"Pousada das Chagas" foi uma encomenda caída do céu. A Fundação Gulbenkian tinha criado um museu de arte sacra em Óbidos e queria fazer um documentário sobre ele. Estávamos em 1970, e depois de " Mudar de Vida", em 1966, eu tinha deixado de acreditar no cinema clássico. A tarefa era urgente e não havia tempo para pensar. Enchi os bolsos com bocados de papel - citações de Rimbaud, Légende Dorée, Camões, Lao-Tse - e fui para Óbidos filmar conjuntamente com Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo, pessoas de talento quase insolente. O que emergiu foi um "drama sacro" modernista, uma colagem de vozes, textos, objectos, espaços, pulsações. Corpos que ardem, que sofrem, que irradiam energia. (Paulo Rocha).
"Pousada das Chagas" é uma encomenda mecenática da Gulbenkian, antecedendo os subsídios ao Centro Português de Cinema que relançariam o cinema português no inicio dos anos 70. Ante-estreou em 25 de Fevereiro de 1972 na Fundação Calouste Gulbenkian, em complemento ao filme " O Passado e o Presente", de Manoel de Oliveira, também em ante-estreia e, também, subsidiado pela Fundação e produzido pelo Centro de Cinema Português. Nessa noite, no Grande Auditório, com os seus 1500 lugares esgotados, teve lugar uma sessão solene com a presença do Presidente da República, Américo Thomaz, e de quase todo o governo.
"Uma representação entre o documentário e a ficção sobre o Museu de Òbidos. O processo de colagem (actor-décor, textos literários-arte sacra) e a precisão gestual evidenciam a influência de outras culturas na obra de Paulo Rocha e anunciam os seus caminhos futuros. O filme é sobretudo um ascético ritual, em busca de uma secreta correspondência das artes".
João Bénard da Costa, "Cinema Novo Português: Revolta ou Revolução?", in Cinema Novo Português 1960/1974, ed. Cinemateca Portuguesa, 1985
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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
A Promessa (A Promessa) 1973
Baseado na obra de Bernardo Santareno, este filme conta a história de um jovem casal de pescadores, unidos por um voto de castidade, que acolhe um cigano ferido na sequência de uma disputa em que foi esfaqueado. Há medida que o tempo vai passando, nasce uma relação de amor entre a jovem mulher e o cigano, acabando por dar origem a um clima de grande tensão.
A acção, tal como no Mudar de Vida de Paulo Rocha, desenrola-se numa típica aldeia de pescadores, mas ao contrário do primeiro não tenta fazer o retrato de uma sociedade maioritariamente pobre e sem esperança no futuro, mas explora a questão da influência quase nefasta que a religião exerce sobre um povo ignorante. Todo o filme tem, por isso, uma espécie de aura esotérica que vai de encontro aos interesses do próprio autor, que se diz anarco-místico. Para tal, contribuem o uso da cor, do nevoeiro, de planos em câmara lenta e de uma certa representação mais teatral, ou como diria António de Macedo, mais melodramática, porque o povo português é melodramático. Porém, não se deve aqui confundir teatral com artificial, pois à excepção de um certo exagero na interpretação de um dos ciganos – que torna os diálogos quase imperceptíveis de cada vez que intervém – estamos perante um bom trabalho de actores, infelizmente tão raro nos filmes portugueses deste período. Também merecedora de destaque é a fotografia de Elso Roque que, em consonância com o misticismo de António de Macedo, proporciona momentos de grande interesse, como na poderosa cena da violação ou a pictórica cena final.
A Promessa, talvez por não corresponder aos ideais traçados pelo Cinema Novo (mas não só), não está entre os melhores filmes da época. Mas, uma vez mais, António Macedo demonstra uma grande ousadia, quer ao nível do tema quer ao nível da técnica, sendo por isso um importante contributo para o cinema nacional.
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A Promessa, talvez por não corresponder aos ideais traçados pelo Cinema Novo (mas não só), não está entre os melhores filmes da época. Mas, uma vez mais, António Macedo demonstra uma grande ousadia, quer ao nível do tema quer ao nível da técnica, sendo por isso um importante contributo para o cinema nacional.
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Fragmentos de um Filme-Esmola: A Sagrada Família (Fragmentos de um Filme-Esmola: A Sagrada Família) 1972
João Lucas é um fulano bizarro que quase nunca sai da cama. As receitas domésticas são trazidas por Maria, que trabalha numa fábrica alemã que faz chapéus-de-chuva.
O quotidiano é filmado em 8 mm por uma Criança, uma menina. O pé-de-meia de Maria é, por vontade de João, quase todo gasto nessa brincadeira. Mas ele está-se nas tintas, provoca o sogro, que o critica, metendo uma máscara de porco e lá vai fazendo pela vida: os prazeres do sexo, «terno porém aflito», são coisa que não dispensa.
Maria insiste com o João, procurando restabelecer uma relação normal, mas em vão e ela acaba por sair de casa. A Criança continua a filmar o inefável João, até gastar a película toda. Este por ali fica, entretido a vê-la desabrochar. Filme esmola por ter sido feito com pouco dinheiro (cerca de 200 contos), o quinto produzido pelo CPC (Centro Português de Cinema), apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, numa época ainda sob a vigência do Estado Novo. A lógica é esta: filme imperfeito, feito de fragmentos, de retalhos, de restos obtidos como esmola.
«João César Monteiro parte para o ataque já nos créditos de abertura, ao realizar gesto obsceno diretamente para a câmera». A bem calculada irreverência que Monteiro pratica tanto nos actos da vida como no cinema será um bom investimento para o futuro. Crítica social e arrojo formal, o desprezo pelo politicamente correcto, pelos equilibrados classicismos a que outros se vinculam na prática da vida e do cinema, são as apostas. A Dies Irae, ira de Deus, a mesma do João, em tema musical de Mozart, servirá às mil maravilhas para dar consistência ao personagem e servirá para explicar as opções ideológicas e formais do autor.
A família, bem social cultivado pelo fascismo, e as liberdades estéticas praticadas na Sétima Arte pelos adeptos da Nova Vaga, a que Monteiro adere com os seus colegas do CPC, em estilo bem pessoal, serão os motivos a que ele deita mão para realizar a obra. A abjecção, prática surrealista explorada no cinema por Luís Buñuel, servirá de tempero. Planos sequência recorrentes e uma narrativa desalinhada, quebrando os cânones da exposição clássica, farão o resto. Sabe o astuto João que é por esse lado que lá chegará. Torna-se reincidente.
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O quotidiano é filmado em 8 mm por uma Criança, uma menina. O pé-de-meia de Maria é, por vontade de João, quase todo gasto nessa brincadeira. Mas ele está-se nas tintas, provoca o sogro, que o critica, metendo uma máscara de porco e lá vai fazendo pela vida: os prazeres do sexo, «terno porém aflito», são coisa que não dispensa.
Maria insiste com o João, procurando restabelecer uma relação normal, mas em vão e ela acaba por sair de casa. A Criança continua a filmar o inefável João, até gastar a película toda. Este por ali fica, entretido a vê-la desabrochar. Filme esmola por ter sido feito com pouco dinheiro (cerca de 200 contos), o quinto produzido pelo CPC (Centro Português de Cinema), apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, numa época ainda sob a vigência do Estado Novo. A lógica é esta: filme imperfeito, feito de fragmentos, de retalhos, de restos obtidos como esmola.
«João César Monteiro parte para o ataque já nos créditos de abertura, ao realizar gesto obsceno diretamente para a câmera». A bem calculada irreverência que Monteiro pratica tanto nos actos da vida como no cinema será um bom investimento para o futuro. Crítica social e arrojo formal, o desprezo pelo politicamente correcto, pelos equilibrados classicismos a que outros se vinculam na prática da vida e do cinema, são as apostas. A Dies Irae, ira de Deus, a mesma do João, em tema musical de Mozart, servirá às mil maravilhas para dar consistência ao personagem e servirá para explicar as opções ideológicas e formais do autor.
A família, bem social cultivado pelo fascismo, e as liberdades estéticas praticadas na Sétima Arte pelos adeptos da Nova Vaga, a que Monteiro adere com os seus colegas do CPC, em estilo bem pessoal, serão os motivos a que ele deita mão para realizar a obra. A abjecção, prática surrealista explorada no cinema por Luís Buñuel, servirá de tempero. Planos sequência recorrentes e uma narrativa desalinhada, quebrando os cânones da exposição clássica, farão o resto. Sabe o astuto João que é por esse lado que lá chegará. Torna-se reincidente.
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domingo, 28 de fevereiro de 2016
Vilarinho das Furnas (Vilharinho das Furnas) 1971
"Vilarinho das Furnas" não é o primeiro trabalho de fôlego de António Campos, mas é aquele que impõe o nome do seu realizador como personalidade singular do documentarismo português dos anos 60-70.
Retrato de uma aldeia comunitária do Norte do País, condenada a desaparecer pela construção de uma barragem, o mais notável deste filme é a dissociação operada entre banda de imagem e banda de som, num jogo de autonomias que mutuamente se cavalgam, se completam, se contraditam. Campos recolhe, testemunha e, na secura do seu procedimento (nenhum comentário pessoal acontece), na disponibilidade de ver e ouvir, faz-se solidário - e não em visita, nem lamento, nem missionação - da realidade moribunda que encontra.
Tecnicamente precário, "Vilarinho das Furnas" é um exemplo de ética face ao real, que não sai ferido, em essência, pelo facto de ter escassas condições de produção. Talvez seja mesmo o contrário. Na sua rudeza ele assume-se vertical num tempo em que o restante documentarismo luso era, sobretudo, polido, bem acabado, mas vazio.* Texto de Jorge Leitão Ramos
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Retrato de uma aldeia comunitária do Norte do País, condenada a desaparecer pela construção de uma barragem, o mais notável deste filme é a dissociação operada entre banda de imagem e banda de som, num jogo de autonomias que mutuamente se cavalgam, se completam, se contraditam. Campos recolhe, testemunha e, na secura do seu procedimento (nenhum comentário pessoal acontece), na disponibilidade de ver e ouvir, faz-se solidário - e não em visita, nem lamento, nem missionação - da realidade moribunda que encontra.
Tecnicamente precário, "Vilarinho das Furnas" é um exemplo de ética face ao real, que não sai ferido, em essência, pelo facto de ter escassas condições de produção. Talvez seja mesmo o contrário. Na sua rudeza ele assume-se vertical num tempo em que o restante documentarismo luso era, sobretudo, polido, bem acabado, mas vazio.* Texto de Jorge Leitão Ramos
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Pedro Só (Pedro Só) 1972
Pedro, camponês de uma aldeia montanhosa do interior, em Trás-os-Montes, envolve-se numa luta de famílias e mata outro companheiro, no momento em que este atacava o seu pai. Desesperado, foge de si mesmo e dos outros, tornando-se num vagabundo. Apesar de tudo, mantém uma dignidade que o distingue dos outros, vulgares pedintes. Depois de passar várias dificuldades, Pedro tenta abandonar aquela vida de solidão através do amor por Clara, uma prostituta. Mas é demasiado tarde. O vagabundo regressa então à sua terra natal. Ao constatar que nada mudou ao longo dos anos, a sua vida pouco tempo mais irá durar.
Mais uma adaptação de um romance para o cinema, desta vez de Manuel Mendes, a sua obra mais conhecida, "Pedro: romance de um vagabundo" (1954), pelas mãos de Alfredo Tropa, um jovem realizador que já tinha então um número considerável de curtas-metragens, e que aqui tem a sua primeira longa. Tropa já tinha alguma experiência no movimento do novo cinema portugês, pois fora assistente de filmes como Foi assistente de realização em algumas películas, como Mudar de Vida, de Paulo Rocha, e Uma Abelha na Chuva, de Fernando Lopes.
Pedro Só foi filmado em condições muito precárias, numa das regiões mais pobres de Portugal - as aldeias do isolado nordeste transmontano. Um dos filmes pouco falados do novo cinema português, que merece uma visualização.
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Mais uma adaptação de um romance para o cinema, desta vez de Manuel Mendes, a sua obra mais conhecida, "Pedro: romance de um vagabundo" (1954), pelas mãos de Alfredo Tropa, um jovem realizador que já tinha então um número considerável de curtas-metragens, e que aqui tem a sua primeira longa. Tropa já tinha alguma experiência no movimento do novo cinema portugês, pois fora assistente de filmes como Foi assistente de realização em algumas películas, como Mudar de Vida, de Paulo Rocha, e Uma Abelha na Chuva, de Fernando Lopes.
Pedro Só foi filmado em condições muito precárias, numa das regiões mais pobres de Portugal - as aldeias do isolado nordeste transmontano. Um dos filmes pouco falados do novo cinema português, que merece uma visualização.
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Uma Abelha na Chuva (Uma Abelha na Chuva) 1972
Um universo rural imobilista e opressivo, quebrado por ausências, desencontros ou silêncios, incidindo sobre um casal, Maria dos Prazeres, Álvaro Silvestre. Relação conjugal de compromisso, que é estilhaçada pelo conflito latente das paixões, fraquezas e desejos recalcados...
