segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Barry Lyndon (Barry Lyndon) 1975

Redmod Barry é um jovem de uma família sem fortuna na Irlanda do Sec. XVIII. A sua primeira paixão é Nora, a sua prima. Mas Nora tem outros planos. Prefere o capitão Quinn, um oficial inglês de boa situação financeira. Um melhor partido do que o rapazola Redmond. Mas Redmond não se resigna. Imaturo e precipitado, desafia e vence Quinn num duelo de pistola. Com o casamento desfeito, e com o ónus de ter morto um homem, a família de Nora persuade Redmond a fugir da aldeia onde vive. Começa aqui um caminho errante, uma sucessão de fugas para a frente, de mentiras e enganos, em que o jovem Redmond vai perdendo a inocência e se tornará num arrivista, um homem que quer a todo o custo subir na escala social, e que mais tarde se tornará Barry Lyndon, fruto do seu casamento com Lady Lyndon.
Stanley Kubrick tinha uma solidíssima reputação quando começou a trabalhar em “Barry Lyndon” . Tinha atrás de si dois grandes clássicos, “2001 - Odisseia no Espaço” e “Laranja Mecânica”, precedidos de excelentes filmes como “Lolita” ou “Dr. Estranhoamor”. Havia, no entanto, uma grande lacuna: Napoleão. Logo após “2001”, ainda em 1968, Kubrick tinha um guião para um filme sobre Napoleão para propôr à MGM. Mas a MGM estava reticente com os custos desse eventual filme, e retirou o seu apoio. Kubrick aplicou todo o seu saber para que Barry Lyndon fosse, em parte, o filme de época que Napoleão não foi.
Barry Lyndon é uma adaptação de um romance de William Makepace Thackeray, “The Luck of Barry Lyndon”. Kubrick estudou cuidadosamente as pinturas de artistas ingleses do Sec. XVIII do tempo do Rei Jorge III. Queria replicar no cinema a atmosfera, a luz dos quadros no período anterior à luz eléctrica. Num tempo em que durante o dia única fonte de luz é a que entra pelas janelas, e durante a noite é a das velas durante a noite, Kubrick filmou assim. Com luz que entrar pelas janelas, e com os famosos planos à luz das velas. É bem conhecido como Kubrick conseguiu filmar à luz de velas: Teve acesso a lentes Carl Zeiss de grande abertura inicialmente desenvolvidas para a NASA e conseguiu adaptá-las às câmaras de cinema.
 O trabalho em conjunto com o director de fotografia John Alcott, que já trabalhara com Kubrick em “Laranja Mecânica” e voltaria a trabalhar em “The Shinning” é absolutamente brilhante e em grande medida insuperado. Cada plano é um quadro, uma pintura. Durante o dia a luz entra pelas janelas com a suavidade difusa que Kubrick vira nas pinturas com que se inspirou. À noite, as velas, e só as velas, iluminam rostos e feições.
O guarda-roupa, de Ulla-Britt Söderlund e Milena Canonero é também ele brilhante. Um guarda-roupa que atravessa todas as classes sociais ao longo do percurso arrivista de Barry Lyndon, as roupas modestas dos camponeses, as fardas militares, os luxuosos vestidos das senhoras da alta sociedade. 
Os cenários, de Ken Adam, com quem já trabalhara em Dr. Estranhoamor, são extraordinários. Castelos e palácios dão vida a esta obra. Alguns destes palácios eram museus abertos ao público durante a rodagem do filme, de tal modo que entre takes, a equipa de rodagem tinha que esperar que os visitantes percorressem as salas que serviam de cenários até retomarem as filmagens. 
Uma banda sonora faustosa com Schubert, Bach, Haendel, The Chieftains, entre outros complementa brilhantemente a fotografia, o guarda-roupa, e os cenários. 
Não se pense que Barry Lyndon é um filme “técnico” suportado simplesmente na fotografia, guarda-roupa, banda sonora, etc. Estes elementos são de facto brilhantes mas não são um fim em si.
 Vale a pena recordar a entrevista de Kubrick à revista Playboy em 1968 a propósito de “2001 - Odisseia no Espaço”. À resposta à pergunta sobre qual a mensagem metafísica de “2001" Kubrick afirma que não é uma mensagem que tivesse a intenção de ser transmitida verbalmente, e que “2001” é uma experiência visual, e a mensagem é o meio (invertendo assim a famosa tese de Marshall McLuhan). Também em Barry Lyndon o meio, sustentado na imagem, no som, na montagem, é uma parte importante da mensagem, uma mensagem que no essencial é a história sobre um homem e o seu destino. E esta temática, a história do homem e o seu destino, produziu com outros realizadores, e noutras correntes estéticas, filmes tão diversos e intemporais como “Andrey Rublev”, “Lawrence da Arábia”, ou “Touro Enraivecido”.
O elenco é uma interessante mistura de actores mais e menos conhecidos: Ryan O’Neal e Marisa Berenson nos papéis principais, actores muito populares na altura depois de “Love Story” e “Cabaret” respectivamente. Em papéis secundários destacam-se Mary Keane uma extraordinária actriz irlandesa que trabalhou sobretudo em teatro, e Murray Melvin no papel do inquietante Reverendo Ludd. O elenco é complementado com a excelente narração de Michael Holdern.
O filme teve várias nomeações para os Óscars e ganhou os prémios nas disciplinas atrás mencionadas: Fotografia, guarda-roupa, cenários, banda sonora adaptada. Kubrick puxou pela sua equipa, e a sua equipa foi premiada com os Óscares. O próprio Kubrick, nomeado pela quarta vez como melhor realizador, não ganhou o prémio, nem Barry Lyndon ganhou o prémio de melhor filme.
O maior teste a um filme é o tempo. E no teste do tempo “Barry Lyndon” passa com a mais alta distinção. Mais de quarenta anos após o seu lançamento, não há dúvidas sobre o lugar de “Barry Lyndon” no cinema. Há quem considere, como Scorcese, ser este o melhor trabalho de Kubrick.
Uma história trágica contada com uma beleza plástica absolutamente extraordinária.
*Escolha e texto da autoria do João Lopes.

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1 comentário:

JMAbreu disse...

Obra prima do cinema.
Stanley Kubrick num dos seus filmes mais ousados, absolutamente fascinante da história da 7.ª Arte. *****/*
Com o ainda quase desconhecido Ryan O'Neal, do filme Love Story, 70`s.
Obrigado Chico, por esta postagem intemporal.