sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Ragnar Bragason e os filmes gémeos

Ragnar Bragason é um dos realizadores mais populares e aclamados da recente geração de realizadores islandeses.
Nascido em Reykjavik mas criado na pequena vila piscatória de Súðavik, a sua primeira experiência no mundo do cinema foi a ver filmes numa pequena sala aos sábados de manhã. Depois de dirigir um grande número de videos musicais para bandas nacionais e internacionais, fez a sua primeira longa-metragem chamada Fíaskó (Fiasco). Na sua obra Ragnar usou métodos de trabalho similares aos usados por John Cassavetes e Mike Leigh, trabalhando com actores para estes criarem personagens com argumentos improvisados.
Em 2006 e 2007 Bragason realizou uma dupla de filmes que são considerados gémeos, duas obras que exploravam os papéis dos pais e dos filhos numa  Reykjavik contemporânea. Passados nos subúrbios da capital, e filmados a preto e branco, os dois filmes tinham um realismo muito poderoso como pano de fundo.  Enquanto o primeiro se debruçava mais sobre as personagens mais humildes de Reykjavik, o segundo centrava-se na classe média. Feitos com um orçamento muito pequeno, os dois filmes devem ser vistos em conjunto, daí este post duplo. Ambos os filmes são legendados em inglês.

Children (Börn) 2006
"Children" nasceu do desejo de Ragnar Bragason fazer um filme com o mais famoso grupo de teatro da Islândia, o grupo de Vesturport, totalmente baseado na improvisação, tal como antes já o tinha feito John Cassavetes. Uma mãe solteira luta para dar educação aos seus quatro filhos. Trava uma batalha perdida com o seu ex-marido pela custódia de 3 filhas, mas não se apercebe ao que está a acontecer ao seu filho de 12 anos, Gudmund, vitima de um bullying brutal na escola, caminhando a passos largos para a destruição. O seu único amigo é um esquizofrénico de  40 anos. 

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Parents (Foreldrar) 2007
As vidas de três personagens desesperadas cruzam-se nesta pequena obra inspirada pelos métodos da improvisação. Mais uma vez em conjunto com os actores do grupo de teatro de Vesturport, Bragason baseou os seus personagens em pessoas reais. O filme é acerca de vários pais, e a questão sobre quem são os pai e quem são os filhos, relações e família. As famílias serão os parentes de sangue, ou será que isso interessa?  "Parents" é uma sequela independente de "Children".

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Noi, O Albino (Nói Albinói) 2003



Noi será o idiota da aldeia ou um génio disfarçado? Com apenas 17 anos de idade ele deriva pela vida num fiorde longínquo. No inverno o fiorde fica isolado do mundo exterior, cercado por montanhas ameaçadoras e enterrado sob um manto de neve. Noi sonha escapar desta prisão gelada com Iris, uma rapariga da cidade que trabalha no local. Mas as suas tentativas desastradas de fuga saem fora de controle, e terminam num completo falhanço. Apenas um desastre natural vai partir o universo de Noi, e abrir-lhe uma janela para um mundo melhor.
Dagur Kári  é um jovem realizador islandês (tinha apenas 30 anos nesta altura), para quem fazer filmes era apenas uma forma de expressão artística. No seu filme de estreia, leva-nos até ás paisagens cobertas de neve do extremo Noroeste da Islândia, até uma pequena comunidade onde a vida é muito lenta para todos os seus habitantes, incluindo um jovem albino de 17 anos.
Como filme, "Nói Albinói" é bastante inconsequente, uma série de eventos e anedotas passadas à volta de uma personagem bastante invulgar, mas é suficientemente estranho para se tornar num filme invulgar, e bastante interessante. O personagem principal e a localização são demasiado estranhos e desligados da realidade para que o espectador comum não se sinta ligado a eles.Mas enquanto o filme nunca liga os seus eventos particulares a uma narrativa convencional, ou a um estudo de personagem, captura um estado de espírito muito especial com um maravilhoso trabalho de câmara e uma banda sonora assombrosa, que se acumulam numa experiência invulgar. A maioria dos actores são amadores, ou trabalham em part-time, o que dá ao filme um certo charme extravagante, comparado aos filmes de Aki Kaurismäki, populados por personagens excêntricas numa comunidade onde o tempo e as experiências se movem a um ritmo e a um nível de realidade diferentes.
Passou em inúmeros festivais pelo mundo fora, tendo inclusive ganho os prémios de Melhor Actor e Melhor Realizador nos European Film Awards.

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Duas Curtas Islandesas

On Top Down Under ( On Top Down Under) 2002
Um conto erótico com uma diferença. Passado nos terrenos baldios da Islândia, e no interior da Austrália.  Um homem e uma mulher...duas pessoas separadas por milhares de quilómetros, que nunca saberão da existência do outro. Ambos procuram respostas para a sua solitária existência. O contraste das paisagens, a neve do norte da Europa e a terra vermelha empoeirada da Austrália fazem um contraste muito interessante.
Não tem o objectivo de ser um filme feliz, mas tem uma enorme beleza em cada sequência.
Sem diálogos ou comentários, salvo por versos de um soneto de John Keats, "On Top Down Under" liga os pensamentos, as emoções, o desejo sensual de jovens amantes em lados opostos do mundo. Realizado pelo nosso já conhecido Friðrik Þór Friðriksson.

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The Last Farm (Síðasti Bærinn) 2004
Curta metragem realizada por Rúnar Rúnarsson, conta-nos a história de um velho agricultor que terá de lidar com a perda da mulher. Um filme muito, muito escuro, não apenas em relação à luz, mas também em relação à iluminação. Deita um olhar sobre o que vale a nossa vida, e outro ao amor que este camponês sente pela esposa. Com muito pouco diálogo, mesmo que não queiramos ler as legendas conseguimos perceber a mensagem. Foi a segunda nomeação ao Óscar de um filme islandês (aqui, melhor curta metragem), e um início de carreira auspicioso para Rúnar Rúnarsson, de quem ainda iremos ver outro filme neste ciclo.