É um dos filmes portugueses mais emblemáticos feitos antes da revolução de Abril de 1974. A acção passa-se num ambiente social rígido. Faz uso de uma narrativa forte, não-linear, muito próxima do cinema francês dos anos 60. O filme destaca as três classes que formavam o meio rural português da época: o povo, a aristocracia e a burguesia. O filme não é uma transcrição exacta da obra literária, antes uma interpretação sonora e visual das várias leituras que Fernando Lopes fez do livro e, do universo criado por Carlos Oliveira em 1953. A falta de meios terá ditado a adopção de uma estratégia experimental por parte do seu realizador/produtor, que viu a rodagem e montagem do filme, irem sendo intercaladas pela produção de pequenos filmes publicitários que asseguravam a subsistência do projecto. Este moroso processo de montagem favoreceu e promoveu o carácter experimentalista e o desejo de Fernando Lopes em desafiar as convenções: desmontando o enredo da obra de Carlos Oliveira, eliminando personagens e descontextualizando geográfica e socialmente a narrativa. Desta forma, Uma Abelha na Chuva requer a participação do espectador para que seja devidamente apreciado, pois possui uma construção fílmica extremamente fragmentária, elíptica, com saltos narrativos, deslocações de sentido e repleta de mensagens subliminares. A sua linguagem demonstra a vontade vanguardista da época em inovar estratégias estéticas. Há, por isso, uma procura incessante na desconstrução permanente no interior da própria narrativa, que é construída através da repetição de cenas sem diálogo, da insistência em certos movimentos que intensificam e dão ênfase às acções dos personagens.
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ontinuidades em som e imagem, este estilo próprio tem como resultado um filme onde por vezes o som não está, propositadamente, sincronizado com a imagem, onde há uma intenção clara no uso da voz off nos longos monólogos interiores das personagens, na montagem repetitiva que, em conjunto com freeze frames ou com fotografias, quebram o fluxo da narrativa.
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É um dos filmes portugueses mais emblemáticos feitos antes da revolução de Abril de 1974. A acção passa-se num ambiente social rígido. Faz uso de uma narrativa forte, não-linear, muito próxima do cinema francês dos anos 60. O filme destaca as três classes que formavam o meio rural português da época: o povo, a aristocracia e a burguesia. O filme não é uma transcrição exacta da obra literária, antes uma interpretação sonora e visual das várias leituras que Fernando Lopes fez do livro e, do universo criado por Carlos Oliveira em 1953. A falta de meios terá ditado a adopção de uma estratégia experimental por parte do seu realizador/produtor, que viu a rodagem e montagem do filme, irem sendo intercaladas pela produção de pequenos filmes publicitários que asseguravam a subsistência do projecto. Este moroso processo de montagem favoreceu e promoveu o carácter experimentalista e o desejo de Fernando Lopes em desafiar as convenções: desmontando o enredo da obra de Carlos Oliveira, eliminando personagens e descontextualizando geográfica e socialmente a narrativa. Desta forma, Uma Abelha na Chuva requer a participação do espectador para que seja devidamente apreciado, pois possui uma construção fílmica extremamente fragmentária, elíptica, com saltos narrativos, deslocações de sentido e repleta de mensagens subliminares. A sua linguagem demonstra a vontade vanguardista da época em inovar estratégias estéticas. Há, por isso, uma procura incessante na desconstrução permanente no interior da própria narrativa, que é construída através da repetição de cenas sem diálogo, da insistência em certos movimentos que intensificam e dão ênfase às acções dos personagens.
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ontinuidades em som e imagem, este estilo próprio tem como resultado um filme onde por vezes o som não está, propositadamente, sincronizado com a imagem, onde há uma intenção clara no uso da voz off nos longos monólogos interiores das personagens, na montagem repetitiva que, em conjunto com freeze frames ou com fotografias, quebram o fluxo da narrativa.
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O Cerco (O Cerco) 1970
Uma filha da alta burguesia de residência lisboeta, Marta, deixa o marido. Fartou-se. Sabe que há coisas que já não lhe interessam e tenta vida nova. É hospedeira de terra numa companhia de aviação e modelo de uma agência de publicidade. Tem problemas de dinheiro e recorre a Vítor, para melhorar as coisas. Mas tudo piora. Vítor – um contrabandista a quem a vida já tudo ensinou e que já não tem esperança – agrada-lhe, conforta-a, mas não lhe dá nada do que verdadeiramente precisa. Certo dia, ele aparece morto. Culpa sua? Um descuido? E Marta prossegue, sempre de certo modo sozinha, o seu caminho, em busca de qualquer coisa, numa terra que não é bem a sua.
Quando António da Cunha Telles mete mãos à obra está falido. As suas aventuras como produtor levaram-no a isso. Tem credores à perna e foi posto «de quarentena» pelos seus colegas do CPC, a cooperativa Centro Português de Cinema, que produz obras do Novo Cinema. Acossado, Cunha Telles enche-se de brios e faz um filme. Com meios reduzidos mas de imaginação bem desperta, descarta-se da aventura com a aventura.
O Cerco estará presente na Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes de 1970 e será o grande sucesso do Novo Cinema. É um dos filmes incontornáveis do Cinema Novo, talvez aquele que terá atingido mais visibilidade fora de Portugal. Um filme pleno de símbolos e simbolismos, feito dos pequenos elementos que emergem de uma aparente banalidade e descrevem a condição da personagem bem como a da sequência da narrativa. Delicadamente silencioso, dando o necessário tempo para respirar, O Cerco marca pela sua simplicidade.
Mas O Cerco é mais que um filme esteticamente apelativo, é também o confronto com uma sociedade cínica, oportunista, mesquinha, fechada, em que a mulher é vista e tratada como um objecto. Uma sociedade cansada e sem um futuro apetecível. Um filme introspectivo que coloca as peças em cima da mesa para que o espectador, das entrelinhas, possa extrair a sua mensagem.
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Quando António da Cunha Telles mete mãos à obra está falido. As suas aventuras como produtor levaram-no a isso. Tem credores à perna e foi posto «de quarentena» pelos seus colegas do CPC, a cooperativa Centro Português de Cinema, que produz obras do Novo Cinema. Acossado, Cunha Telles enche-se de brios e faz um filme. Com meios reduzidos mas de imaginação bem desperta, descarta-se da aventura com a aventura.
O Cerco estará presente na Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes de 1970 e será o grande sucesso do Novo Cinema. É um dos filmes incontornáveis do Cinema Novo, talvez aquele que terá atingido mais visibilidade fora de Portugal. Um filme pleno de símbolos e simbolismos, feito dos pequenos elementos que emergem de uma aparente banalidade e descrevem a condição da personagem bem como a da sequência da narrativa. Delicadamente silencioso, dando o necessário tempo para respirar, O Cerco marca pela sua simplicidade.
Mas O Cerco é mais que um filme esteticamente apelativo, é também o confronto com uma sociedade cínica, oportunista, mesquinha, fechada, em que a mulher é vista e tratada como um objecto. Uma sociedade cansada e sem um futuro apetecível. Um filme introspectivo que coloca as peças em cima da mesa para que o espectador, das entrelinhas, possa extrair a sua mensagem.
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Mudar de Vida (Mudar de Vida) 1966
Furadouro, próximo de Ovar. Enquanto Adelino cumpria o serviço militar em África, Júlia casou com o seu irmão Raimundo, como ele pescador. A luta pela sobrevivência, contra o mar e a tradição, marcam esse conflito amoroso e a paixão que renasce, para Adelino, quando é atraído pela natureza selvagem da jovem Albertina. Terra, mar, homem e progresso interligam-se num drama constante.
Segundo filme de Paulo Rocha, depois da estreia em "Verdes Anos", foi concebido como uma resposta directa ao filme "Acto da Primavera", do seu seu mentor Manoel de Oliveira, e filme onde Rocha tinha colaborado como assistente, é uma obra-prima do realismo, usando conceitos ficcionais, e actores amadores interpretando-se a si próprios, para recriar um retrato etnográfico do Furadouro, uma aldeia piscatória isolada. A premissa dramática sobre um soldado que regressa a casa para um lugar que mudou durante a sua ausência, serve de pretexto para Rocha examinar respeitosamente as especificidades do povo do Furadouro, as suas rotinas diárias e rituais, e as relações envolventes com a história da aldeia.
Um dos melhores exemplos do docudrama jamais vistos. Há um estranho contraste entre a história de amor condenado e os elementos realistas, tais como a busca de trabalho, o retrato da vila piscatória para onde Adelino regressa que é extremamente pobre. Os residentes vivem em casas que são pouco mais do que cabanas. Chamar este filme de "retrato etnográfico" é uma simplificação enganosa. Ele usa elementos etnográficos de uma forma complexa e bastante misteriosa. De salientar ainda a maravilhosa equipa de produção: diálogos de António Reis, António Campos como assistente de realização, Alfredo Tropa no som, música de Carlos Paredes, e Elso Roque na fotografia.
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Segundo filme de Paulo Rocha, depois da estreia em "Verdes Anos", foi concebido como uma resposta directa ao filme "Acto da Primavera", do seu seu mentor Manoel de Oliveira, e filme onde Rocha tinha colaborado como assistente, é uma obra-prima do realismo, usando conceitos ficcionais, e actores amadores interpretando-se a si próprios, para recriar um retrato etnográfico do Furadouro, uma aldeia piscatória isolada. A premissa dramática sobre um soldado que regressa a casa para um lugar que mudou durante a sua ausência, serve de pretexto para Rocha examinar respeitosamente as especificidades do povo do Furadouro, as suas rotinas diárias e rituais, e as relações envolventes com a história da aldeia.
Um dos melhores exemplos do docudrama jamais vistos. Há um estranho contraste entre a história de amor condenado e os elementos realistas, tais como a busca de trabalho, o retrato da vila piscatória para onde Adelino regressa que é extremamente pobre. Os residentes vivem em casas que são pouco mais do que cabanas. Chamar este filme de "retrato etnográfico" é uma simplificação enganosa. Ele usa elementos etnográficos de uma forma complexa e bastante misteriosa. De salientar ainda a maravilhosa equipa de produção: diálogos de António Reis, António Campos como assistente de realização, Alfredo Tropa no som, música de Carlos Paredes, e Elso Roque na fotografia.
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Belarmino (Belarmino) 1964
A existência marginária e popular de Belarmino Fragoso - engraxador, colorista de fotografias - antigo campeão de boxe, através de um "questionário psicológico", que logo salta para o universo social e urbano onde se inscreve: das origens humildes, com a força embargada das palavras cruas - sobre o drama que constitui a sua vida, realçando as irregularidades e explorações de que foi vítima - o inquérito dissolve-se na cadência excêntrica e nostálgica, da Lisboa crepuscular...
Belarmino (1964, Fernando Lopes) é o registo biográfico de Belarmino Fragoso, homem de biscates, homem da vida. Belarmino é um filme de difícil enquadramento, apenas que faz parte do chamado Cinema Novo Português com todas as múltiplas influências e constrangimentos dos seus intervenientes, autores e contexto.
Debruçando-se sobre as vicissitudes da vida do pugilista, Lopes desmonta a dura realidade do seu personagem e país: humilde, marginal, decadente, analfabeto, explorado, com fome. Em tom de entrevista, com perguntas disparadas fora de campo, é a resposta confessional, na primeira pessoa, que elucida acerca de Belarmino. A tela branca sugere uma neutralidade no seu relato – relato que apenas informa, apresenta factos, dados, opiniões. Para conhecer Belarmino Fragoso é necessário acompanhá-lo, pois são os vários espaços da cinzenta Lisboa que paradoxalmente abrem as portas ao seu mundo interior. O “Belarmino Fragoso” constrói-se nos espaços onde deambula, uma Lisboa entre tantas, que é o próprio Belarmino. O espaço apresenta-se como o alter-ego da pessoa, as imagens chegam com um travo voyeur. Os percursos de Belarmino traçam à vez os seus desejos e conflitos interiores. Os “territórios belarminianos” transmitem as suas emoções, os seus devaneios, e tudo aquilo que não é dizível. Inexorável campo sem contra-campo, Belarmino está sempre presente, confinado. Não se vê Belarmino à deriva em Lisboa, está-se “dentro do Belarmino” e desse modo abre-se a janela de uma cidade.
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Belarmino (1964, Fernando Lopes) é o registo biográfico de Belarmino Fragoso, homem de biscates, homem da vida. Belarmino é um filme de difícil enquadramento, apenas que faz parte do chamado Cinema Novo Português com todas as múltiplas influências e constrangimentos dos seus intervenientes, autores e contexto.
Debruçando-se sobre as vicissitudes da vida do pugilista, Lopes desmonta a dura realidade do seu personagem e país: humilde, marginal, decadente, analfabeto, explorado, com fome. Em tom de entrevista, com perguntas disparadas fora de campo, é a resposta confessional, na primeira pessoa, que elucida acerca de Belarmino. A tela branca sugere uma neutralidade no seu relato – relato que apenas informa, apresenta factos, dados, opiniões. Para conhecer Belarmino Fragoso é necessário acompanhá-lo, pois são os vários espaços da cinzenta Lisboa que paradoxalmente abrem as portas ao seu mundo interior. O “Belarmino Fragoso” constrói-se nos espaços onde deambula, uma Lisboa entre tantas, que é o próprio Belarmino. O espaço apresenta-se como o alter-ego da pessoa, as imagens chegam com um travo voyeur. Os percursos de Belarmino traçam à vez os seus desejos e conflitos interiores. Os “territórios belarminianos” transmitem as suas emoções, os seus devaneios, e tudo aquilo que não é dizível. Inexorável campo sem contra-campo, Belarmino está sempre presente, confinado. Não se vê Belarmino à deriva em Lisboa, está-se “dentro do Belarmino” e desse modo abre-se a janela de uma cidade.
