predilectos de Kurosawa), um sarariman, ou seja, um assalariado ou burocrata de nível médio, cujo dia-a-dia é monótomo ou insatisfatório. O feito de que mais se orgulha é nunca ter faltado ao emprego durante os trinta anos em que trabalhou na secção do cidadão da Câmara Municipal. Kenji não se arrepende da mundanidade da sua existência simplesmente porque desconhece qualquer outra opção. Porém, tudo muda ao descobrir que tem um cancro e já não tem muito tempo de vida. Nos meses que lhe restam, Watanabe reconsidera as suas prioridades e realizações, e decide que nunca é tarde demais para mudar o mundo. Todas as suas energias são canalizadas para a construção de um parque público - um pequeno gesto que, para Kenji e Kurosawa, carrega, contudo, grande significado.
Em "Ikiru", Shimura brinda-nos com o desempenho da sua vida. Descoberta a doença de Kenji, o rosto do actor diz-nos o que precisávamos de saber. E as suas feições revelam-nos o mais vasto leque de emoções, da humildade à pura inexpressão. De facto, é-nos impossível não sentir a dor de Watanabe, dado que Shimura atravessa a película com um rosto marcado pela angústia. Se bem que esteja repleto de tristeza, "Ikiru" é, no final de contas, um filme de elevação espiritual. Aliás, esse é o propósito de Kurosawa: apresentar o sofrimento como parte integrante da vida, passível de ser utilizado de forma positiva para a obtenção da felicidade e da realização pessoal. Por outras palavras, "Ikiru" celebra a existência, apesar de o seu tema girar em redor da morte e do desgosto. Kurosawa, graças ao seu talento, mostra-nos como estes sentimentos não se contradizem, antes se completam, enquanto elementos do ciclo da vida. Na aldeia global e cínica dos nossos dias, a crença na importância das pequenas coisas, tal como é defendida pelo cineasta, não poderia ser mais tocante." Ethen de Seife

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