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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Falcons (Fálkar) 2002



Simon, um homem com um passado misterioso regressa à Islândia com a intenção de acabar a sua vida. Antes de conseguir completar a tarefa conhece uma jovem mulher chamada Dúa, que ele acredita que pode ser a sua filha. Quando ela arranja problemas com a polícia, Simon esquece o seu desejo de morrer, e decide ajudá-la. Juntos fogem para a cidade de Hamburgo, e levam com eles aquela que é a melhor exportação dos Vikings, o falcão islandês, que pretendem contrabandear...
Para quem viu "Kes", de Ken Loach, o simbolismo da ave de rapina capturada é imediatamente significativo - a representação de um espírito livre que pretende elevar-se acima da pobreza das suas circunstâncias - mas enquanto este simbolismo pode não ser original, é bem sucedido na caracterização de Dúa. Caso não a consigam identificar com a ave, Simon refere-se a Dúa como uma "ave estranha".
"Falcons" é um "road movie" minimalista desenhado num tom sedutor, mesmo quando o sentimos estranho e artificial.  Fridriksson trabalha no já reconhecido estilo islandês - luzes e cores fortes, personagens idiossincráticos, e sequências tanto com longos silêncios como diálogos desconexos.
Contracenando lado a lado estão Keith Carradine e Margrét Vilhjálmsdóttir, que já a tínhamos visto como protagonista de "O Riso da Gaivota". Estes dois personagens encontram conforto na presença um do outro. Estão ambos ligados e descobrindo verdades sobre eles próprios que ignoraram nos seus passados. Fridriksson permite que eles se desenvolvam organicamente na tela. É uma odisseia envolvente, que nos surpreende continuamente, é tão original que nunca sabemos para onde vai a seguir.  
Legendas em inglês, nas partes faladas em islandês.

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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O Mar (Hafið) 2002



Um velho patriarca, desafiando a modernização, recusa-se a vender um negócio de pesca que ele próprio fundou, e como resultado causa enormes conflitos no seio da sua família. Sendo um homem rico, junta os seus herdeiros para discutir o futuro do negócio da família. Mas ao fazer isto, desencadeia uma tempestade de abuso sexual reprimido, suspeitas persistentes, rivalidades entre irmãos, e paixões incestuosas. Vai ser uma dura batalha entre o passado e o futuro, que culmina numa noite explosiva de raiva.
Shakespeare viaja até à Islândia para visitar uma particular família odiosa. "The Sea" é muito mais uma comédia de humor negro do que uma tragédia, este segundo filme de Baltasar Kormakur (depois de "101 Reykjavík"), deita um olhar em como um homem de família consegue dividir a sua família, mesmo que cheio de boas intenções, ao querer dividir o seu império.
O implacável frio islandês estabelece o cenário para um família que está unida por laços de sangue, mas não por amor. À medida que vamos conhecendo os personagens vamo-nos deparando com grandes doses de raiva, incesto, ciúmes, e uma batalha pela modernização de um negócio de família.
A história desta família está longe de ser amável. O pai está agora casado com a irmã da sua falecida esposa. Uma história de abuso e humilhação emerge rapidamente neste clima cinzento. A desolação na aldeia é paralela ao desespero que impera no seio da família, e que explode numa raiva (literalmente) ardente.
A paisagem exótica de gelo, neve e montanhas contrasta com a vulgaridade dos personagens. O talento de Kormakur reside em criar um ambiente opressivo, sem passar por cima destes personagens. Há momentos de humor suficientes para manter o ritmo do filme, ao mesmo tempo que pulamos para aquele canto esquecido do mundo, onde se vai passar a acção.

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domingo, 25 de janeiro de 2015

O Riso da Gaivota (Mávahlátur) 2001



Interior Islandês no pós-guerra, por volta de 1950. Freyja que era uma adolescente gordinha, regressa da América, agora uma viúva com uma cintura de 20 polegadas, sete malas de vestidos, e uma lista de quem a tratou mal em adolescente. Ela vai morar com um tio e uma tia socialistas, e encontrar um novo marido não está na sua agenda. A ordem social e Freyja são mais complicadas do que parecem à primeira vista. Divisão de classes, laços de família, orgulho, o início da puberdade, são alguns dos temas que vamos lidar.
"O Riso da Gaivota" é um filme dirigido e escrito por Ágúst Guðmundsson ("The Dance"-1998), baseado num livro escrito por Kristin Marja Baldursdóttir, com o mesmo nome. Dos realizadores que veremos neste ciclo, Guðmundsson é dos poucos que já tinha carreira anterior a 1991, em especial no território da televisão, sendo ele autor da série "Áramótaskaup". O filme começa como uma típica comédia/drama, mas pelo final demonstra o seu lado mais sombrio, com a sua heroína a revelar-se uma mulher fatal, e o filme a deslocar-se para o território do "film noir". O filme pode ser visto com um complexo estudo de uma personagem, neste caso uma mulher amargurada com o passado, a preparar uma conspiração contra os homens que a fizeram sofrer no passado.
A história é nos contada pelos olhos de Agga, uma jovem menina que espia Freyja, e vai contar tudo a quem a quiser ouvir. O seu maior confidente é Magnus, um policia decente que parece estar atraído por Freyja mas nunca avança para ela. Agga diverte-o quando lhe diz que pensa que Freyja matou o seu marido na América.
Sempre enigmática, mesmo para Agga que segue todos os seus passos, Freyja revela que a sua maior esperança é encontrar um homem rico e casar com ele. Na antiga mitologia nórdica Freyja era a deusa do amor, e as acções desta personagem são reminiscentes da heroína das sagas islandesas.
Legendado em inglês.

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Angels of the Universe (Englar Alheimsins) 2000



Páll é um jovem e sensível artista. Depois de ser abandonado pela namorada, Dagny, desencadeia uma enorme descida para a loucura. Seguimo-lo na inevitável descida para a perdição: primeiro em casa com os pais, até ao momento em que não conseguem mais lidar com ele, e depois numa instituição mental.