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Domingo à Tarde (Domingo à Tarde) 1966
Jorge, um médico racional e solitário, está condenado pela sua especialidade a lidar diariamente com a morte. Até que um dia conhece Clarisse, uma jovem a quem detecta uma leucemia avançada e por quem se apaixona. O casal vive um romance assombrado pelo fim inevitavelmente próximo e, apesar dos esforços de Jorge para combater a doença com novas descobertas, Clarisse acaba por morrer, colocando à prova as suas crenças e as suas pesquisas científicas.
"Domingo à Tarde" é um dos filmes produzidos por Cunha Telles, ou seja, uma das grandes apostas do início do Cinema Novo. António de Macedo havia chamado a atenção dos colegas e da crítica alguns anos antes com a curta metragem Verão Coincidente, onde revelava já uma certa audácia e vontade de experimentar novas técnicas, principalmente relativas ao uso da cor.
Como era recorrente, esta é também uma adaptação de uma obra literária, neste caso do romance de Fernando Namora, facto que gerou alguma polémica. Prado Coelho, por exemplo, refere que existe um desentendimento profundo entre os dois autores e que António Macedo se serviu de um argumento que é um apelo à vida para desenvolver algumas das suas mais insistentes obsessões (morte, sacrilégio, sagrado). No entanto, há que considerar que, como diz o próprio Fernando Namora, o conceito de “fidelidade”, quando se trata de uma recriação, não pode ter a rigidez que habitualmente lhe atribuímos.
Esta primeira longa metragem de António Macedo introduz – e aí reside a sua mais valia – determinados elementos novos (ou raros) nos filmes realizados até então. Comecemos pela narrativa. A história de Domingo à Tarde aparece-nos entrecortada, isto é, há uma descontinuidade temporal que nos revela logo o final da história: Clarisse morre, deixando Jorge atormentado com a impotência perante esse facto. Livres da tensão de descobrir o desenlace da trama, e através de flashbacks e narrações em voz off, deixamo-nos contagiar pelas inquietações e reflexões que o filme desperta. Outra aspecto inovador é a substituição da banda sonora por sons ligados ao quotidiano do hospital. Os sons das máquinas em funcionamento e das experiências no laboratório sublinham a frieza e o morbidez do lugar, criando uma atmosfera tensa e opressiva, principalmente quando comparada com o absurdo da morte. Por fim, um detalhe que será talvez um dos mais interessantes do ponto de vista da experimentação: a criação de um filme dentro do filme. Paralelamente à história de Fernando Namora, António Macedo filma uma outra que parece ir mais ao encontro das suas inquietações, e que corresponde ao filme que Jorge e Lúcia, a sua assistente, estão ver no cinema enquanto ocorrem os flashbacks. Uma vez que a função desse filme era provocar em Jorge um problema de consciência relativo aos seus doentes e, em particular, a Clarisse, seria difícil encontrar um filme que se adequasse perfeitamente a essa demanda.
Assim, António Macedo, usando uma paisagem estranha e neutra – o cabo de Espichel – filmou um suposto filme estrangeiro, invertendo o som dos diálogos para que parecessem falados numa outra língua.
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Como era recorrente, esta é também uma adaptação de uma obra literária, neste caso do romance de Fernando Namora, facto que gerou alguma polémica. Prado Coelho, por exemplo, refere que existe um desentendimento profundo entre os dois autores e que António Macedo se serviu de um argumento que é um apelo à vida para desenvolver algumas das suas mais insistentes obsessões (morte, sacrilégio, sagrado). No entanto, há que considerar que, como diz o próprio Fernando Namora, o conceito de “fidelidade”, quando se trata de uma recriação, não pode ter a rigidez que habitualmente lhe atribuímos.
Esta primeira longa metragem de António Macedo introduz – e aí reside a sua mais valia – determinados elementos novos (ou raros) nos filmes realizados até então. Comecemos pela narrativa. A história de Domingo à Tarde aparece-nos entrecortada, isto é, há uma descontinuidade temporal que nos revela logo o final da história: Clarisse morre, deixando Jorge atormentado com a impotência perante esse facto. Livres da tensão de descobrir o desenlace da trama, e através de flashbacks e narrações em voz off, deixamo-nos contagiar pelas inquietações e reflexões que o filme desperta. Outra aspecto inovador é a substituição da banda sonora por sons ligados ao quotidiano do hospital. Os sons das máquinas em funcionamento e das experiências no laboratório sublinham a frieza e o morbidez do lugar, criando uma atmosfera tensa e opressiva, principalmente quando comparada com o absurdo da morte. Por fim, um detalhe que será talvez um dos mais interessantes do ponto de vista da experimentação: a criação de um filme dentro do filme. Paralelamente à história de Fernando Namora, António Macedo filma uma outra que parece ir mais ao encontro das suas inquietações, e que corresponde ao filme que Jorge e Lúcia, a sua assistente, estão ver no cinema enquanto ocorrem os flashbacks. Uma vez que a função desse filme era provocar em Jorge um problema de consciência relativo aos seus doentes e, em particular, a Clarisse, seria difícil encontrar um filme que se adequasse perfeitamente a essa demanda.
Assim, António Macedo, usando uma paisagem estranha e neutra – o cabo de Espichel – filmou um suposto filme estrangeiro, invertendo o som dos diálogos para que parecessem falados numa outra língua.
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sábado, 27 de fevereiro de 2016
Os Verdes Anos (Os Verdes Anos) 1963
Júlio de dezanove anos, vem para Lisboa, tentar a sorte como sapateiro. No dia da chegada, um incidente leva-o a conhecer Ilda, jovem da mesma idade, empregada doméstica em casa próxima da oficina...
Júlio sente-se num ambiente estranho e hostil, desenrolando-se uma série de peripécias que lhe despertam a desconfiança em relação a Ilda, que decide romper o namoro...
A dicotomia entre o rural e o urbano é representada logo nos primeiros planos do filme, numa panorâmica de uma paisagem rural com Lisboa em fundo. É um espaço limite, ainda não urbano mas também já não rural. Quando terminam os títulos iniciais a câmara completa um movimento vertical mostrando primeiro um terreno arado, com alfaias agrícolas, acabando por revelar a presença próxima de modernos edifícios de habitação. Esta introdução é representativa do conflito mostrado no filme: a incapacidade dum homem do campo em se adaptar à sua nova vida na cidade, uma inadequação que marcou muitos outros portugueses que migraram para as grandes cidades em busca de melhores condições de vida. A cidade que Paulo Rocha mostra, ao contrário de todos os filmes portugueses que o antecederam, é uma Lisboa contemporânea, dos túneis do Metro à Cidade Universitária, dos edifícios de habitação colectiva modernistas aos cafés e lojas daquele tempo, como a famosa loja da rampa helicoidal projectada por Conceição Silva no Chiado.
Com argumento e realização de Paulo Rocha, produção de António da Cunha Telles, diálogos de Nuno Bragança e música de Carlos Paredes, a longa-metragem Os Verdes Anos estreou em 1963 e foi premiado no Festival de Cinema de Locarno. Considerada um marco do cinema português, nela se destacam as interpretações de Isabel Ruth, Rui Gomes, Ruy Furtado, Cândida Lacerda, Paulo Renato e Carlos José Teixeira. O filme é um retrato da Lisboa dos anos 60, do seu provincianismo e da sufocação de uma geração jovem.
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A dicotomia entre o rural e o urbano é representada logo nos primeiros planos do filme, numa panorâmica de uma paisagem rural com Lisboa em fundo. É um espaço limite, ainda não urbano mas também já não rural. Quando terminam os títulos iniciais a câmara completa um movimento vertical mostrando primeiro um terreno arado, com alfaias agrícolas, acabando por revelar a presença próxima de modernos edifícios de habitação. Esta introdução é representativa do conflito mostrado no filme: a incapacidade dum homem do campo em se adaptar à sua nova vida na cidade, uma inadequação que marcou muitos outros portugueses que migraram para as grandes cidades em busca de melhores condições de vida. A cidade que Paulo Rocha mostra, ao contrário de todos os filmes portugueses que o antecederam, é uma Lisboa contemporânea, dos túneis do Metro à Cidade Universitária, dos edifícios de habitação colectiva modernistas aos cafés e lojas daquele tempo, como a famosa loja da rampa helicoidal projectada por Conceição Silva no Chiado.
Com argumento e realização de Paulo Rocha, produção de António da Cunha Telles, diálogos de Nuno Bragança e música de Carlos Paredes, a longa-metragem Os Verdes Anos estreou em 1963 e foi premiado no Festival de Cinema de Locarno. Considerada um marco do cinema português, nela se destacam as interpretações de Isabel Ruth, Rui Gomes, Ruy Furtado, Cândida Lacerda, Paulo Renato e Carlos José Teixeira. O filme é um retrato da Lisboa dos anos 60, do seu provincianismo e da sufocação de uma geração jovem.
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Dom Roberto (Dom Roberto) 1962
A vida miserável de João Barbelas, um vagabundo sonhador, a quem os miúdos alcunham "Dom Roberto", por exibir fantoches. Conhece Maria, rapariga com passado triste, julgando inocentemente ter arranjado habitação para ambos. O amor, a alegria de viver... Porém, a felicidade é traiçoeira: João e Maria perdem a casa que nunca for a deles, mas conservam a esperança e a ternura, embora a fome continue a persegui-los.
"Na sua fragilidade, no seu isolacionismo, nas suas condições de produção, nas vagas heranças de que se reclama, na ruptura que pratica em relação ao estado das coisas no cinema português desse início dos anos 60, por tudo isto se não pode negar a Dom Roberto o carácter de augure do que viria a seguir, de João Baptista do Cinema Novo, que iria irromper com as dimensões de movimento cultural de uma geração. Quando este filme chega, o cinema português acabara de atravessar essa década de vileza que havia sido os anos 50. Aparece em pleno pântano, graças ao movimento cineclubista (de onde sai o essencial da organização da Cooperativa do Espectador que produz o filme) que era, recorde-se e sublinhe-se, o grande bastião da resistência cultural cinematográfica desses anos. Dom Roberto fez-se com a emanação dos cineclubes, como cinema pobre de meios, como atitude. Não admira nem o tom negro (tocado por um poético que os anos tornaram irremediavelmente bafiento - deixando o negro como coloração essencial), nem as cruzadas reminiscências neo-realistas, chaplinianas ou de um certo populismo do cinema português dos anos 40 (o pátio como comunidade boa e feliz), ainda menos espanta a mensagem de esperança (sem raiz, nem motivo, porque sim) que o encerra. Porque se há coisa que este filme queira é acreditar que o negro há-de gerar luz - mesmo que não saiba o processo de viragem.
A atitude de mudar não encontra um saber fazer técnico e estilistico que a transforme em cinema eficaz. Há pobreza de conteúdo, estereótipo nos personagens, a carpintaria fílmica é tosca e creio que os anos que passaram erodiram em larga escala Dom Roberto. Quase nada sobra senão Raúl Solnado, desarmado e tocante (o personagem de Glicínia Quartin deixou de ter qualquer ossatura), e essa estranha crença de que é possível construir um automóvel (um filme) à força de vontade. O Cinema Novo português anuncia-se como aquilo que tomo (arbitrariamente?) como metáfora: uma traquitana que é impossível funcionar e, porém, move-se.", por Jorge Leitão Ramos.
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"Na sua fragilidade, no seu isolacionismo, nas suas condições de produção, nas vagas heranças de que se reclama, na ruptura que pratica em relação ao estado das coisas no cinema português desse início dos anos 60, por tudo isto se não pode negar a Dom Roberto o carácter de augure do que viria a seguir, de João Baptista do Cinema Novo, que iria irromper com as dimensões de movimento cultural de uma geração. Quando este filme chega, o cinema português acabara de atravessar essa década de vileza que havia sido os anos 50. Aparece em pleno pântano, graças ao movimento cineclubista (de onde sai o essencial da organização da Cooperativa do Espectador que produz o filme) que era, recorde-se e sublinhe-se, o grande bastião da resistência cultural cinematográfica desses anos. Dom Roberto fez-se com a emanação dos cineclubes, como cinema pobre de meios, como atitude. Não admira nem o tom negro (tocado por um poético que os anos tornaram irremediavelmente bafiento - deixando o negro como coloração essencial), nem as cruzadas reminiscências neo-realistas, chaplinianas ou de um certo populismo do cinema português dos anos 40 (o pátio como comunidade boa e feliz), ainda menos espanta a mensagem de esperança (sem raiz, nem motivo, porque sim) que o encerra. Porque se há coisa que este filme queira é acreditar que o negro há-de gerar luz - mesmo que não saiba o processo de viragem.
