terça-feira, 26 de setembro de 2017

Sei Para Onde Vou ('I Know Where I'm Going!') 1945

Realizado no mesmo ano em que a 2ª Guerra Mundial terminou, Sei Para Onde Vou (I Know Where I`m Going) é um filme que descola totalmente desse tema, que tinha marcado grande parte da produção anterior de Powell e Pressburger. É também o primeiro filme que é centrado numa personagem feminina (Joan Webster, representado pela actriz Wendy Hiller). 
Sei Para Onde Vou poderá, grosso modo, enquadrar-se no que habitualmente se chama uma comédia romântica, o género mais popular da época. Mas uma comédia romântica inglesa e ainda por cima feita por Michael Powell e Emeric Pressburger não pode ser um filme qualquer. Vamos seguindo as vicissitudes de Joan Webster de quem percebemos de imediato, através de um rápido, mas bem humorado flashback sobre a sua infância, de se tratar de uma pessoa determinada e ambiciosa. Os argumentos de Pressburger nunca foram particularmente maniqueístas e, neste filme, começamos de imediato a sentir alguma aversão pela personagem principal devido à sua arrogância. Esta atinge o seu apogeu, quando retida contra sua vontade, sem poder fazer a parte final da viagem para a ilha de Kiloran onde se encontra o seu futuro e rico marido, consegue convencer um jovem e inexperiente pescador a fazer a viagem, ainda que em condições climatéricas extremamente adversas. Por isso, esta comédia romântica não é tão inocente como parece. A mulher fria, calculista e ambiciosa, disposta a espezinhar tudo e todos os que não satisfaçam os seus caprichos, remete-nos para uma dimensão social e moral, que viria, alguns anos mais tarde, a ser popularizado pelos filmes de Douglas Sirk. O dinheiro não é tudo na vida, diz a namorada do jovem barqueiro que aliciado pela miragem do dinheiro, aceita ousar a travessia, desafiando os conselhos dos mais velhos. No regresso às Hébridas, onde já tinha sido feito o seminal The Edge of the World, Powell, desta vez com Pressburger, faz uma filme sobre a dignidade humana. «As pessoas daqui não são pobres. Têm é pouco dinheiro», diz Torquil MacNeil (Roger Livesey). Sei Para Onde Vou vive desta contradição: entre aquela que submete tudo às suas disposições pessoais (incluindo a vida dos outros), pela fama e pela fortuna e os pobres que vivem em condições agrestes, mas que conhecem o valor do afecto e da entreajuda. Nesse sentido, talvez este seja o mais político de todos os filmes de Powell e Pressburger. Mas é-o de forma simultaneamente subtil e profunda: são duas visões do mundo que se chocam e que não podem coabitar. A utilização do gaélico como língua falada e a maravilhosa festa dos 60 anos de um casamento, são pormenores reveladores do cuidado colocado na elaboração do filme. O recurso às lendas seculares articula-se muito bem com todo o enredo do filme e serve para redimir a personagem feminina, respondendo ao apelo do amor recém-descoberto em vez do casamento por conveniência. Por isso a ironia do próprio título do filme: ela afinal não sabe para onde vai. Esteticamente é um filme muito bonito jogando de forma superlativa com as condições climatéricas. O nevoeiro desemboca numa tremenda tempestade e a forma arrojada e tensa como é filmada a frustrada travessia de barco é absolutamente notável. O filme recebeu muitos elogios, quer na altura, quer posteriormente. 
O escritor Raymond Chandler terá sintetizado de forma feliz quando afirmou que nunca tinha visto um filme onde sentisse tanto a chuva e o vento. Martin Scorsese afirmou que achava que já não encontraria mais nenhuma obra prima até ter visto esta. A cinemateca portuguesa definiu-o como um dos mais belos filmes da história do cinema. E não sou eu que vou dizer o contrário... 
* texto de Jorge Saraiva

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