"Sendo comummente apelidado como a versão islandesa do célebre One Flew Over the Cuckoo’s Nest, este filme de 2000 surpreendeu-me muito. Em primeiro lugar, o desempenho dos actores é digno de ser relembrado, especialmente no que concerne ao homem que interpreta o papel principal, Ingvar E. Sigurðsson. As suas expressões foram muito bem trabalhadas e construídas, assim como os maneirismos retratados, em tudo típicos de um doente esquizofrénico. O olhar deste actor, perdido no vácuo, bem como a sua expressão violenta e, por vezes, alheia à realidade, esteve sempre muito presente em todas as cenas.
O que mais me fascinou neste filme, para além da história, foi a dinâmica e o impacto espelhado nos diálogos. Inicialmente somos confrontados com uma personagem feliz, apaixonada e capaz de fazer tudo pela pessoa amada. Todas as suas palavras são poesia, os elementos da natureza utilizados como belas metáforas, possibilidades inimagináveis, a vida toda à frente do seu sorriso. Após a separação, e já no contexto da doença mental de Páll, surgem as reflexões mais profundas, acompanhadas sempre pelo cigarro (elemento, a meu ver, demasiado presente em todas as cenas. Poucos foram os momentos em que não se viu esse objecto fumegante suspenso nos dedos dos actores).
Existem pérolas magníficas, que deixam o espectador a pensar e a reflectir. Exemplo disso é o diálogo entre Páll e Óli, travado no corredor do hospital psiquiátrico:
Páll: When I was a boy, the patients went around in uniforms that looked like canvas bags.Óli: They changed that ages ago. The policy now is to make hospitals look as much like ordinary homes as possible.Páll: Why do you think that is?Óli: Because ordinary homes have become so much like hospitals.
Quanto à banda sonora (o motivo, aliás, que me fez ver este filme), é, na minha opinião, bastante boa. Quase etérea, com alguns laivos de uma loucura contida, proporciona a envolvência necessária para que o espectador viva todas as cenas da melhor forma possível. Correndo o risco de ser um pouco parcial neste aspecto, o tema final – “Bíum Bíum Bambaló” - é lindíssimo, sendo da autoria da banda Sigur Rós.
Englar Alheimsins tornou-se num filme especial para mim devido à sua capacidade de me fazer pensar e reflectir em vários assuntos, nomeadamente numa questão que há muito me fascina. Depois de o ver, penso que é inevitável que o espectador se questione acerca da dicotomia entre a realidade e o sonho, a lucidez e a loucura, a doença e a sanidade mental. Até que ponto podemos nós afirmar que a sociedade na qual estamos inseridos é uma sociedade sã, dita normal e cujos padrões devem ser seguidos? Como podemos afirmar que esta sociedade é “normal” quando vemos pessoas a roubar, maltratar e atacar pessoas? Não serão esses indivíduos ditos loucos? Como podemos afirmar que esta sociedade é normal quando assistimos a violência gratuita, ataques terroristas? Afinal de contas, o que separa estes dois conceitos tantas vezes tão próximos, sanidade e insanidade? Será que existe uma barreira que é destruída em algum momento da vida de um homem e que o faz ser um louco, um doente mental?
É pelo olhar atento e algo desiludido de um homem perdido que assistimos a todas estas questões. Porque, afinal de contas, o que é ser louco? O que é ser doido? O que são doentes mentais?
A personagem principal responde: são anjos. Anjos do Universo.
E é nessa resposta que se encontra a beleza deste filme."
Texto tirado daqui 
Legendas em inglês.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O Mundo Musical da Islândia

O dia de hoje, vai ser exclusivamente dedicado à música alternativa que se faz na Islândia. The Sugarcubes, Bjork, Sigur Rós são os primeiros nomes que vêm à memória. Mas há muito mais, como podem ver por estes três documentários.


Backyard (Backyard) 2010
Árni Rúnar decidiu improvisar e criar o seu próprio mini-festival enquanto o resto da cidade de Reykjavik celebra a anual noite da cultura. O alinhamento inclui algumas das mais excitantes bandas islandesas da actualidade: Múm, Hjaltalín, Borkó, Sing Fang Bous, Reykjavik!, Retro Stepson, e os FM Belfast. Árni Sveinsson e a sua câmara capturam a atitude "do it yourself" de Rúnar, a mesma atitude que fez da música underground ser tão bem sucedida. O festival é realizado no quintal de Árni Rúnar, e a única coisa que os pode impedir é a chuva forte. Mas o fim do verão tem muitas nuances, e o sol regressa ao recinto, que se transforma numa festa muito maior do que se esperava.

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Screaming Masterpiece (Gargandi Snilld) 2005
Documentário escrito e realizado por Ari Alexander e Ergis Magnússon sobre a cena musical islandesa, tentando explicar a razão porque este país tem uma serie de talentos tão ricos e habilidosos.
O filme em si mostra perfomances ao vivo e entrevistas a alguns dos maiores nomes musicais islandeses, incluindo Bjork, Sigur Rós, Slowblow, múm, Ghostigital, Quarashi, Singapore Sling, entre muitos outros, com o frio cenário islandês como background.
Segundo Bjork, desde que o país se tornou independente em 1944 que tentam descobrir o significado do que é ser irlandês. Screaming Masterpiece mostra um dos aspectos da cultura irlandesa em debate, a procura pela definição da identidade nacional através da expressão musical.

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Heima (Heima) 2007
No verão de 2006 os Sigur Rós regressaram a casa para tocar uma série de concertos gratuitos, sem aviso prévio para o povo Islandês. Este filme documenta essa já lendária tour, com reflexões íntimas sobre a banda, e uma mão cheia de novas perfomances acústicas. O filme é realizado pelo canadiano Dean DeBlois, que realizou também filmes de animação como "Lilo & Stich" ou "How to Train Your Dragon". 


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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

101 Reykjavík (101 Reykjavík) 2000



Hlynur (Hilmir Snaer Gudnason) é o slacker para acabar com todos os slackers. 30 anos de idade, ainda a viver com a mãe, desempregado, o nosso anti-herói está prestes a mudar a sua vida com a chegada de uma bela professora de flamenco (Victoria Abril), que se vem a descobrir que é lésbica.
Embora a natureza da vida islandesa desempenhe um papel importante na estreia como realizador de Baltasar Kormakur (vimo-lo como protagonista de "A Ilha do Diabo"), esta é uma história que poderia ocorrer em qualquer país do mundo livre. Os filmes de slackers americanos são as primeiras influências que nós vêm à idéia, e de facto "101 Reykjavik" vai ali buscar muito conteúdo.
Não há romance, apesar de ser um filme sobre as relações entre homem e mulher, e o protagonista não é uma pessoa particularmente simpática. Existem motivações secundárias neste filme, que sugerem outros motivos ainda mais escuros: como numa sequência em que um jovem Hlynur fecha a porta a um pai bêbado, e sobe para cima da cama da mãe, que lhe vira as costas.
"101 Reykjavik" apresenta um retrato realista do que é a vida noutros sitios. Pelo menos duas coisas fazem valer a pena este filme: a cena de abertura, e a banda sonora. Esta tem a espectacular colaboração do ícone da música punk Einar Orn, membro dos The Sugarcubes, onde também pertenceu Bjork, e ainda do músico dos Blur, Damon Albarn. Mas toda a banda sonora vale a pena.
Foi dos filmes islandeses a conseguir mais sucesso, na virada do século. Passou em vários festivais, como Bogota, Buenos Aires, Chicago, Locarno, Tbilissi, entre outros.