A atitude de mudar não encontra um saber fazer técnico e estilistico que a transforme em cinema eficaz. Há pobreza de conteúdo, estereótipo nos personagens, a carpintaria fílmica é tosca e creio que os anos que passaram erodiram em larga escala Dom Roberto. Quase nada sobra senão Raúl Solnado, desarmado e tocante (o personagem de Glicínia Quartin deixou de ter qualquer ossatura), e essa estranha crença de que é possível construir um automóvel (um filme) à força de vontade. O Cinema Novo português anuncia-se como aquilo que tomo (arbitrariamente?) como metáfora: uma traquitana que é impossível funcionar e, porém, move-se.", por Jorge Leitão Ramos.
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A Almadraba Atuneira (A Almadraba Atuneira) 1961
"Sem palavras, com um ímpeto que faz lembrar coisas fortes e antigas, chega António Campos. Do cinema amador, de uma estética que se quer perto do povo e ao seu serviço, chega António Campos.
E vai ao mar, , à ultima campanha de um arraial algarvio da ilha de Abóbora, arraial que o mar levou logo após este filme. Rostos, gestos, objectos, esforço, o rude trabalho e o espadanar violento do atum apressado, disso se faz "A Almadraba Atuneira". Inventário etnográfico e homenagem ao trabalho são os vectores, de olhos atentos mas enxutos, que norteiam Campos neste filme, onde a azáfama, a espera e a captura são banhadas por um sopro de grandiosidade e tristeza.
Assim, em directo sobre o real mas usando os materiais (montagem/som) sem pudores de transparência, chega António Campos: uma personalidade única, solitária, no cinema português.
Embora o genérico não o credite, sabe-se que a fotografia, a montagem e a produção são de António Campos (que contou com subsidios do Grupo de Teatro Miguel Leitão e da Fundação Calouste Gulbenkian). A música utilizada no filme é extraída de "A Sagração da Primavera" de Stravinky". Texto de Jorge Leitão Ramos.
O filme é de 1961, mas só estrearia em 1979, na RTP2.
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E vai ao mar, , à ultima campanha de um arraial algarvio da ilha de Abóbora, arraial que o mar levou logo após este filme. Rostos, gestos, objectos, esforço, o rude trabalho e o espadanar violento do atum apressado, disso se faz "A Almadraba Atuneira". Inventário etnográfico e homenagem ao trabalho são os vectores, de olhos atentos mas enxutos, que norteiam Campos neste filme, onde a azáfama, a espera e a captura são banhadas por um sopro de grandiosidade e tristeza.
Assim, em directo sobre o real mas usando os materiais (montagem/som) sem pudores de transparência, chega António Campos: uma personalidade única, solitária, no cinema português.
Embora o genérico não o credite, sabe-se que a fotografia, a montagem e a produção são de António Campos (que contou com subsidios do Grupo de Teatro Miguel Leitão e da Fundação Calouste Gulbenkian). A música utilizada no filme é extraída de "A Sagração da Primavera" de Stravinky". Texto de Jorge Leitão Ramos.
O filme é de 1961, mas só estrearia em 1979, na RTP2.
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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
Novo Cinema Português
Seguindo as novas vagas que ocurriam um pouco por toda a Europa, uma ruptura estética ocorreu em Portugal no início dos anos 60, dando origem ao que viria a ser conhecido como o Novo Cinema Português. Apesar do seu flagrante fracasso comercial, os críticos e realizadores que o defendiam, conseguiriam ocupar lugares estratégicos no cinema português, a partir dos quais se pretendia promover, produzir e dirigir, até aos dias actuais, um art cinema para o qual o cinema Português contemporâneo ainda está muito em dívida. Ao fazê-lo, eles queriam institucionalizar, independentemente das audiências nacionais, um cinema fortemente subsidiado pelo estado, chamado de Escola do Cinema Português - que ficaria conhecido pelo trabalho de realizadores como Manoel de Oliveira, Paulo Rocha, João César Monteiro entre muitos outros.
O novo cinema nasceu, em Portugal, quase a partir do nada. O cinema anterior, que tinha vivido o seu apogeu nos anos quarenta, assistira durante a década de cinquenta a uma irreversível decadência, em termos de ideias, de renovação estética, de público, e até, pura e simplesmente, de produção. Basta dizer que em 1955, geralmente referido como "o ano zero do cinema português'', não se produziu nenhuma longa-metragem portuguesa.
Isso não chegou, no entanto, para travar a decadência de um cinema que os cineastas maiores abandonavam, de que o público desertava e que, salvo raras excepções, levava as empresas à falência, mesmo com os dinheiros públicos e com produções cada vez mais modestas. Nem o recurso a nomes famosos da revista, da canção, do toureio, do ciclismo ou do hóquei em patins, ensaiando variações das fórmulas cómicas, folclóricas e sentimentais, nem tão-pouco o recurso a algumas co-produções com o estrangeiro, travou a degradação, quantitativa e qualitativa, do cinema português, bem patente nesse número zero de longas-metragens registado em 1955.
A ascensão do novo cinema consegue mesmo ultrapassar algumas contrariedades, ligadas, sobretudo, à guerra entretanto surgida em África: "novas dificuldades vão levantar-se ao Cinema português, que, em obras de fundo, poucas relações tivera com o ultramar. A prioridade nacional dada ao conflito - e nessa prioridade está o domínio absoluto, a "mobilização" da RTP - atrasa naturalmente as soluções de fundo''. As eleições de 1958, a guerra, o "caso do Santa Maria'' expuseram e geraram mais revolta contra o regime e provocaram o aperto da censura, que levaria às prisões "de cineastas e críticos como Fonseca e Costa, Vasco Granja, Henrique Espírito Santo, e até Manoel de Oliveira, libertado por imediata intervenção de gente do cinema junto da Presidência do Conselho, no momento em que decorriam as homenagens à sua obra''. Mais tarde, foi preso o distribuidor José Manuel Castello Lopes.
É questão central para o cinema novo a preocupação em dar a ver homens e realidades de um país profundo. Procuram ainda, tal como a Nouvelle Vague, ilustrar casos da condição do Homem na sociedade moderna, numa perspectiva não classista, ao gosto do autor, cujo papel Jean-Luc Godard, autor por excelência, chega a pôr em causa numa entrevista de 1970. A procura da identidade humana – coisa que o movimento faz, com técnicas ligeiras, junto dos esquecidos – é démarche idêntica à da antropologia, ciência das ciências do Homem. Trás-os-Montes e Alto Douro tornam-se palcos privilegiados dessas experiências.
Este ciclo já tinha sido realizado em Abril de 2013, mas os links encontravam-se desativados. Irão agora ser repostos todos os filmes, e ainda serão adicionados muitos novos. Serão cerca de 30 filmes, a serem postados em apenas uma semana.
Para abrir o apetite, um livro. Aqui.
A Carga da Brigada Azul (A Distant Trumpet) 1964
Logo depois de chegar a uma base do Exército americano, localizada na fronteira do Arizona com o México, Matt Hazard, um tenente da Cavalaria, e os seus homens sofrem um ataque brutal de uma tribo indígena. O episódio provoca uma virulenta reação do governo, disposto a iniciar uma campanha de expulsão sumária dos índios da região. Um dos sobreviventes do massacre, Hazard, tenta de todas as maneiras encontrar uma solução pacífica, sabendo que tem poucas hipóteses de sucesso junto das autoridades.
"A Distant Trumpet" (1964) foi o derradeiro filme de Raoul Walsh. Walsh, que também trabalhou como argumentista, actor, produtor e montador, em várias ocasiões da sua carreira, tinha feito a sua primeira curta em 1913 ("The Pseudo Prodigal"), ou seja, a sua carreira estendeu-se praticamente por toda a história de Hollywood. Tal como ele próprio dizia: "Vi o nascimento de Hollywood, a sua época de ouro, e o seu declínio".
O filme anterior de Walsh tinha sido "Marines, Let's Go" (1961), mas no intervalo ele tinha sido escalado para realizar "PT 109" (1963), um retrato do serviço naval do presidente John F. Kennedy. Jack L. Warner relutantemente despediu Walsh desse filme, antes das rodagens começarem, devido a pressões de Washington. Mas Walsh ainda devia um último filme à Warner Bros, e sendo ele um velho amigo do produtor (para quem tinha rodado cerca de 25 filmes), este conseguiu meter-lhe nas mãos "A Distant Trumpet", um western sobre a cavalaria que Laurence Harvey havia sido previamente escolhido para realizar e interpretar.
O filme era baseado num livro histórico de Paul Horgan, um aclamado historiador do sudoeste americano que já havia ganho um prémio Pulitzer, e que ainda viria a ganhar outro. A adaptar o livro para um argumento estava John Twist, que já tinha trabalhado com Walsh por seis vezes, uma delas em "Colorado Territory". Quando Walsh leu o argumento, imaginou logo John Wayne para o papel principal, mas o estúdio já tinha outros planos, e obrigou-o a usar um trio de actores mais jovens, possivelmente para chamar um público mais novo, já que estavam todos na casa dos 20: Troy Donahue, Suzanne Pleshette, e Diane McBain. Sendo bastante reminiscente dos westerns sobre a cavalaria de Ford, no ambiente e no género, é também um filme majestosamente simples.
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"A Distant Trumpet" (1964) foi o derradeiro filme de Raoul Walsh. Walsh, que também trabalhou como argumentista, actor, produtor e montador, em várias ocasiões da sua carreira, tinha feito a sua primeira curta em 1913 ("The Pseudo Prodigal"), ou seja, a sua carreira estendeu-se praticamente por toda a história de Hollywood. Tal como ele próprio dizia: "Vi o nascimento de Hollywood, a sua época de ouro, e o seu declínio".
O filme anterior de Walsh tinha sido "Marines, Let's Go" (1961), mas no intervalo ele tinha sido escalado para realizar "PT 109" (1963), um retrato do serviço naval do presidente John F. Kennedy. Jack L. Warner relutantemente despediu Walsh desse filme, antes das rodagens começarem, devido a pressões de Washington. Mas Walsh ainda devia um último filme à Warner Bros, e sendo ele um velho amigo do produtor (para quem tinha rodado cerca de 25 filmes), este conseguiu meter-lhe nas mãos "A Distant Trumpet", um western sobre a cavalaria que Laurence Harvey havia sido previamente escolhido para realizar e interpretar.
O filme era baseado num livro histórico de Paul Horgan, um aclamado historiador do sudoeste americano que já havia ganho um prémio Pulitzer, e que ainda viria a ganhar outro. A adaptar o livro para um argumento estava John Twist, que já tinha trabalhado com Walsh por seis vezes, uma delas em "Colorado Territory". Quando Walsh leu o argumento, imaginou logo John Wayne para o papel principal, mas o estúdio já tinha outros planos, e obrigou-o a usar um trio de actores mais jovens, possivelmente para chamar um público mais novo, já que estavam todos na casa dos 20: Troy Donahue, Suzanne Pleshette, e Diane McBain. Sendo bastante reminiscente dos westerns sobre a cavalaria de Ford, no ambiente e no género, é também um filme majestosamente simples.
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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
Ester e o Rei (Esther and the King) 1960
Há 2500 anos atrás, o Rei Aasvero regressa ao seu reino, depois da vitória no Egipto e prepara-se para invadir a Grécia, governada por Alexandre Magno. Ao chegar ao palácio em Susa descobre a traição da sua mulher, a rainha Vashti, e manda-a para o exílio. O traidor, o príncipe Hamã tenta que uma das suas amantes, se torne a nova rainha, mas o rei prefere Ester. A nova rainha é judia e convence o rei a acabar com as crueldades cometidas pelo príncipe Hamã, contra o povo, durante a ausência do rei.Mas o príncipe não desiste e agora conspira para matar o rei e Ester e massacrar todos os judeus da Pérsia.
Um clássico do sword-and-sandal, épico bíblico co-produzido em Cinemascope pela Fox e pela italiana Galatea, foi um dos muitos filmes que os americanos filmaram em Itália por finais da década de sessenta, início da década de setenta, que provocaram a explosão do cinema de género italiano. Este foi um influência directa no "peplum", que já passou por aqui num ciclo. Em primeiro lugar, era uma produção italiana da Galatea, com dinheiro americano da Fox, assim como uma equipa americana formada pelo realizador Raoul Walsh e os actores Joan Collins e Richard Egan. O resto do casting era maioritariamente italiano, como Sergio Fantoni, Rik Battaglia, Rosalba Neri ou Daniela Rocca.
"Esther and the King" (1960) é um dos muitos filmes passados no mundo antigo, muito populares para a sua época. Visualmente é um filme muito bonito, com um rico design e cenário fantásticos. Todos estes filmes eram mostrados com grande eloquência, muito coloridos, e bastante afastados da vida moderna. Este tem a rara qualidade de ser baseado em alguma pesquisa histórica, e é muito fiel aos relatos bíblicos conhecidos.
Uma nota para o director de fotografia,o italiano Mario Bava. Só ele poderia ser o responsável por todo este jogo de cores, acabando por realizar ele próprio algumas sequências do filme, e iniciar uma carreira fantástica na realização.
