quarta-feira, 31 de julho de 2019

Jogo a Três Mãos (Bull Durham) 1988

Em tempos incertos e remotos, mas não muito, uns miúdos que jogavam futebol no condado portucalense tiveram um presidente do clube e todos os seus assistentes que lhes atiravam tiradas não-transcendentais, ternamente e com verdade, que iriam ficar, para o bem e para o mal, nas teias das suas memórias, tais como: «o que importa é que ninguém se aleije», ou: «desportivismo acima de tudo», para fazerem a síntese perfeita: «se conseguirmos a taça fair play já é muito bom». Mediante encorajamentos destes, não consta que tenha saído da cepa nenhum Luís Figo. Mas tão menos éticas como de resultados análogos era a moral e os conselhos do treinador que acumulava a função recreativa de mestre do fogo-de-artificio da freguesia: «estudar para os testes? para quê? copia! eu quando andava na escola e tinha pontos metia as cábulas nos tomates. Se a professora visse eu dizia-lhe para ´mas tirar dos colhões! joga ´mas é à bola, pá! E caga para essas coisas»
Talvez tenham dito destas coisas ao personagem de Tim Robbins em Bull Durham – a próxima next big thing desmiolada – talvez tenham gritado tamanhas odes ao Crash Davis de Kevin Costner – o mítico jogador das segundas linhas que nelas detém todos e demais records e isso basta; fabuloso actor, distante aqui da aura celestial do Gary Cooper de The Pride of the Yankees, mas só porque os tempos já não admitem aqueles anjos públicos e Cooper nos anos 80 teria sido Costner - sendo essa a grande ambiguidade e complexidade do filme, do conto e da moral: quem vive feliz, realizado e consciente na sombra e quem tem de mergulhar nas mais extravagantes luzes para um objectivo de fundo: dominar as bolas na quadra de jogo e na cama.
O “montro” de Robbins que pode ser só isso com culpas ou sem culpas formativas, ou o analógico de Costner que grita para a sexy esfomeada de Susan Sarandon (não dá para traduzir): «Well, I believe in the soul, the cock, the pussy, the small of a woman's back, the hanging curve ball, high fiber, good scotch, that the novels of Susan Sontag are self-indulgent, overrated crap. I believe Lee Harvey Oswald acted alone. I believe there ought to be a constitutional amendment outlawing Astroturf and the designated hitter. I believe in the sweet spot, soft-core pornography, opening your presents Christmas morning rather than Christmas Eve and I believe in long, slow, deep, soft, wet kisses that last three days.» 
Ron Shelton, belíssimo realizador só realizador, de quem tenho de recomendar Jordan Rides the Bus, apanha tudo isto tão naturalmente como o movimento do ar nas árvores e tão avidamente como a pulsão de qualquer um dos três protagonistas, num secretíssimo esplendor Visconteano – atenção aos fundos sólidos, inteiros - aplicado ao dia-a-dia sem mais nada do que o café, a bola e a tal da pulsação que torna todos os antagonistas mais do que complementares, absolutamente semelhantes. E é muito. 
* texto de José Oliveira

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