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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A Ilha do Diabo (Djöflaeyjan) 1996



"Djoflaeyjan" acontece em Reykjavik, nos anos que sucedem a Segunda Guerra Mundial. O exército de ocupação britânico e americano deixou os seus bunkers para trás, que se tornam a casa de centenas de pessoas da classe mais baixa, que se encontravam sem casa durante este período. O filme conta-nos a história da luta, e da vida durante aqueles tempos, de um grupo de pessoas.
Desde 1996 que Fredrik Thor Fridriksson tinha deixado de ser o segredo mais bem guardado da Islândia. "Cold Fever" tinha já incluído alguns diálogos em inglês, um elenco internacional, que incluía a então raínha do cinema independente Lili Taylor, cenários espectaculares, e uma mistura eficiente de comédia e drama, para mostrar ao mundo que a Islândia, apesar de ser dito que tinha mais ovelhas do que pessoas, também tinha indústria de cinema. "A Ilha do Diabo" era uma viagem no tempo até à terra natal do realizador.
"A Ilha do Diabo" enfatiza um dos recorrentes temas abordados por este realizador: a forte influência da cultura americana na sociedade islandesa. Através de uma viagem ao passado, Fridriksson mostra-nos que as coisas não eram muito diferentes no pós-guerra, quando os americanos tinham abandonado a base militar em Camp Thule.
Ao longo da sua carreira, Fridriksson nunca foi crítico sobre a americanização do seu país, embora se possa ver este "A Ilha do Diabo" como uma reversão na tendência do realizador, porque pode-se ver mais pontos negativos do que positivos. O filme também reflecte as experiências do realizador na juventude, já que ele nasceu em 1953, mesmo na altura em que a acção se passa.
O tom escuro do filme está espalhado por todo o lado, alternando entre a comédia negra e o drama sombrio, e poderia ser aborrecido se Fridriksson não fosse tão habilidoso. O melhor de tudo é que ele consegue manter o filme relativamente imprevisível, e consegue fazê-lo não centrando o filme numa só personagem. Mantém a acção voltada para a família, para o meio ambiente, e as condições nas quais eles vivem. Fica claro que a melhor forma de sobreviver é manterem-se unidos.
Legendado em inglês, é um filme bastante raro.

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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Cold Fever (Á Köldum Klaka) 1995



"Cold Fever" conta-nos a história da viagem espiritual de um jovem japonês de negócios natural de Tóquio, Atsushi Hirati, que desiste de umas férias memoráveis no Hawai para prestar tributo aos seus falecidos pais, que faleceram num rio isolado na Islândia, anos atrás. De acordo com os costumes japoneses os seus espíritos devem ser reconfortados e alimentados para que possam viver em paz.
A resistência e a paciência de Hirati são postas à prova numa difícil viagem por toda a ilha, num velho Citroen. Ao longo do caminho ele encontra uma mulher obcecada por funerais, um casal de perigosos americanos, uma menina espírita cujos gritos devastam icebergs. Hirati vai também encontrar um homem que tem o que ele precisa para cumprir as obrigações familiares.
No final não é a meditação sobre o tempo e a morte que nos ficam na mente, mas sim o seu aspecto de "diário de viagem". A neve está em todo lado, e em todas as suas variações. Durante o dia são quilómetros de quietude, nada mais do que o branco congelado. Mas, à luz da lua tudo muda de côr.
Escrito e realizado por Fridrik Thor Fridriksson, "Cold Fever" é um filme fascinante, especialmente para quem quiser conhecer as belezas paisagísticas da Islândia. Lembra-nos que as experiências mais gratificantes da vida muitas vezes não são planeadas, e podem ter pouco a ver com o lazer. Tal como diz o protagonista no final: "Sometimes a journey can take you to a place that's not on any map."
Lili Taylor e Fisher Stevens aparecem creditados no filme em segundo e terceiro lugar, mas na realidade têm apenas pequenos papéis.
Ganhou o prémio principal no Festróia de 1996.

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domingo, 18 de janeiro de 2015

God Bless Iceland (Guð Blessi Ísland) 2009



A crise financeira poucas vezes atingiu o núcleo de um país tão gravemente como aconteceu com a pequena Islândia: um país que nos últimos anos vinha a ser uma das nações mais prósperas no mundo, e de repente torna-se uma metáfora para a crise global e uma prova para a incontrolabilidadeda fúria capitalista.
Nos últimos meses era mostrado ao mundo uma série de quadros dramáticos: manifestantes indignados no centro de Reykjavik, exigindo a demissão de dirigentes de bancos e do governo, assim como eleições antecipadas para Maio de 2009.
Este documentário conta a história da crise financeira na Islândia, mergulhando nos confrontos diários e muito reais da calamidade, que prejudicou não só a economia da Islândia como a identidade desta pequena nação.
Helgi Felixson, o realizador, filma os protestos e as respostas que o povo ía dando ao facto do país viver num estado de bancarrota, e filma também os grandes tubarões da sociedade.
É um documentário muito raro, que muitos políticos preferem que não seja visto. 

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sábado, 17 de janeiro de 2015

Filhos da Natureza (Börn Náttúrunnar) 1991



Thorgeir (Gísli Halldórsson) é um velho camponês que vende as suas ovelhas e a terra para se mudar para o apartamento da filha, em Reykjavik, onde ela vive com a restante família. As coisas não correm conforme o planeado, e Thorgeir vê-se obrigado a ir viver para um lar. Lá ele encontra uma paixão de infância, Stella (Sigridur Hagalín), que depois de se queixar o quão mal ela se sente naquela casa de repouso, decidem os dois fugir para a terra natal, onde pretendem viver o resto dos seus dias.
Quando o casal deixa o congestionamento da cidade e entra na deslumbrante beleza do interior da Islândia, com os seus fiordes, a paisagem inóspita que eles atravessam torna-se irresistível, e o filme passa a mover-se no território da fábula. Na sua simplicidade, o filme diz de uma forma alegre que o casal precisa de viver os seus últimos dias em liberdade, e não dependente dos outros. É um filme de uma beleza sublime, chamando a atenção pela forma como o mundo moderno perdeu algo tão importante como a sensação para a natureza.
Realizador e argumentista, Fridrik Thór Fridriksson estava aqui em quase estreia cinematográfica, e contava com um belíssimo trabalho atrás das câmeras de Ari Kristinsson. Nascido na Islândia em 1954, Fridrik Thór Fridriksson começou a sua carreira nos anos 80, na área documental, tendo feito também dois filmes para a TV. "Children of Nature" era a sua segunda longa-metragem, depois de White Whales (1987). Fridriksson usa um ritmo lento, estilo minimalista, que é o ideal para o assunto que é aqui abordado.
Foi o primeiro filme da Islândia a receber real reconhecimento internacionalmente, ao conseguir a primeira nomeação para um Óscar para aquele país. A concorrência nesse ano era forte, e contava com filmes de Zhang Yimou, Jan Sverák, ou do famoso director de fotografia Sven Nykvist, mas acabaria por ir parar às mãos do italiano Gabriele Salvatores. Mesmo assim colocou a filmografia da Islândia no mapa, ela que era quase invisível aos olhos internacionais. Nos anos seguintes muitos filmes saíram para fora do país, e conseguiram sucesso além fronteiras, como iremos ver neste ciclo.
No Brasil estreou no festival do Rio em 1991, e em Portugal foi exibido no Féstroia de 1992. Também ganhou o prémio de melhor compositor nos European Film Awards.