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Um clássico do sword-and-sandal, épico bíblico co-produzido em Cinemascope pela Fox e pela italiana Galatea, foi um dos muitos filmes que os americanos filmaram em Itália por finais da década de sessenta, início da década de setenta, que provocaram a explosão do cinema de género italiano. Este foi um influência directa no "peplum", que já passou por aqui num ciclo. Em primeiro lugar, era uma produção italiana da Galatea, com dinheiro americano da Fox, assim como uma equipa americana formada pelo realizador Raoul Walsh e os actores Joan Collins e Richard Egan. O resto do casting era maioritariamente italiano, como Sergio Fantoni, Rik Battaglia, Rosalba Neri ou Daniela Rocca.
"Esther and the King" (1960) é um dos muitos filmes passados no mundo antigo, muito populares para a sua época. Visualmente é um filme muito bonito, com um rico design e cenário fantásticos. Todos estes filmes eram mostrados com grande eloquência, muito coloridos, e bastante afastados da vida moderna. Este tem a rara qualidade de ser baseado em alguma pesquisa histórica, e é muito fiel aos relatos bíblicos conhecidos.
Uma nota para o director de fotografia,o italiano Mario Bava. Só ele poderia ser o responsável por todo este jogo de cores, acabando por realizar ele próprio algumas sequências do filme, e iniciar uma carreira fantástica na realização.
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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
O Sheriff e a Loira (The Sheriff of Fractured Jaw) 1958
"The Sheriff of Fractured Jaw" lembra-nos a série "Carry On", ao centrar-se na personagem de um cavalheiro inglês, alheio aos perigos que corre, como um peixe fora de água, no Oeste selvagem, onde sem se dar conta se torna o xerife de uma cidade problemática. Tem todos os elementos habituais para as personagens de Kenneth More, o ingénuo e encantador Jonathan Tibbs, e a sexy Jayne Mansfield como a atrevida dona de um bar, que trás ao personagem principal uma enorme variedade de problemas. E ainda tem um pequeno papel para um actor habitual na série "Carry On", Sidney James. E é ao ritmo da série "Carry On" que vamos deslindando o argumento, cheio de sub plots, que inclui guerras entre rancheiros rivais, problemas com índios locais, e, claro, muito romance.
Talvez ninguém esperasse uma incursão de Raoul Walsh neste tipo de comédia, já numa fase tão avançada da sua carreira, ainda mais vindo de um realizador conhecido como "durão". Mas acabaria por ser uma abordagem muito interessante, e seria o primeiro western de sempre a ser filmado em Espanha, nos mesmos cenários onde poucos anos mais tarde seria filmada a trilogia dos dólares, de Sérgio Leone.
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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Os Nús e os Mortos (The Naked and the Dead) 1958
Muito antes de ganhar o Prémio Pulitzer por obras tão universalmente aclamadas como "Armies of the Night" (1969) e "The Executioner's Song" (1980), Norman Mailer passou dois anos a servir nas Filipinas, como atirador para os Marines, durante a Segunda Guerra Mundia
l. Esta dura experiência foi mais tarde transformada no seu primeiro livro, "The Naked and the Dead" (1948), geralmente considerado como um dos melhores romances americanos sobre a Segunda Guerra Mundial. A RKO Pictures pegou na enorme tarefa de trazer o livro para a tela em 1958, e com um artesão de prestígio no leme, Raoul Walsh, parecia ser promissor. O grande desafio, contudo, era como manter-se fiel à visão artística de Mailer, desta obra-prima literária.
O maior obstáculo era adaptar o tamanho do livro - 721 páginas! - para um filme comercial, com uma duração aceitável. O enredo essencial do livro de Mailer permaneceu intacto: Marines estacionados no Pacífico Sul lutam pela sobrevivência contra o inimigo, bem como contra o seu próprio líder do pelotão, um sargento sádico chamado Croft (o subestimado Aldo Ray desempenha o ameaçador sargento com gosto). A natureza abusiva de Croft perante os seus homens entrava em conflito com o comando altamente moralista do tenente Hearn (Cliff Robertson). No entanto estes dois homens vão ser colocados em confronto pelo General Cummings (Raymond Massey), que acha que os soldados servirão melhor se odiarem os seus superiores. Apesar da premissa forte, o encurtamento do livro para caber num filme de duas horas comprometeu a interpretação da ideologia da Mailer sobre a guerra e o abuso de poder. Outro problema foi que a linguagem áspera mas realista do livro teve de ser diluída consideravelmente para passar nos padrões de Hollywood para um filme mainstream, e isso roubou alguma crueza que fez do livro uma obra tão famosa.
Ainda assim o filme teve os seus méritos. Deve ser visto como um drama de guerra, e não como uma adaptação de uma grande obra literária, e assim funciona esplendidamente, pois é uma obra de acção pura. As principais sequências são todas muito bem encenadas por Walsh, com o director de fotografia Joseph LaShelle a capturar perfeitamente a atmosfera sedutora da selva, com vistas deslumbrantes, orquídeas e orelhas de elefantes, todas presentes em cores vívidas.
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
A Escrava (Band of Angels) 1957
A viver no Kentucky antes da Guerra Civil, Amantha Starr (Yvonne de Carlo) é uma jovem privilegiada. O pai viúvo, e dono de uma grande plantação, adora-a e manda-a para as melhores escolas. Quando o pai morre, de repente, o mundo de Amantha é virado de cabeça para baixo. Descobre que o pai vivia com dinheiro emprestado, e que a sua mãe era uma escrava e amante do pai. A plantação tem de ser vendida para pagar as dívidas do pai, e como ela é filha de escravos também tem de ser vendida com a propriedade. É comprada pelo dono de uma plantação do Louisiana, Hamish Bond (Clark Gable), e tenta amá-lo, até descobrir que ele é um traficante de escravos.
Começando com "The Birth of a Nation" (1915), o tema da Guerra Civil Americana fluiu de forma constante no cinema norte-americano. "Band of Angels" (1957), com Clark Gable, Yvonne De Carlo e Sidney Poitier a trabalharem sobre as ordens de Raoul Walsh, foi um filme que nunca conseguiu arrecadar críticas muito favoráveis, sobretudo, por causa das comparações, inevitáveis, com "Gone with the Wind" (1939). Além de tentar reciclar o Rhett Butler de Gable num sulista malvado, transformando-o num bom homem, embora tardiamente, para fazer a coisa certa, mas mantendo uma perspectiva sulista, segundo um livro de Robert Penn Warren. No romance de Warren a guerra está mais longe do que em "Gone With the Wind", e o combate que vemos não é entre soldados. Embora as raízes da Guerra Civil, o racismo e a escravidão, estejam bem presentes no seu núcleo, "Band of Angels" foca-se mais em envolvimentos românticos. Se os direitos civis podem ser ouvidos a bater à porta, na pessoa de um escravo educado e desafiante, interpretado por Poitier, o melodrama romântico está mais perto de Madame X do que de Malcolm X.
Mesmo assim, o filme funciona bem como entretimento. Um blockbuster para o cinema da altura.
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Começando com "The Birth of a Nation" (1915), o tema da Guerra Civil Americana fluiu de forma constante no cinema norte-americano. "Band of Angels" (1957), com Clark Gable, Yvonne De Carlo e Sidney Poitier a trabalharem sobre as ordens de Raoul Walsh, foi um filme que nunca conseguiu arrecadar críticas muito favoráveis, sobretudo, por causa das comparações, inevitáveis, com "Gone with the Wind" (1939). Além de tentar reciclar o Rhett Butler de Gable num sulista malvado, transformando-o num bom homem, embora tardiamente, para fazer a coisa certa, mas mantendo uma perspectiva sulista, segundo um livro de Robert Penn Warren. No romance de Warren a guerra está mais longe do que em "Gone With the Wind", e o combate que vemos não é entre soldados. Embora as raízes da Guerra Civil, o racismo e a escravidão, estejam bem presentes no seu núcleo, "Band of Angels" foca-se mais em envolvimentos românticos. Se os direitos civis podem ser ouvidos a bater à porta, na pessoa de um escravo educado e desafiante, interpretado por Poitier, o melodrama romântico está mais perto de Madame X do que de Malcolm X.
Mesmo assim, o filme funciona bem como entretimento. Um blockbuster para o cinema da altura.
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domingo, 21 de fevereiro de 2016
Um Rei e Quatro Rainhas (The King and Four Queens) 1956
Dan Kehoe é um oportunista em fuga. Chegado a uma povoação, fica a saber da existência de um rancho, habitado por cinco mulheres bem aguerridas, onde pode estar escondido uma vasta quantidade de ouro. Kehoe consegue introduzir-se no rancho, seduz as quatro beldades no sentido de descobrir o ouro. Mas a matriarca da família não parece muito convencida.
E meio da década de 50, Eleanor Parker já tinha contracenado com muitas estrelas masculinas de Hollywood, como Errol Flynn, Humphrey Bogart, Kirk Douglas, Robert Taylor, William Holden e Frank Sinatra. No entanto, ela estava particularmente animada em representar com Clark Gable neste filme, de quem dizia ser grande fã. Parker interpreta a mais cínica e astuta das noras da poderosa rancheira (interpretada por Jo Van Fleet), descrita por Gable como sendo "sendo mais dura do que o couro de Wang, e mais fria do que Janeiro". Jean Willes é uma mexicana sensual, Barbara Nichols uma loira dançarina, e Sara Shane uma bela jovem. A química entre Parker e Gable torna mais fácil que é com Parker que Gable irá partilhar a última cavalgada em direcção ao pôr do sol.
O filme foi o único projecto da produtora fundada por Clark Gable, a GABCO, produzido em colaboração com a actriz Jane Russell, e o seu marido, Robert Waterfield. Como já vimos neste ciclo, Gable, Russell e Walsh tinham colaborado no ano anterior, no filme "The Tall Men", o filme de onde veio esta amizade.
Os exteriores para "The King and Four Queens" foram filmados perto de St. George, Utah, onde o filme da RKO "The Conquerors" tinha acabado de ser filmado. Este filme ficou famoso por alegações de que parte do elenco e da equipa (incluindo o realizador Dick Powell, e as estrelas John Wayne e Susan Hayward) tinham contraído cancro, depois de passarem algum tempo perto de um campo de testes atómicos. Mas a equipa de "The King and Four Queens" já ficou isenta de problemas de saúde.
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E meio da década de 50, Eleanor Parker já tinha contracenado com muitas estrelas masculinas de Hollywood, como Errol Flynn, Humphrey Bogart, Kirk Douglas, Robert Taylor, William Holden e Frank Sinatra. No entanto, ela estava particularmente animada em representar com Clark Gable neste filme, de quem dizia ser grande fã. Parker interpreta a mais cínica e astuta das noras da poderosa rancheira (interpretada por Jo Van Fleet), descrita por Gable como sendo "sendo mais dura do que o couro de Wang, e mais fria do que Janeiro". Jean Willes é uma mexicana sensual, Barbara Nichols uma loira dançarina, e Sara Shane uma bela jovem. A química entre Parker e Gable torna mais fácil que é com Parker que Gable irá partilhar a última cavalgada em direcção ao pôr do sol.
O filme foi o único projecto da produtora fundada por Clark Gable, a GABCO, produzido em colaboração com a actriz Jane Russell, e o seu marido, Robert Waterfield. Como já vimos neste ciclo, Gable, Russell e Walsh tinham colaborado no ano anterior, no filme "The Tall Men", o filme de onde veio esta amizade.
Os exteriores para "The King and Four Queens" foram filmados perto de St. George, Utah, onde o filme da RKO "The Conquerors" tinha acabado de ser filmado. Este filme ficou famoso por alegações de que parte do elenco e da equipa (incluindo o realizador Dick Powell, e as estrelas John Wayne e Susan Hayward) tinham contraído cancro, depois de passarem algum tempo perto de um campo de testes atómicos. Mas a equipa de "The King and Four Queens" já ficou isenta de problemas de saúde.
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Duelo de Ambições (The Tall Men) 1955
Depois da Guerra Civil Americana, Ben Allison (Clark Gable), juntamente com o seu irmão, seguem para Montana. No caminho, salvam Nella (Jane Russell) de um ataque de índios e ela segue com eles. Os dois irmãos agora disputarão o coração da bela jovem.
Um western resistente, indisciplinado, e bastante agradável, que não desbrava nenhum terreno com o seu argumento pouco original, mas é feito de um modo tão profissional, que a maioria dos espectadores, principalmente os fãs do western, não vão dar importância ao fraco argumento. Este é um dos bons filmes que faz uma virtude da previsibilidade, isto é, quando as coisas não correm exactamente como são esperadas, qualquer pequena surpresa tem um maior impacto.
Mas "The Tall Men" existe mais para passear alguns actores de grande craveira, Clark Gable, Jane Russell, Robert Ryan e Cameron Mitchell, pelas belas paisagens do Oeste americano, pela belíssima fotografia de Leo Tover, e o seu trabalho em Cinemascope, tudo sobre a batuta do maestro Raoul Walsh. Russell nunca foi uma actriz estupenda, mas tem muitas qualidades que foram aproveitadas neste filme. O filme gira mais em torno da excelente interpretação de Gable, aqui já em final de carreira.
Jean-Luc Godard era grande fã deste filme, e possivelmente aproveitou daqui a idéia de uma longa cena num espaço confinado para traçar o colapso de uma relação no seu belíssimo "O Desprezo" (1963).
