sábado, 9 de julho de 2016

Eu Amo-te, Eu Amo-te (Je t'aime, je t'aime) 1968

Je T`aime, Je T´Aime é a única incursão de Alain Resnais na Ficção Científica de forma declarada, através de uma colaboração com o escritor Jacques Sternberg. O filme estava destinado a ser estreado no festival de Cannes de 1968. mas como o mesmo foi cancelado devido aos acontecimentos de Maio desse ano, acabou por ser uma espécie de filme marginal na carreira do realizador. Embora tivesse estreia comercial e até recebesse críticas francamente positivas, acabou por ser subalternizado no contexto geral da sua obra e só recentemente foi devidamente reapreciado.
Os tempos conturbados da época, de grande motivação e empenho político, aliado ao facto da sua obra imediatamente anterior, A Guerra Acabou, ser o seu filme com referências políticas mais directas, tornaram mais surpreendente a escolha por um tema de ficção científica. Mas as surpresas em Alain Resnais devem ser sempre relativizadas. Por um lado, um pouco como Stanley Kubrick, Resnais sempre gostou de variar nos estilos e temas dos seus filmes; por outro, o filme centra-se na problemática das viagens no tempo e o tempo sempre foi central no conjunto dos seus filmes.
Como seria de esperar, até porque se trata de um filme de baixo orçamento, Je T`aime, Je T´Aime, não se centra na exploração dos efeitos especiais nem lhe atribui qualquer relevo, mesmo tendo em conta a tecnologia da época. O objecto do filme é a exploração de conceitos da forma mais ampla e livre possível, património da melhor ficção científica, quer literária, quer cinematográfica. Ao acompanharmos o percurso do suicida fracassado Claude Rich e a sua participação como cobaia na experiência científica de recuo no tempo, percebemos que a ficção científica é apenas um pano de fundo para os temas típicos do cinema de Resnais dos anos 60: o problema da memória e da identidade, a relação entre o passado e o presente, as fronteiras que se estabelecem entre a realidade e a imaginação. Por outro lado, porque a experiência, bem sucedida nos ratos, é um fracasso com Claude, o filme retoma a dimensão de obra aberta, tão típica das suas obras da fase inicial. Perdido nas suas memórias e na fragmentação da realidade, sem verdadeiramente percebermos para que dimensão temporal foi transportada a personagem, vivendo num universo solipsista onde a comunicação com o exterior é impossível, o espectador fica igualmente acorrentado à sua fragmentação interna e externa. O final inconclusivo, onde todos os cenários são possíveis, remete-nos para o Último Ano em Marienbad, não como uma auto-citação, mas como uma metodologia de trabalho que nunca o vai abandonar ao longo da sua carreira. Em todos os seus filmes, mesmo nos mais ligeiros a partir dos anos 90, há sempre qualquer coisa no seu cinema que escapa deliberadamente às leituras mais óbvias. O espectador terá sempre um papel activo na decifração do conteúdo do filme e esse esforço é sempre um declarado elogio à subjectividade. Uma vez saído da imaginação do seu criador, cada filme de Resnais é o filme do espectador que o vê, numa inevitável apropriação que desoculta as ambiguidades propositadas. 
Enquanto filme de ficção científica, Je T`aime, Je T´Aime, cumpre aquilo que pessoalmente considero o melhor que o género tem para oferecer: a capacidade de trabalhar com ideias, de as aprofundar, de sobre elas especular, numa filiação que remete de forma mais directa para a filosofia do que para a ciência. Se 2001 Odisseia no Espaço (Stanley Kubrick) e Blade Runner (Ridley Scott), por exemplo, são grandes filmes de ficção científica, não se deve aos excelentes efeitos especiais que contêm, mas à notável capacidade de trabalhar com ideias. Solaris (Andrei Tarkovsky) e Fahrenheit 451 (François Truffaut) são igualmente obras primas do género e não se destacam pela presença de efeitos especiais. Je T`aime, Je T´Aime inclui-se nesta segunda categoria e, por isso, não deve ser perdido, nem pelos amantes do género, nem pelos seguidores do genial cineasta francês. 
*Texto de Jorge Saraiva

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