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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Cinema Islandês Contemporâneo

A história do cinema na Islândia, vai até ao inicio do século XX, mais propriamente a 1903, quando um filme foi mostrado pela primeira vez. A partir do ano seguinte, começaram a ser exibidas sessões regulares.  O mais antigo filme preservado na Islândia é de 1906, um documentário de 3 minutos realizado por Dane Alfred Lind. Em 1919 Gunnar Sommerfeldt realizou uma adaptação do autor islandês Gunnar Gunnarsson, de  "The Story of the Borg Family" que é considerada a primeira longa-metragem a ser realizada na Islândia.
Foram muito poucos os filmes islandeses realizados no período do cinema mudo, e eram basicamente documentários. O primeiro filme falado apenas surgiu em 1948, chamado "Milli fjalls og fjöru", (Between Mountain and Shore").
Até 1979 não houve muita regularidade no cinema da Islândia. Alguns filmes dignos de nota foram "Girl Gogo" de Erik Balling, ou "Murder Story", de Reynir Oddsson, um thriller Chabrolesco.
1979 marcaria o inicio da produção regular de filmes, o mesmo ano em que o Iceland Film Fund, agora chamado de Iceland Film Centre, começou a operar e a financiar o cinema naquele país. Desde então grande parte dos fundos do cinema islandês vem do exterior, uma vez que a Islândia é um país muito atractivo tanto a nível paisagístico como a nível de cultura. A Alemanha torna-se o principal aliado exteriormente, e as co-produções com dinheiro de fora tornam-se cada vez mais frequentes neste país. A maior parte dos filmes islandeses lidavam com histórias contemporâneas, com muito pouco sentido político. Na maior parte das vezes havia muitos contrastes entre a vida urbana e o modo de vida rural, mas mais recentemente a ênfase mudou para o modo de vida urbano.
Nos anos anos 80, os únicos filmes islandeses a saírem para fora do país foram os filmes de vikings de Hrafn Gunnlaugsson, que gozaram de algum sucesso exteriormente.
Mas chegamos ao ano Zero. Ano zero do cinema islandês, e ano zero aqui do nosso ciclo. "Children of Nature" (Börn Náttúrunnar), realizado por Friðrik Þór Friðriksson, conseguiu uma nomeação para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1992. Acabou por perder o prémio para "Mediterrâneo" de Gabriele Salvatores, mas chamou a atenção tanto para o nome do realizador, como para a cinematografia do país.
A partir daqui, um número muito maior de filmes islandeses começaram a chegar a audiências internacionais, e a participar em festivais de cinema. Aqui em Portugal os filmes islandeses fazem parte, todos os anos, da programação do Festroia, tendo inclusivé ganho este festival duas vezes. Aliás, a Islândia é um dos países mais vezes vencedor do Festroia.  Desde então o cinema islandês pode ser definido pela diversidade, sobretudo pelo contraste entre a Islândia tradicional e moderna, entre o passado e o presente.
Este ciclo, que irá ter a duração de três semanas, e perto de 30 filmes, vai pegar a filmografia da Islândia em 1991, altura em que foi produzido "Children of Nature", e vai vai acompanhá-la até aos dias de hoje. Como devem calcular, alguns destes filmes são bastante raros, e só os consegui com legendas em inglês, mas mesmo assim temos um número considerável de filmes legendados em português.
Um bom ciclo para todos, e até já.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Contra Todos os Riscos (Classe Tous Risques) 1960



Um criminoso refugiado tenta voltar clandestinamente para a França, acompanhado da família e do seu parceiro. Nesse percurso as coisas saem para fora de controle e ele vê que os seus amigos não são tão amigos como pensava, tendo de contar apenas com a lealdade de um estranho.
Baseado num romance de José Giovanni, escrito pouco tempo depois do autor saír da cadeia, "Classe tous risques" tem um início dinâmico, com a fuga de Davos (Lino Ventura) de Milão com uma terrífica sequência de acção, utilizando vários meios de transporte para culminar no desembarque na costa francesa na calada da noite. Mas quando o pior acontece, Davos descobre que se deve voltar para os seus antigos parceiros no crime.  Os seus "amigos" de Paris agora vivem uma vida bastante respeitável, seguros apenas porque ele ficou com as culpas, que terminaram no seu exílio. Mas agora, anos depois, eles estão com reservas em pagar as suas dívidas, e em vez de o fazerem pessoalmente, mandam um homem de confiança (interpretado por um terrífico Jean-Paul Belmondo), para pegar Davos no sul de França, e trazê-lo de volta a Paris.
"Classe Tous Risques" é um filme tenso, um original filme de gangsters contado com simplicidade e um franqueza convincente, exposto com um toque de neorelismo. Mas também há questões mais profundas em jogo, com Sautet a explorar os conflitos entre lealdade e família, e o código de honra entre os ladrões. O resultado é um tour de force, completado por uma banda sonora de Georges Delerue, e uma bela fotografia de Ghislain Cloquet.
Sendo um dos primeiros filmes do francês Claude Sautet, que se tornaria num realizador respeitado, acabaria por despercebido, eclipsado pelo outro filme de Belmondo que estreava no mesmo ano "À Bout de Souffle". O facto da Nouvelle Vague estar a florescer neste momento também não ajudou muito, nem este nem outros noirs ou policiers que se faziam na altura. Ainda assim é um filme que vale a pena recordar.