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Um western resistente, indisciplinado, e bastante agradável, que não desbrava nenhum terreno com o seu argumento pouco original, mas é feito de um modo tão profissional, que a maioria dos espectadores, principalmente os fãs do western, não vão dar importância ao fraco argumento. Este é um dos bons filmes que faz uma virtude da previsibilidade, isto é, quando as coisas não correm exactamente como são esperadas, qualquer pequena surpresa tem um maior impacto.
Mas "The Tall Men" existe mais para passear alguns actores de grande craveira, Clark Gable, Jane Russell, Robert Ryan e Cameron Mitchell, pelas belas paisagens do Oeste americano, pela belíssima fotografia de Leo Tover, e o seu trabalho em Cinemascope, tudo sobre a batuta do maestro Raoul Walsh. Russell nunca foi uma actriz estupenda, mas tem muitas qualidades que foram aproveitadas neste filme. O filme gira mais em torno da excelente interpretação de Gable, aqui já em final de carreira.
Jean-Luc Godard era grande fã deste filme, e possivelmente aproveitou daqui a idéia de uma longa cena num espaço confinado para traçar o colapso de uma relação no seu belíssimo "O Desprezo" (1963).
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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
Antes do Furacão (Battle Cry) 1955
Em 1942, um grupo de jovens junta-se aos fuzileiros navais, deixando os seus entes queridos para trás. Preparados para a batalha, eles estão frustrados com muitas missões fora de combate, e vamos seguindo os seus romances em tempo de guerra, principalmente o envolvimento de Andy Hookens com Pat, uma viúva neo-zelandesa. Quando decidem apenas "viver o momento", uma batalha real chama por Andy...
Para uma mudança de perspectiva no género Guerra, A Warner Bros decidiu produzir o best seller de Leon Uris, sobre os marines que ficam à espera nas reservas, e a sua inevitável maturidade aos 19 anos. Conseguindo um total de 8 milhões de dólares no box-office de 1955, esta mistura de melodrama pesado, romance e combate (nas cenas finais), provou ser a combinação perfeita para o público americano, e no meio da glorificação do Marine Ideal, permanece como uma cápsula do tempo para a cultura popular, principalmente no que se referia nas atitudes das minorias étnicas e das mulheres.
"Battle Cry" não é tanto um filme de combate, mas sim uma "soap opera" com vinhetas de dramas humanos. É também um entretimento de estúdio de grande orçamento, por excelência, mais voltado para o consumo das massas durante a década de 50, com destaque para um elenco de estrelas, que combinava veteranos de Hollywood (Van Heflin, James Whitmore, Raymond Massey) com jovens promessas do cinema americano (Tab Hunter, Dorothy Malone, Aldo Ray, Anne Francis, Fess Parker). Durante a fase do casting, muitas caras conhecidas foram consideradas, mas acabaram por ser abandonadas pelo estúdio, como Paul Newman, Margaret O'Brien, Susan Strasberg, Phyllis Thaxter e James Dean.
Embora perca em comparação com outros clássicos, como "The Best Years of Our Lives" (1946) ou "Story of G.I. Joe" (1945), ainda é um entretimento bastante eficaz. Foi nomeado para o Óscar de Melhor Música, da autoria de Max Steiner.
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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
A Grande Ofensiva (Saskatchewan) 1954
O'Rourke (Alan Ladd) e o seu meio-irmão Cree, Cajou, estão de regresso de uma caçada no norte do Canadá quando se deparam com um vagão de um comboio queimado, e uma única sobrevivente, Grace (Shelley Winters). O comandante Benson acredita ser um ataque dos índios Cree, mas os Sioux, do outro lado da fronteira, estão a forçar os Cree a serem seus aliados na luta contra a Sétima Cavalaria. O'Rourke terá que salvar toda a gente, incluindo Grace.
Raoul Walsh realiza este western brilhantemente fotografado, sobre a batalha dos índios contra a Polícia Montada Canadiana, no seu habitual estilo vigoroso e viril. Baseado numa história de Gil Doud, funciona muito bem como espectáculo (a ser filmado em excelentes exteriores perto de Banff), com grandes cenas de acção, mas o facto da história ser um pouco fraca, deixa um pouco a desejar.
Era a segunda vez que Walsh trabalhava com Alan Ladd, depois de "Salty O'Rourke", curiosamente um filme onde a personagem de Ladd tem o mesmo sobrenome que neste "Saskatchewan", embora os personagens não estejam ligados. Produzido pela Universal, consta que teve filmagens complicadas. Primeiro foi Shelley Winters que teve uma lesão no olho que obrigou a vários dias de paragem, depois foi Alan Ladd que partiu um dedo, o que o obrigou a usar uma tala, facto que obrigou a uma grande ginástica para não ser filmado pelas câmaras.
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
Sob o Signo do Mal (The Lawless Breed) 1953
Supostamente conta a verdadeira e autobiográfica história do fora-da-lei John Wesley Hardin, com um jovem Rock Hudson no papel principal. Libertado da prisão depois de 16 anos de trabalhos forçados por ter morto um homem, Hardin escreve a sua autobiografia. Através de flashbacks conta-nos a sua história, começando pela sua tempestuosa relação com o pai, um pregador que o chicoteia quando ele adquire o vício do jogo e dos tiroteios. Hardin mata um homem em legítima defesa num bar local, e a sua vida nunca mais é a mesma.
Um dos primeiros papéis como protagonista de Rock Hudson, num western acima da média realizado por Raoul Walsh, num filme vagamente baseado na vida de um um verdadeiro assassino, que afirma, na sua autobiografia, ter morto mais de 40 homens, mais 19 do que Billy the Kid diz ter morto. O retrato é fatalista, e um pouco triste em alguns pontos, mas Walsh dirige com grande vitalidade, proporcionando bastante acção. Hudson a fazer um papel interessante, assim como a actriz Julie ou John McIntire num duplo papel. Entre os papéis mais secundários contam-se ainda Hugh O'Brien, Dennis Weaver ou Lee Van Cleef.
Longe de ser dos filmes mais marcantes de Walsh, é um entretimento interessante para quem gosta de westerns.
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domingo, 14 de fevereiro de 2016
A Fúria das Armas (Gun Fury) 1953
Originalmente filmado e lançado em 3-D, Gun Fury (1953) é um dos melhores westerns produzidos neste formato, e funciona tão bem como uma versão "normal", deixando intactos todos os seus truques originais. A história tem lugar na pós-Guerra Cívil, e abre com Jennifer Ballard (Donna Reed) a viajar numa carruagem ao encontro do seu noivo Ben Warren (Rock Hudson). A acompanhar Jennifer na sua viagem está Frank Slayton (Phil Carey), que viaja com o nome de Mr. Hampton, por uma razão.Na verdade ele é um ex-confederado tornado fora-da-lei que fica com uma simpatia especial pela senhora Ballard, com a sua natureza a ser revelada mal o casal está reunido. Slayton e o seu gang assaltam a carruagem que agora transporta o casal, abusam de Jennifer e deixam Ben como morto, depois de o abaterem. O que se segue é uma história de vingança e retribuição, com Ben, ferido, a perseguir os bandidos, usando a astúcia para resgatar a sua noiva.
Dirigido por Raoul Walsh depois dos seus anos de ouro na Warner Bros, "Gun Fury" é uma aventura de acção robusta e divertida, que preenche todos os requisitos de um filme de orçamento modesto. As paisagens naturais deslumbrantes (filmado perto de Sedona, Arizona), e um ritmo sempre acelerado são as principais características do filme, mas a principal atracção do filme é o elenco, que inclui dois dos maiores pesos pesados no que diz respeito a vilões de Hollywood, Lee Marvin como Blinky e Neville Brand como Brazos. Apesar de papéis pequenos, os dois fazem justiça à sua fama de vilões, mas neste filme ninguém chega perto da vilania de Phil Carey.
Existe uma tensão por toda a parte, principalmente no que diz respeito à heroína vitimada de Donna Reed. A ameaça de violação em grupo está implícita na personagem de Jennifer, que nunca é glamourizada. Na verdade, ela é submetida a uma provação física após outra, principalmente depois de uma tentativa de fuga onde ela é amarrada e arrastada por um cavalo.
"Gun Fury" é baseado no livro "Ten Against Caesar" de Robert A. Granger, e foi adaptado para o grande ecrã por Roy Huggins e Irving Wallace. Donna Reed interpretaria cinco filmes neste ano, ganhando o Óscar de Melhor Actriz Secundária em "From Here to Eternity".
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Raoul Walsh - Parte 3
Quando os críticos dos Cahiers du Cinema conferiam o status de "auteur" aos cinestas de Hollywood, a tendência era favorecer os realizadores mais "machos" cuja vida era tão áspera como os filmes que faziam. Raoul Walsh era o epítome da bravura, um dos chamados "mavericks" que demonstrava um vigoroso senso de aventura, dentro e fora da tela.
Ainda em adolescente, interrompeu os estudos para viajar com o seu tio de barco, acabando por se tornar cowboy no México. No Texas juntou-se a uma companhia de teatro itenerante, e finalmente chegou a Hollywood como cowboy cantor, trabalhando para D. W. Griffith em vários filmes, tanto atrás como à frente das câmeras, como por exemplo, no papel de John Wilkes Booth em "The Birth of a Nation" (1915).
Como realizador, Walsh foi um pioneiro. Ajudou a formular o protótipo do filme de gangsters com "Regeneration" (1915), além de realizar uma série de outros filmes mudos notáveis, como "The Thief of Bagdad" (1924), "What Price Glory" (1926), e "Sadie Thompson" (1928). Também deu a John Wayne uma das suas primeiras oportunidades, em "The Big Trail" (1930). Mas, os anos trinta não foram muito favoráveis a Walsh, e foi apenas quando ele se mudou para a Warner Bros., no final da década, que começaram a aparecer sinais de um estilo pessoal.
O seu forte eram os filmes de acção, preenchidos com uma energia abrasiva e uma decência brusca onde os seus heróis definiam o seu próprio código moral, num universo indiferente. Com um trio de filmes de gangsters levou o género a novos patamares: "The Roaring Twenties" (1939), "High Sierra" (1941) e "White Heat" (1949). Walsh demonstrava uma afinidade natural com actores duros como James Cagney ("Manpower" 1941), Humphrey Bogart ("They Drive by Night" 1940), e, principalmente, Errol Flynn (quem dirigiu em vários filmes). As experiências pessoais de Walsh incutiam autenticidade em westerns como "Pursued" (1947) ou "Colorado Territory" (1949).
Permaneceu um realizador activo até meados da década de 60, mas a sua carreira entrou em declínio desde que saíu da Warner, a meio da década de 50. Ao todo realizou mais de 100 filmes, numa carreira que se prolongou por 52 anos, tendo sido forçado a retirar-se em 1964, por perder a visão no já único olho que tinha.
Nesta última parte do ciclo, iremos visitar a sua carreira desde 1951 até ao final da carreira.
- Gun Fury (1953)
- The Lawless Breed (1953)
- Saskatchewan (1954)
- Battle Cry (1955)
- The Tall Men (1955)
- The King and Four Queens (1956)
- Band of Angels (1957)
- The Naked and the Dead (1958)
- The Sheriff of Fractured Jaw (1958)
- Ester and the King (1960)
- A Distant Trumpet (1964)
Como realizador, Walsh foi um pioneiro. Ajudou a formular o protótipo do filme de gangsters com "Regeneration" (1915), além de realizar uma série de outros filmes mudos notáveis, como "The Thief of Bagdad" (1924), "What Price Glory" (1926), e "Sadie Thompson" (1928). Também deu a John Wayne uma das suas primeiras oportunidades, em "The Big Trail" (1930). Mas, os anos trinta não foram muito favoráveis a Walsh, e foi apenas quando ele se mudou para a Warner Bros., no final da década, que começaram a aparecer sinais de um estilo pessoal.
O seu forte eram os filmes de acção, preenchidos com uma energia abrasiva e uma decência brusca onde os seus heróis definiam o seu próprio código moral, num universo indiferente. Com um trio de filmes de gangsters levou o género a novos patamares: "The Roaring Twenties" (1939), "High Sierra" (1941) e "White Heat" (1949). Walsh demonstrava uma afinidade natural com actores duros como James Cagney ("Manpower" 1941), Humphrey Bogart ("They Drive by Night" 1940), e, principalmente, Errol Flynn (quem dirigiu em vários filmes). As experiências pessoais de Walsh incutiam autenticidade em westerns como "Pursued" (1947) ou "Colorado Territory" (1949).
Permaneceu um realizador activo até meados da década de 60, mas a sua carreira entrou em declínio desde que saíu da Warner, a meio da década de 50. Ao todo realizou mais de 100 filmes, numa carreira que se prolongou por 52 anos, tendo sido forçado a retirar-se em 1964, por perder a visão no já único olho que tinha.
Nesta última parte do ciclo, iremos visitar a sua carreira desde 1951 até ao final da carreira.
- Gun Fury (1953)
- The Lawless Breed (1953)
- Saskatchewan (1954)
- Battle Cry (1955)
- The Tall Men (1955)
- The King and Four Queens (1956)
- Band of Angels (1957)
- The Naked and the Dead (1958)
- The Sheriff of Fractured Jaw (1958)
- Ester and the King (1960)
- A Distant Trumpet (1964)
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
Profissão: Repórter (Professione: Reporter) 1975
"Há apelos difíceis de ignorar. E o feito por Hollywood nos anos 70 a um obstinado Antonioni, em pico de carreira, culminou mesmo na feitura de "Zabriskie Point" e em "Professione: Reporter", obras vistas pelos puristas do mestre italiano como menores.
