"Dziga Vertov começou a sua carreira com cinejornais, que retratavam a luta do Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa (1918-21) e que eram exibidos nas vilas e aldeias, por onde passavam os "comboios revolucionários". Esta experiência ajudou-o a elaborar as suas ideias sobre a sétima arte, ideias essas que partilhava com um grupo de jovens cineastas que se auto-intitulavam "Kino-Glaz", isto é, olho do cinema. As princípios do grupo - a "honestidade" do documentário, quando comparado com filmes de ficção, e a "perfeição" do olhar cinematográfico, superior ao da visão humana - informam a obra mais extraordinária de Vertov: "O Homem da Câmara de Filmar". Neste filme, o realizador combina ideologia radical com estética recolucionária, daí resultando uma obra vertiginosa. Os dois componentes do cinema - a câmara e a montagem - surgem como parceiros iguais e sexuados. O operador de câmara masculino de Vertov - o seu irmão Mikhail Kaufman - registava a vida quotidiana da cidade moderna ou, como dizia Dziga, "captava a vida sem pensar", enquanto a editora feminina - a sua esposa Elizaveta Svilova - cortava e colava as cenas filmadas e reinventava, deste modo, essa vida. Não houve técnica de montagem ou filmagem que não fosse explorada por Vertov, desde a câmara lenta e a animação, passando por zooms, zooms invertidos, ecrã dividido, paralítico, até às imagens múltiplas e desfocadas. Como resultado, o cineasta criou um manual de técnicas cinematográficas, assim como um hino ao Novo Estado soviético.
A câmara dá inicio à sua actividade, à medida que a cidade vai acordando e capta os autocarros e eléctricos a saír dos seus hangares nocturnos, assim como as ruas que, a pouco e pouco, se vão enchendo. De seguida, segue os habitantes da cidade - que, a maior parte das vezes é Moscovo, muito embora tenha havido filmagens significativas em Kiev, Odessa, e Ialta - nas suas rotinas diárias de trabalho e lazer. Toda uma vida é condensada num dia, dado que a câmara espreita por entre as pernas de uma mulher para testemunhar o nascimento de um bebé, espia um grupo de crianças encantadas com um mágico de rua, persegue uma ambulância que transporta uma vítima de acidente. Os novos rituais substituem os antigos, uma vez que os casais casam, se separam e se divorciam no registo civil, em vez de o fazerem na igreja. Vertov materializa assim, através de imagens, os principios marxistas, graças a uma montagem brilhante que descreve a mecanização do trabalho manual e enaltece a velocidade, a efeciência e até a alegria do labor realizado em linha de montagem."
Texto de Josephine Woll
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