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A Verdade (La Vérité) 1960



Dominique Marceau (Brigitte Bardot) vai a tribunal por causa do assassinato do seu amante Gilbert Tellier (Sami Frey). À medida que o julgamento se vai desenrolando vamos ficando a conhecer os eventos do passado que levaram à actual situação. Ficamos a conhecer a sua vida com os pais e a irmã Annie, que era noiva de Gilbert. Dominique seduz Gilbert para se divertir, como uma mulher livre, e sem trabalho, envolvendo-se com vários homens. Depois vemos a sua tentativa de se suicidar depois de Gilbert a deixar, e voltar para Annie. O seu advogado é capaz de tudo para tentar salvá-la, mas mas regras da sociedade estão contra ela, e nem a inocência parece ser suficiente para a salvar.
Com "La Vérité" Clouzot fez o seu ataque mais virulento a uma sociedade que estava a ser prejudicada com a falsa moralidade da burguesia, e incapaz de se adaptar aos novos tempos. Já com um anterior filme anti-burguesia, "Le Corbeau" (1943), Clouzot tinha sido censurado no Vaticano, mas toda a hostilidade aberta contra si durante anos não foi suficiente para saciar o seu ódio e o seu desprezo contra esta classe social. Em "La Vérité", um dos mais perfeitos e absorventes filmes de Henri-Georges Clouzot, não é o crime que está a julgamento mas toda uma geração, que são julgados pelos mais velhos por serem egoístas, preguiçosos e imorais. A verdade sobre a culpa ou a inocência é irrelevante. No fim sabemos que a teimosia e um coração de pedra vão decidir o veredicto.
A estrutura do filme, um drama de tribunal em que os eventos do passado são contados em flashback, enfatizando o conflito entre duas gerações que parecem nada ter em comum. Os que vemos no tribunal são manifestadamente mais tradicionalistas, de direita, os que vemos nos flashbacks são os jovens da actualidade, que vivem para o momento, e não têm intenção nenhuma de deixar os valores da classe média antiquada estragar a sua felicidade. São dois mundos completamente diferentes, divididos por diferentes valores morais, e Clouzot dá-nos um vislumbre do que irá acontecer no decorrer da década de 60, e que irá culminar nos acontecimentos de Maio de 68.
Por esta altura Brigitte Bardot era mais conhecida por aparecer em comédias leves, e ela seria uma das últimas pessoas esperadas num filme de Clouzot, mas foram poucos os realizadores que foram capazes de tirar proveito da actriz, porque todos queriam aproveitar o seu sexy appeal, mas Clouzot esteve muito bem, sendo dos melhores que soube trabalhar a actriz.
Este filme foi nomeado para o Óscar de Melhor Filme em língua estrangeira, e ganhou um Globo de Ouro na mesma categoria.

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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

À Luz do Sol (Pleine Soleil) 1960



O amoral Tom Ripley (Alain Delon) aceita de um rico industrial a missão de trazer de volta para casa o seu filho Philippe (Maurice Ronet), que vive com a namorada Marge (Marie Laforêt), na paradisíaca Riviera Italiana. Frio e calculista, Ripley aproxima-se de Philippe, tornando-se no seu melhor amigo. É o início de um plano diabólico.
 Patricia Highsmith teve sorte. O seu primeiro livro foi transformado num filme de sucesso realizado por Alfred Hitchcock. Os críticos franceses, que adoravam Hitchcock muito mais do o público adorava naquela época, começaram a procurar por mais obras desta escritora. Foi então que surgiu este filme de René Clemént, nove anos depois de "Strangers on a Train". Baseado no livro de Highsmith chamado "The Talented Mr. Ripley", "Plein soleil" concentrava-se num belo e carismático, mas completamente amoral jovem chamado Ripley (interpretado brilhantemente por Alain Delon), que se prepara para matar o seu amigo e assumir a sua identidade.
O neo-realismo crú que se fazia sentir nos primeiros filmes de Clément (La Bataille du rail (1946), Le Père tranquille (1946), Au-delà des grilles (1949)), podia se sentir aqui, mas era mais evidente no estilo de documental que atravessa o filme, quando seguimos o principal protagonista que vai precorrendo os exteriores italianos. A câmera cola-se a Delon como um admirador dedicado, mas um pouco nervoso, determinada, mas a falhar constantemente de alcançar a aura mística que ele projeta tão facilmente, seja para salvaguardar a sua própria privacidade, ou para esconder segredos obscuros sobre esta personagem.
Foi o filme que fez de Deloin uma estrela mundial, e também o que definiu a sua personagem tipo para o resto da sua carreira, embora o seu papel em Le Samurai" seja mais forte. Estreou apenas uma semana depois do filme de Godard "À bout de souffle", tendo inclusivé muitas semelhanças com este. Contudo, dada a sua atmosfera negra, aproxima-se muito mais do género noir americano, do que do movimento da Nouvelle Vague francesa. Maurice Ronet, um dos protagonistas, ficaria muito ligado à Nouvelle Vague nos anos seguintes, assim como o director de fotografia Henri Decae. Contudo, o caminho seguido por Clément seria o oposto.

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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Anjo Preverso (Manon) 1949



Uma adaptação da clássica obra de Abbe Prevost, chamada  "Manon Lescaut", transportada para o pós guerra Francês da segunda guerra mundial, na qual um ex-activista da resistência francesa resgata Manon dos camponeses por a quererem linchar por colaborar com os Nazis. Os dois mudam-se para Paris, mas a sua relação fica tensa depois de se envolverem em especulações, prostituição e assassinatos.
Talvez a coisa que melhor caracteriza o cinema de Henri-Georges Clouzot seja uma preocupação mórbida com a susceptibilidade da natureza humana. Isto é mais aparente nos primeiros filmes de Clouzot, "L'Assassin Habite au 21" (1942), e "Le Corbeau" (1943), onde é mais subtilmente sentido que nos filmes do pós- Segunda Guerra Mundial. A infâmia e a injustiça de ser expulso depois de fazer filmes como "Le Corbeau", foi considerada imoral e ofensiva para o realizador, influenciando a sua escolha do assunto e do estilo nos filmes posteriores. E isso não podia ter sido mais flagrante do que aqui, na adaptação da história de Manon Lescaut, inspirada no livro de Prevost.
Sem grande esforço transportado para os anos que se seguiram à Libertação da França, "Manon" não só é uma poderosa história de amor, como também era um dos mais fortes e chocantes indicadores de como era a vida depois da Segunda grande guerra, depois da ocupação Nazi. Enquanto que a maioria dos realizadores daquele período tentavam apenas entreter, com melodramas escapistas ou comédias ligeiras, Clouzot era o único a remar contra a maré, tentando abrir os olhos às pessoas para a decadência que estava lentamente a cair sobre o país. A França que era retratada em "Manon" não era a França prometida pelo General de Gaule, uma terra orgulhosa renascida das cinzas, mas sim uma França suja, habitada por novos ricos que se tinham enchido de dinheiro graças ao mercado negro e à exploração do negócio da prostituição. O filme provocou assim grande controvérsia, tanto por causa da sexualidade evidente como por mostrar o que era realmente o país nos dias correntes, com conseguiu grande aclamação internacional, tendo ganho o Leão de Ouro no Festival de Veneza.
Hoje em dia é menos conhecido do que outros grandes filmes de Clouzot, mas merece ser considerado uma das suas melhores obras, não só pela sua representação muito real do que era a França da altura, mas também pela sua humanidade, inteligência e brilhantismo artístico. 