Longe dessa verdade, "Professione: Reporter" conta outra vez como tema assombrado da personalidade fílmica do seu autor, embora também fruto de contemporaneidade cinematográfica pós neo-realista e nouvelle vague a que deu forma, uma história de malaise e alienação. Com o aparato hollywodesco sempre na sombra e uma rara liberdade de actuação, Antonioni escolheu a dedo os actores, particularmente a dupla Jack Nicholson/ Marie Schneider e partiu para o deserto. E da sua viagem (deles) pelo mundo, numa afirmação de identidades transitórias que passa no lado de cá para o de lá da câmara, nasceu, à data, um sucesso moderado, quer comercial, quer crítico.
Jack Nicholson, também ele apanhado numa fase da vida de mudança da sua dramatis personae - passando da energia e rudeza viril de "Chinatown" ou "Five Easy Pieces", sucessos anteriores, à aura negra e cerebral de "The Shining" e "One Flew Over the Cuckoo´s Nest")- encarna agora David Locke, um repórter televisivo que investiga os movimentos armados terroristas num país do norte africano. Quando um conhecido do quarto ao lado morre, Locke, sem grande reflexão, decide fugir da sua vida, mulher, emprego, responsabilidades, assumindo a identidade do falecido, transmitindo a “morte” para si próprio. E desta fuga identitária, que assume na visão de Antonioni uma dimensão de road movie calmo, melancólico e surpreendentemente cosmopolita (alguns dos seus melhores momentos são no sul de Espanha ou em Munique), muito do que se conta são as palavras não ditas de Jack Nicholson, os seus gestos densamente minimais, a sua postura mansa de ebulição intelectual. Muito da grandeza de "Professione: Reporter" é sobretudo a superior afirmação, por parte de um actor sanguíneo, de algo que nunca teria sido e certamente nunca voltou a ser, um corpo endemoinhado por uma entidade, uma alienação difícil de explicar.
Da fuga do jornalista à sua perseguição pela Europa, por parte da mulher que deixou, - por ela já não ser aquilo que ele era, como ele que já não queria ser aquilo que é-, parte da correria lenta por casas rústicas, hotéis encaixados na paisagem e linhas do infinito traçadas por estradas percorridas, justifica-se com uma nova postura de vida activa. Ou por outras palavras, o seu novo eu, o assumido com a morte de Robertson (Charles Mulvehill), está mais fincado na vida do que ele estava, tendo assim que correr e abandonar o alheamento e observação passiva próprias do “seu” jornalismo, pouco inquisitivo.
Como fosse a insatisfação identitária uma corrida à volta da própria cauda (como confessa o protagonista, debaixo de uma árvore à sua nova namorada, “que se sente só um”, apesar das muitas identidades), "Professione: Reporter" também é, apesar de aparentar o seu contrário, uma obra de imobilidade, uma viagem interior, labirinto emocional kafkiano, que justifica uma circularidade e pontos da contacto no trajecto dos personagens. Claro que, este tipo de leituras metafísicas, e sobretudo metapsíquicas, reconhecidamente o “colestrol” do cinema de Antonioni, verdadeiros locais decadentes de chegada, são infinitamente mais débeis do que estes corpos em fuga(s) que palminham esta Europa estranhamente serena. Ainda assim, as diversas leituras que carrega "Professione: Reporter" são certamente mais justificadas, ou não fosse, em momento da sua reposição, anunciada a obra no poster lançado entre nós, como a mais narrativa das viagens de Antonioni. E é essa dose de narratividade, esses traços de história, os elementos menos geridos. Demasiadamente marcados e evidentes, reenviam o espectador a um cinema que não é bem o de Antonioni, ou pelo menos, no qual também ele se sente um viajante, como indica o seu título em linha inglesa, "The Passenger".
Texto de Carlos Natálio, daqui.
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Histórias de Cozinha (Salmer fra Kjøkkenet) 2003
"Kitchen Stories" é sobre o conflito entre tecnologia e tradição.Cientistas e outros idealistas estão sempre a pensar em novos modos de reduzir tempo gasto na execução de tarefas triviais. Um cientista sueco decide que vai revolucionar e simplificar o modo como as pessoas utilizam as suas cozinhas. Conduz um estudo para documentar o que as pessoas fazem na cozinha e, com esses dados, promete resolver o problema e oferecer uma alternativa eficiente.
Os objectos para este estudo são homens solteiros noruegueses. É aqui que começa o absurdo. Para cada norueguês é apontado um observador, que passa a maior parte do tempo na cozinha, a documentar o que o outro faz, para quando chegar ao fim do dia, documentar tudo na roulotte que o acompanha. O seu papel é estritamente para observar, e não devem intervir, ou falar com os seus súbitos.
Isak é um solteirão solitário que se inscreve no programa porque lhe foi prometido um cavalo, que acabou por ser um brinquedo em miniatura. Sente-se enganado, e tenta enganar o observador fazendo-o crer que ele não usa a cozinha. De repente, Isak e Folke, o observador sueco, também ele um homem solitário, começam uma relação de amizade que pode colocar em causa todo o processo.
"Kitchen Stories" funciona, pela sua marca de humor único, que desafia tanto as convenções como a razão. Varia da hipocrisia ao cinismo, mas é constantemente eficaz. A natureza absurda dos personagens e a estranheza da situação torna o filme numa abordagem muito original sobre o tema da solidão. O filme também funciona como uma declaração definitiva da tecnologia, e como a procura do avanço tecnológico, no entanto benéfico, é impessoal e muitas vezes um prejuízo para o valor de uma simples vida.
Realizado pelo sueco Bent Hamer, que co-escreveu o argumento com o norueguês Jörgen Bergmark.
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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016
Nos Meus Lábios (Sur Mes Lèvres) 2001
Uma secretária surda está cansada de ser tratada como um burro de carga no seu local de trabalho, onde os colegas de escritório, invariavelmente, ficam com os créditos pelo seu trabalho duro. Socialmente também está destinada a fazer o papel de Cinderella, a fazer de babysitting para uma amiga, enquanto ela anda pela cidade. A salvação, ou pelo menos a hipótese de vingança, chega na forma do novo assistente de Carla, o ex-condenado Paul. Utilizando a habilidade de leitura labial de Carla, o duo inventa um plano para fazer um assalto.
"Uma história de amor onde os personagens nunca fazem amor". É assim que o realizador/argumentista Jacques Audiard descreve este inventivo filme de suspense. Desde o início Audiard manipula na banda-sonora para emergirmos no mundo frágil e solitário de Carla, que não é uma personagem deficiente estereotipada de santa, amarga e ciumenta, apreciando o acerto de contas antigo.
Elegantemente composto pelo director de fotografia Mathieu Vadepied, "Sur Mes Lèvres" é substancialmente mais do que uma mera homenagem a "Janela Indiscreta", de Hitchcock, ou "Fim-de-Semana no Ascensor", de Louis Malle, dois filmes para os quais incorrem certos ecos narrativos. Graças ao brilhante argumento, e a interpretações de luxo de Emmanuelle Devos e Vincent Cassel, torna-se um bom estudo de duas figuras solitárias e estranhas, que recorrem gradualmente à sua dependência mútua.
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The Lonely Voice of Man (Odinokiy Golos Cheloveka) 1987
Um jovem soldado regressa do campo de batalha, e tenta conquistar uma relação com uma jovem local. A incapacidade de comunicarem e lidar com as suas vidas lembra-nos das pessoas que não conseguem sobreviver. A combinação de imagens de vídeo, tanto em fotografias como em imagens em movimento, é bastante bem conseguida aqui, unindo duas décadas, entre 1902 e os anos 20. No final tudo é húmido, escuro, e ameaçador.
Originalmente concebido por Sokurov como defesa do seu diploma na VGIK, "The Lonely Voice of Man" foi banido na URSS até à "glasnot". Depois de ser lançado foi imediatamente aclamado e nomeado para um elevado numero de prémios, sendo o mais importante o Leopardo de Bronze no Locarno International Film Festival.
Todos os actores do filme eram amadores, que combinados com as paisagens provincianas criam um senso de realismo. Sokurov já começa a aproximar-se do seu tema principal - a separação trágica entre o corpo e a alma. No seu diário, Sokurov escreveu que no livro de Platonov, de que é adaptada esta história, ele viu a história de um "coração fraco", para o qual a felicidade era um trabalho difícil. O amor e a vida em curso são eternas, mas inatingíveis para os sonhos das personagens.
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Chungking Express (Chungking Express) 1994
A ligação entre o amor e o desgosto são o tempo e a solidão. "Chungking Express" é dividido em duas partes, sendo a primeira sobre o desgosto de amor. O amor traz-nos luz e alegria, no entanto, as pessoas mudam, e por vezes o amor é substituído por um vazio emocional e uma capacidade de realização. Os dois personagens principais na primeira metade do filme são o Polícia 223 e uma contrabandista misteriosa, vista apenas com uma peruca loira, óculos de sol vermelhos e uma capa de chuva. Estes dois personagens interagem em apenas 10% do filme, mas o seu encontro deixa-lhes marcas que perdurarão por uma vida inteira. A segunda história é sobre outro polícia, o 663, e a sua separação de uma hospedeira de bordo. Ele conversa com as suas mobilias, até conhecer uma nova rapariga num bar.
A primeira vez que Wong Kar Wai atraíu a atenção do ocidente foi com "Chunking Express", o seu terceiro filme, lançado em 1994. Na verdade, o filme foi feito durante uma pausa na pós-produção de "Ashes of Time" (Dung Che Xai Duk), um Wuxia muito elaborado, que tinha sido iniciado bastante anteriormente e que estava a ser orientado segundo as linhas mainstream do cinema oriental. "Chungking Express", feito com uma orçamento muito menor, por contraste, representava uma continuação do desenvolvimento do seu estilo pessoal, que já vinha a ser utilizado nas suas primeiras obras: "As Tears Go By" e "Days of Being Wild". A cada passo sucessivo nesta progressão, a narrativa de Wong parece mais sem rumo, menos estruturada. O foco é cada vez mais sobre o "mood" psicológico das personagens.
Com uma grande elegância visual, foi filmado com a câmara ao ombro, num curto espaço de tempo, e em espaços apertados, que obrigavam a uma grande inspiração artística. O argumento era apenas uma idéia que foi sugerida aos actores, que dão prestações notáveis. Passou por vários festivais na Europa e a na América, chamando a atenção para o nome do realizador, chegando a ser considerado o melhor filme da década de 90 alguns anos mais tarde.
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domingo, 7 de fevereiro de 2016
Uma Réstea de Azul (A Patch of Blue) 1965
Acidentalmente cega pela sua mãe com a idade de cinco anos, Selina D'Arcey passa os treze anos seguintes confinada a um minúsculo apartamento de Los Angeles, que partilha com a mãe e o avô, com quem vive uma vida miserável e muito solitária. Uma das poucas vezes que consegue ir ao parque local conhece Gordon Ralfe, um jovem bondoso que a trata com muito carinho, sem saber que ele é negro. Continuam a encontrar-se no parque, até que a cruel e dominadora mãe tem conhecimento destes encontros...
Depois de se tornar no primeiro actor africano a ganhar um Óscar pela sua interpretação no filme "Lilies of the Field" (1963), Sidney Poitier tornou-se numa força tão grande no box-office que Pandro S. Berman declarou que só produzia "A Patch of Blue" se tivesse o actor no papel principal. Baseado num livro de Elizabeth Kata, "A Patch of Blue" é a história de uma jovem cega que vive uma vida na solidão, sem o devido carinho dos familiares, mas o filme também é uma história de amizade e amor.
Assim que Poitier se comprometeu com o projecto, começou a trabalhar com Berman e o realizador - argumentista Guy Green, actualizando o argumento para ficar mais sintonizado com uma versão para cinema. No livro a jovem partilha alguns preconceitos com a mãe, e reage negativamente quando descobre a verdade, e empurra o amante para as mãos dos vigilantes racistas. Na versão para cinema tal já não acontece, assumindo um tom muito mais optimista.
A MGM testou 145 actrizes desconhecidas até encontrar a jovem Elizabeth Hartman, que logo no seu primeiro filme conseguiu uma nomeação para o Óscar. Apareceu apenas num punhado de filmes, mas vivia bastante reclusa, até falecer com apenas 43 anos, vítima de um aparente suicídio. Shelley Winters, no papel da monstruosa mãe, venceria o Óscar de Melhor Actriz.
Foi um grande sucesso de bilheteira, mesmo no sul. Em Atlanta, nas duas primeiras semanas, bateu o record de "E Tudo o Vento Levou". Velhos tabus não foram quebrados, mas um modesto beijo de oito segundos foi cortado para o público do Sul.
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Depois de se tornar no primeiro actor africano a ganhar um Óscar pela sua interpretação no filme "Lilies of the Field" (1963), Sidney Poitier tornou-se numa força tão grande no box-office que Pandro S. Berman declarou que só produzia "A Patch of Blue" se tivesse o actor no papel principal. Baseado num livro de Elizabeth Kata, "A Patch of Blue" é a história de uma jovem cega que vive uma vida na solidão, sem o devido carinho dos familiares, mas o filme também é uma história de amizade e amor.