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domingo, 11 de janeiro de 2015

Os Malditos (Les Maudits) 1947



Final da Segunda Guerra Mundial, no ano de 1945, um médico francês é raptado por um grupo de Nazis, e levado para bordo de um submarino. Os alemães pretendem fugir da captura dos Aliados, traçando uma rota para a América do Sul.  O médico encontra-se na companhia de vários fugitivos desagradáveis, incluindo um chefe da Gestapo, um general alemão, um industrial italiano, e um jornalista francês que colaborou com os Nazis. Quando notícias do armistício são recebidas dá-se um motim a bordo do submarino...
Há uma certa perca de pungência em "Les Maudits", filme de René Clément, conhecido nos Estados Unidos como "The Damned". Este filme sobre um grupo de Nazis e relutantes passageiros franceses a fugirem num submarino, foi filmado apenas dois anos após o final da guerra.
Esta pungência não pode ser transmitida para as audiências modernas, cujas ideias do pós-guerra em França giram em torno de uma guerra completamente diferente, e de um país completamente novo. Isto foi imediatamente notado assim que o imediatismo da influência Nazi e controlo sobre a França foram perdidos sobre Clément e o seu argumentista Jacques Rémy, portanto nenhum cenário era demonstrativo dos eventos que estavam por vir. Clément e Rémy confiavam nas recordações da sua audiência de um passado recente.
Este filme, a preto e branco, estava bem longe de ser apenas o preto e o branco, e enquanto os Nazis são obviamente os vilões, esta estranha combinação de "filme de submarino" com "film noir", desprende-se dos padrões normais de herói e vilão e explora cada personagem (quase à vez) como uma personagem completa. O ostensivo personagem principal de Henri Vidal narra o filme (com moderação) e providencia o fundo de cada personagem assim como o seu próprio estado de inconsciência nesta viagem para a América do Sul. Personagens como a Ingrid Ericksen de Anne Campion, a gentil filha de um oficial Nazi, como oposição à crença do pai, e o Willy Morus de Michel Auclair, um jovem soldado que preferia não o ser, turvam as águas entre o campo do bem e do mal.
Ganhou um prémio no festival de Cannes de 1947, o "Prix du meilleur film d'aventures et policier". O festival estava então na sua terceira edição.

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sábado, 10 de janeiro de 2015

O Buraco (Le Trou) 1960



Duas horas e picos de filme-prisão. Tal como Rififi, de Jules Dassin, utiliza longos shots, com poucos diálogos, para dramatizar a simples história da tentativa de fuga de um grupo de prisioneiros, de uma prisão. "Le Trou" é filmado a preto e branco, e não tem qualquer banda-sonora, até ao fim.
O filme começa com um dos fugitivos, agora fora dos muros da prisão de Santé, introduzindo a história. Mas logo voltamos para a prisão de Paris em 1947. Somos então apresentados a um jovem chamado Claude Gaspard. Ele é colocado numa cela muito pequena, com quatro outros prisioneiros. Lá conhece o encantador e sempre sorrindente Volsselin, apelidado de Monsenhor. Também habita a cela o preso Roland Darbant, o homem que nos introduz o filme, e ainda Geo Cassid e Manu Borelli. Estes homens trabalham nas suas celas a montar caixas de papelão. Gaspard vai-se apercebendo que os homens são todos amigos intímos, o que não percebe é que os quatro homens estão a trabalhar numa fuga.
 O filme não utiliza os habituais clichés do filme de prisão. Não há guardas prisionais sádicos e todos os prisioneiros parecem tipos regulares. O realizador Jacques Becker, que morreu logo depois do filme ter sido concluído, usou actores não profissionais, para dar um maior realismo ao filme. A história é vagamente baseada na experiência de José Giovanni (o argumentista desta obra), que se tinha envolvido numa real tentativa de fuga da prisão de Santé. Um dos companheiros de cela envolvidos na fuga, na vida real, Jean Keraudy, tem o papel principal neste filme, o tal narrador.
Becker estava doente durante a produção e a montagem e morreu quando a mistura de som ainda estava inacabada. Le Trou foi concluído de acordo com os desejos do cineasta, mas após a sua estreia inicial numa versão de 140 minutos, o produtor Serge Silberman reduziu-a em 24 minutos para aumentar as suas possibilidades de êxito. Na altura da sua estreia foi saudado (principalmente pelos futuros realizadores da Nouvelle Vague, como François Truffaut ou Godard) como uma obra-prima. Hoje, continua a ser um filme atraente, soberbamente dirigido e fotografado com uma notável atenção aos detalhes. E por isso, possivelmente o maior de todos os filmes-prisão.

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sábado, 3 de janeiro de 2015

Film Noir Francês


No passado mês de Novembro o Roxie Theater, em São Francisco, realizou um festival de filmes que pouca gente tinha ouvido falar. O tema era o film noir francês, e o festival era chamado de "The French Had a Name For It: French Film Noir 1946-1964".
O termo original de "film noir" vinha dos críticos franceses, que em 1946 designaram um determinado tipo de thriller americano. Depois da libertação da França, em 1944, esta viu o levantamento da proibição da exibição de filmes americanos, imposta pelos ocupantes alemães. Os cinemas franceses viram-se, de repente inundados por filmes americanos, em especial por um determinado tipo de filmes.
Por analogia com o rótulo dado pelos franceses para rotular filmes de detectives de novelas - roman noir - o termo "film noir" foi escolhido para definir essa nova forma de fazer cinema. O filme noir, é predominantemente de série b, e é referido como um sub-género do filme policial ou filme de gangsters, embora, como estilo, também possa ser encontrado noutros géneros, como o melodrama ou o western. Por isso mesmo os críticos franceses viram o filme noir como um movimento, e não um género. Estes críticos apontaram para o facto de estes filmes, tal como muitos outros movimentos, surgirem de um clima de instabilidade política: 1941-58 - o período da Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria. Nos Estados Unidos vivia-se um período de repressão, insegurança e paranóia, o Sonho Americano estava feito em frangalhos e a identidade americana estava sob forte tensão.
Todo este clima influenciou o cinema americano da altura, e indirectamente influenciou o cinema do resto do mundo. Por um lado, estes filmes americanos começavam a chegar à Europa, e por outro o clima de instabilidade também estava instalado nos países europeus (em especial em Inglaterra e França, dois intervenientes directos na Segunda Guerra Mundial).
O cinema francês, era assim influenciado directamente pelo "film noir", e durante um certo período este movimento também foi predominante em França, em especial nos anos 50, altura em que vários realizadores como Melville, Clouzot, Decoin, Clement, Carné, Becker, Verneuil, Duvivier, ou mesmo Robert Hossein, se destacaram.
Esta semana vou fazer o mesmo que o Roxie Theater em Novembro, mas numa versão MT2M, e escolhi uma série de filmes noir franceses pouco conhecidos. O alinhamento final, com destaque para Clement e Clouzot, vai ser o seguinte:

Segunda: Les Maudits (1947), de René Clement

Terça: Manon (1949), de Henri-Georges Clouzot

Quarta: Plein Soleil (1947), de René Clement

Quinta: La Vérité (1960), de Henri-Georges Clouzot

Sexta: Classe Tous Risques (1960), de Claude Sautet

Actualização: Um caso de força maior vai impedir-me de fazer postagens esta semana, por isso este ciclo passa para a semana de 12 a 16 de Janeiro.  Obrigado.

Uma Noite em Casablanca (A Night in Casablanca) 1946



Na Casablanca do pós-guerra, Kronblow (Groucho) é contratado para gerir um hotel cujos gestores anteriores foram todos assassinados. O soldado francês Pierre desconfia do envolvimento de antigos Nazis, mais especificamente o Conde Pfefferman, que na verdade é o famoso Heinrich Stubel. Mas o próprio Pierre é acusado de colaborar com o inimigo, e vai tentar limpar o seu nome com a ajuda da namorada, Annette e de Corbaccio (Chico). Pelo meio há ainda um tesouro escondido.
O primeiro filme dos irmãos Marx desde o seu retiro, em 1941, é um dos seus trabalhos mais fracos, sobrecarregado com história a mais, e piadas a menos, mas ainda assim ainda tem um pouco da rotina splastick que caracterizava o trabalho desta equipa, e algumas boas piadas pelo meio - especialmente uma em que os irmãos atrasam o espião Nazi Sig Ruman de voar de Casablanca com os despojos da guerra.Os irmãos regressavam de um retiro de cinco anos depois de uns desentendimentos com a MGM, com o objectivo de ajudar Chico por causa das suas dívidas de jogo. Produziam de forma independente o seu penúltimo filme, recebendo assim uma percentagem bastante saudável dos lucros. Archie Mayo dirige o filme com segurança, mantendo-se fora do caminho dos irmãos Marx. O título do filme tentava tirar proveito do sucesso do filme "Casablanca", lançado poucos anos antes, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, e ao mesmo tempo tentava satirizar os filmes de espionagem nazis.
Frank Tashlin, que mais tarde viria a ser um realizador famoso, especialmente com alguns filmes de Jerry Lewis, não recebeu créditos neste filme, mas concebeu os gags visuais de Harpo, principalmente um muito engraçado, de abertura. Úma nota também para a canção  "Who's Sorry Now?" cantada aqui por Verea, que mais tarde seria um single de sucesso de Connie Francis.

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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Os Marx no Far West (Go West) 1940


Depois de roubarem 70 dólares de S. Quentin Quayle (Groucho), Joe Panello (Chico) e o irmão Rusty (Harpo) vão para o Oeste. Lá fazem-se amigos de um velho prospector que coloca a escritura da sua terra como garantia para um empréstimo de 10 dólares de Joe. Mal eles sabem que  Red Baxter (Robert Barrat) e John Beecher andam a cozinhas um esquema para usurpar a terra para eles próprios. Vai ser com os irmãos Panello e Quayle recuperarem a escritura e venderem ao velho prospector.
"Go West" era mais um filme da MGM. Bem longe do sucesso dos dois primeiros filmes dos Marx para esta produtora, era mesmo assim bastante superior a outras obras como "At the Circus" ou "The Big Store". Embora os créditos de argumentista tenham sido dados apenas a Irving Brucher, é dito que o argumento foi co-escrito por Buster Keaton. Nesta altura da sua carreira Keaton escrevia principalmente gags cómicos para talentos superiores da MGM. Alguns desses gags contam-se entre os melhores dos irmãos Marx. A gigante perseguição final de comboio, é uma espécie de descendente do triunfante filme de Keaton de 1927, "The General". O filme é muito bem executado, com Groucho e Harpo a aparecerem numa forma que já não era vista há muito tempo.
Como um filme standard para o talento dos irmãos, é muito competente. Por esta altura já toda a gente sabia o que esperar de um filme dos irmãos Marx, e o género western ainda não tinha sido explorado, então esta era a altura ideal, até porque a equipa estava a perder prestígio.
O resultado final seria melhor do que o esperado. Embora uma produção menor na carreira dos irmãos, ainda contém a loucura "vintage" dos melhores filmes dos Marx. Também realizado por Edward Buzzell.

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Um Dia no Circo (At the Circus) 1939


Jeff Wilson, o dono de um pequeno circo, deve ao seu colega Carter 10 mil dólares. Antes que Jeff possa pagar, Carter manda os seus cúmplices roubarem o dinheiro, para assim tomar posse do circo. Antonio Pirelli e Punchy (Chico e Harpo), trabalham no circo tal como o advogado Loophole (Groucho), tentam descobrir os criminosos e recuperar o dinheiro.
Depois de "Um dia nas Corridas", "Room Service" tinha sido feito na RKO, na condição de empréstimo. Quando os irmãos voltaram para a MGM a ausência de Thalberg era muito sentida, e sentiram isso na preparação para o filme seguinte "At the Circus". O novo líder do estúdio, Louis B. Meyer, não se preocupava muito com os irmãos, e escolheu uma equipa secundária para a produção deste filme. Incluindo um tal de Edward Buzzell na realização, que tinha no seu historial apenas comédias de segundo plano. Por mais que tentassem os irmãos não conseguiam convencer Meyer a usar todo o seu potencial, apesar dos dois filmes anteriores para a MGM terem tido um lucro razoável. O resultado seria que "At the Circus" é um dos filmes mais tensos e menos engraçados desta equipa.
Não existe um grande motor para a comédia, e Kenny Baker é um protagonista romântico um pouco irritante, e os momentos musicais também não foram muito famosos, além de aparecerem em excesso. A entrada de Margaret Dumont no último terço do filme traz um pouco de sumo para a acção, e salta o filme. Há um par de gags no final do filme, entre Groucho e Dumont que são geniais. Longe da grande forma de filmes anteriores, é um filme que acaba por cumprir.

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