Assim que Poitier se comprometeu com o projecto, começou a trabalhar com Berman e o realizador - argumentista Guy Green, actualizando o argumento para ficar mais sintonizado com uma versão para cinema. No livro a jovem partilha alguns preconceitos com a mãe, e reage negativamente quando descobre a verdade, e empurra o amante para as mãos dos vigilantes racistas. Na versão para cinema tal já não acontece, assumindo um tom muito mais optimista.
A MGM testou 145 actrizes desconhecidas até encontrar a jovem Elizabeth Hartman, que logo no seu primeiro filme conseguiu uma nomeação para o Óscar. Apareceu apenas num punhado de filmes, mas vivia bastante reclusa, até falecer com apenas 43 anos, vítima de um aparente suicídio. Shelley Winters, no papel da monstruosa mãe, venceria o Óscar de Melhor Actriz.
Foi um grande sucesso de bilheteira, mesmo no sul. Em Atlanta, nas duas primeiras semanas, bateu o record de "E Tudo o Vento Levou". Velhos tabus não foram quebrados, mas um modesto beijo de oito segundos foi cortado para o público do Sul.
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
Viver (Ikiru) 1952
"
Muito embora Kurosawa seja principalmente conhecido pelos seus épicos sobre samurais ("Os Sete Samurais" e "Yojimbo, o Invencível") os seus interesses não se resumem a sangue e entranhas - apesar de nenhum realizador ter explorado como o fez o cineasta japonês todas as potencialidades das imagens de violência no grande ecrã. Kurosawa é, acima de tudo, o maior humanista da sétima arte, e "Ikiru" é prova cabal disso.
O filme conta-nos a história de Kenji Watanabe (Takashi Shimura, um dos actores predilectos de Kurosawa), um sarariman, ou seja, um assalariado ou burocrata de nível médio, cujo dia-a-dia é monótomo ou insatisfatório. O feito de que mais se orgulha é nunca ter faltado ao emprego durante os trinta anos em que trabalhou na secção do cidadão da Câmara Municipal. Kenji não se arrepende da mundanidade da sua existência simplesmente porque desconhece qualquer outra opção. Porém, tudo muda ao descobrir que tem um cancro e já não tem muito tempo de vida. Nos meses que lhe restam, Watanabe reconsidera as suas prioridades e realizações, e decide que nunca é tarde demais para mudar o mundo. Todas as suas energias são canalizadas para a construção de um parque público - um pequeno gesto que, para Kenji e Kurosawa, carrega, contudo, grande significado.
Em "Ikiru", Shimura brinda-nos com o desempenho da sua vida. Descoberta a doença de Kenji, o rosto do actor diz-nos o que precisávamos de saber. E as suas feições revelam-nos o mais vasto leque de emoções, da humildade à pura inexpressão. De facto, é-nos impossível não sentir a dor de Watanabe, dado que Shimura atravessa a película com um rosto marcado pela angústia. Se bem que esteja repleto de tristeza, "Ikiru" é, no final de contas, um filme de elevação espiritual. Aliás, esse é o propósito de Kurosawa: apresentar o sofrimento como parte integrante da vida, passível de ser utilizado de forma positiva para a obtenção da felicidade e da realização pessoal. Por outras palavras, "Ikiru" celebra a existência, apesar de o seu tema girar em redor da morte e do desgosto. Kurosawa, graças ao seu talento, mostra-nos como estes sentimentos não se contradizem, antes se completam, enquanto elementos do ciclo da vida. Na aldeia global e cínica dos nossos dias, a crença na importância das pequenas coisas, tal como é defendida pelo cineasta, não poderia ser mais tocante." Ethen de Seife
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Muito embora Kurosawa seja principalmente conhecido pelos seus épicos sobre samurais ("Os Sete Samurais" e "Yojimbo, o Invencível") os seus interesses não se resumem a sangue e entranhas - apesar de nenhum realizador ter explorado como o fez o cineasta japonês todas as potencialidades das imagens de violência no grande ecrã. Kurosawa é, acima de tudo, o maior humanista da sétima arte, e "Ikiru" é prova cabal disso.
O filme conta-nos a história de Kenji Watanabe (Takashi Shimura, um dos actores predilectos de Kurosawa), um sarariman, ou seja, um assalariado ou burocrata de nível médio, cujo dia-a-dia é monótomo ou insatisfatório. O feito de que mais se orgulha é nunca ter faltado ao emprego durante os trinta anos em que trabalhou na secção do cidadão da Câmara Municipal. Kenji não se arrepende da mundanidade da sua existência simplesmente porque desconhece qualquer outra opção. Porém, tudo muda ao descobrir que tem um cancro e já não tem muito tempo de vida. Nos meses que lhe restam, Watanabe reconsidera as suas prioridades e realizações, e decide que nunca é tarde demais para mudar o mundo. Todas as suas energias são canalizadas para a construção de um parque público - um pequeno gesto que, para Kenji e Kurosawa, carrega, contudo, grande significado.
Em "Ikiru", Shimura brinda-nos com o desempenho da sua vida. Descoberta a doença de Kenji, o rosto do actor diz-nos o que precisávamos de saber. E as suas feições revelam-nos o mais vasto leque de emoções, da humildade à pura inexpressão. De facto, é-nos impossível não sentir a dor de Watanabe, dado que Shimura atravessa a película com um rosto marcado pela angústia. Se bem que esteja repleto de tristeza, "Ikiru" é, no final de contas, um filme de elevação espiritual. Aliás, esse é o propósito de Kurosawa: apresentar o sofrimento como parte integrante da vida, passível de ser utilizado de forma positiva para a obtenção da felicidade e da realização pessoal. Por outras palavras, "Ikiru" celebra a existência, apesar de o seu tema girar em redor da morte e do desgosto. Kurosawa, graças ao seu talento, mostra-nos como estes sentimentos não se contradizem, antes se completam, enquanto elementos do ciclo da vida. Na aldeia global e cínica dos nossos dias, a crença na importância das pequenas coisas, tal como é defendida pelo cineasta, não poderia ser mais tocante." Ethen de Seife
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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016
O Bordel do Lago (Seom) 2000
Depois de perder a inocência, uma mulher deixa de falar. Como um pássaro numa gaiola, vive isolada numa ilha bordel onde dá bebidas aos pescadores e os consola, juntamente com outras mulheres, nas horas de aborrecimento. Esta ilha é especial. Pequenas casas flutuam no lago que a circunda e permitem aos homens transformar em realidade as suas mais estranhas fantasias sexuais. A chegada à ilha de um pescador com vontade de se suicidar vai quebrar-lhe a rotina. Apesar de o ter salvado da morte e de ser a sua amante, a mulher não consegue prendê-lo ao seu amor.
Depois do controverso " Bad Guy", "O Bordel do Lago", de Ki-duk Kim, é um filme mais leve sobre os temas do isolamento e do amor obsessivo, embora ainda contenha, pelo menos, duas cenas bastante violentas. A urgência da relação central é sublinhada pelo facto de que Hyun-Shik tem um passado do qual não quer falar, e Hee-Jin é, aparentemente, muda (embora ouvimos uma conversa sua ao telefone, o que sugere que a sua falta de comunicação no ambiente do lago é intencional). Incapazes de discutir o mundo para lá do lago, ou como chegaram até lá, estes dois personagens vivem inteiramente no presente. A comunicação é apenas física. Através da auto-destruição mútua eles criam uma breve ilha de amor, dentro de um mundo brutal, embora, numa última análise, cada um deles é ele próprio uma ilha solitária. O lago também pode ser visto como uma ilha, fora da realidade, aberta a extremos. Ameaças vindas de fora são geridas de forma peremptória.
Apesar do diálogo ser limitado, o filme nunca se arrasta, nem a tensão reduz ao longo dos 90 minutos. É um filme bastante bonito visualmente, e o sim coincide com a qualidade das imagens, evocativas e envolventes. Muito premiado pelo mundo fora, ganhou um menção especial em Veneza, e dois prémios no Fantasporto de 2001.
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Depois do controverso " Bad Guy", "O Bordel do Lago", de Ki-duk Kim, é um filme mais leve sobre os temas do isolamento e do amor obsessivo, embora ainda contenha, pelo menos, duas cenas bastante violentas. A urgência da relação central é sublinhada pelo facto de que Hyun-Shik tem um passado do qual não quer falar, e Hee-Jin é, aparentemente, muda (embora ouvimos uma conversa sua ao telefone, o que sugere que a sua falta de comunicação no ambiente do lago é intencional). Incapazes de discutir o mundo para lá do lago, ou como chegaram até lá, estes dois personagens vivem inteiramente no presente. A comunicação é apenas física. Através da auto-destruição mútua eles criam uma breve ilha de amor, dentro de um mundo brutal, embora, numa última análise, cada um deles é ele próprio uma ilha solitária. O lago também pode ser visto como uma ilha, fora da realidade, aberta a extremos. Ameaças vindas de fora são geridas de forma peremptória.
Apesar do diálogo ser limitado, o filme nunca se arrasta, nem a tensão reduz ao longo dos 90 minutos. É um filme bastante bonito visualmente, e o sim coincide com a qualidade das imagens, evocativas e envolventes. Muito premiado pelo mundo fora, ganhou um menção especial em Veneza, e dois prémios no Fantasporto de 2001.
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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
A Mulher Que Pecou (The L-Shaped Room) 1962
Jane, uma jovem francesa, grávida e solteira, aluga um quarto numa pensão decadente de Londres, habitada por uma variedade de desajustados. Considera fazer um aborto, mas não está muito contente com esta solução. Começa uma relação com Toby, um jovem escritor que vive no primeiro andar, e começa a dar-se com as pessoas que habitam a casa. Mas ela ainda enfrenta dois problemas: o que fazer com o bébé, e o que fazer com Toby...
"The L-Shaped Room" (1962) marca uma estranha posição na chamada "British New Wave". De certa forma parece um filme desta nova vaga, algures entre a inovação da Woodfall Films e o mainstream da indústria cinematográfica britânica. A franqueza com que trata o sexo, ou o simpático tratamento das mulheres desajustadas - sejam elas mães solteiras, lésbicas ou negras, com o não julgamento dos seus problemas, a fazerem parte do movimento, embora a narrativa e a realização sejam mais convencionais. Bryan Forbes, o realizador, era um nome importante na indústria britânica, como actor foi um dos pilares dos filmes de guerra e suspense da década de 50. Como realizador, com Whistle Down the Wind (1961) e depois com este filme, criou um mais romântico, e mais melancólico tipo de realismo, do que outros compadres seus, como Tony Richardson ou Lindsay Anderson.
O que " L-Shaped Room" transmite melhor é um sentimento de identidade inglesa, carinhoso mas que não evita as críticas. Ter uma heroína francesa acentua este facto, o seu status de outsider no seio da comunidade na pensão significa que estamos mais conscientes dos traços nacionais em exposição através dos personagens. Existe maldade no espírito de Doris, amargura e profunda insegurança em Toby, inveja em Johnny, e uma renúncia a circunstâncias não satisfatórias em Sónia e Mavis. No entanto, também há união, tolerância e espírito de resistência neste grupo de personagens solitárias, até ao aparecimento de Jane, a forasteira, inicialmente frágil e assustada.
Os britânicos The Smiths abrem o seu álbum de 1986, "The Queen is Dead" com um sample de uma sequência deste filme. Valeu uma nomeação ao Óscar de Melhor Actriz para Leslie Caron.
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"The L-Shaped Room" (1962) marca uma estranha posição na chamada "British New Wave". De certa forma parece um filme desta nova vaga, algures entre a inovação da Woodfall Films e o mainstream da indústria cinematográfica britânica. A franqueza com que trata o sexo, ou o simpático tratamento das mulheres desajustadas - sejam elas mães solteiras, lésbicas ou negras, com o não julgamento dos seus problemas, a fazerem parte do movimento, embora a narrativa e a realização sejam mais convencionais. Bryan Forbes, o realizador, era um nome importante na indústria britânica, como actor foi um dos pilares dos filmes de guerra e suspense da década de 50. Como realizador, com Whistle Down the Wind (1961) e depois com este filme, criou um mais romântico, e mais melancólico tipo de realismo, do que outros compadres seus, como Tony Richardson ou Lindsay Anderson.
O que " L-Shaped Room" transmite melhor é um sentimento de identidade inglesa, carinhoso mas que não evita as críticas. Ter uma heroína francesa acentua este facto, o seu status de outsider no seio da comunidade na pensão significa que estamos mais conscientes dos traços nacionais em exposição através dos personagens. Existe maldade no espírito de Doris, amargura e profunda insegurança em Toby, inveja em Johnny, e uma renúncia a circunstâncias não satisfatórias em Sónia e Mavis. No entanto, também há união, tolerância e espírito de resistência neste grupo de personagens solitárias, até ao aparecimento de Jane, a forasteira, inicialmente frágil e assustada.
Os britânicos The Smiths abrem o seu álbum de 1986, "The Queen is Dead" com um sample de uma sequência deste filme. Valeu uma nomeação ao Óscar de Melhor Actriz para Leslie Caron.
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