"Eros Eterna" conta a história de uma lendária freira imortal, que vagueia pelo mundo encontrando várias pessoas de várias condições. Para conhecer um pouco melhor este filme, vamos ler o texto do especialista Miguel Patrício:
""Geralmente faço este género de filmes difíceis de compreender após ter vivido uma experiência forte." Eis a única e enigmática formulação proferida sobre Eros Eterna, presente na longa entrevista feita por Go Hirasawa e publicada no livro mais essencial acerca do cineasta, Koji Wakamatsu: Cinéaste de la Révolte. O carácter fantasmático da película, entre o sincretismo religioso e o mito rural, pede emprestada presenças oshimanas para fortalecer uma experiência obscura que se quer no limite do cinema político-anarca desenvolvido durante os anos 60. Essas duas presenças são Mamoru Sasaki, que, ao contrário de Masao Adachi, parecer consagrar no argumento muito mais tempo à dimensão divina do que à terrena e, finalmente, Eiko Matsuda, a actriz de In the Realm of the Senses, que dá carne ao espírito e espírito à carne, personificando uma monja, Happyaku Bikuni, que segundo a lenda viveu mais de 800 anos após ter ingerido carne de sereia e os seus vários encontros (sexuais) com os mortais. A Art Theatre Guild, uma vez mais, financiou este delírio wakamatsuano cuja origem, segundo o mesmo, remontava à sua experiência na Palestina documentando os treinos e a maneira de pensar dos membros da FPLP, defensores radicais da luta armada como única forma de revolução mundial. Qual o elo de ligação entre o misticismo impenetrável de Eros Eterna e o compromisso extremo de Red Army/PFLP: Declaration of World War? São os seis anos que separam um filme do outro que nos fornecem a pista fulcral, pois esse prolongamento no tempo, causador de algum distanciamento em relação ao radicalismo político, pôde ter estado no cerne desta fantasia mitológica onde todos os humanos estão sobre o escrutínio de uma entidade imortal que, através da sexualidade, molda e expande o conceito de caridade e absoluta compreensão. Bikuni transforma-se, assim, em Kannon Bosatsu, a divindade budista da misericórdia como o título original em japonês nos deixa antever (Sacred Mother Kannon). É, todavia, na cena de amor entre Kannon e um revolucionário que melhor fica cristalizada esta espécie de auto-crítica política no interior do próprio filme. Após ser incitado pela sereia imortal para prosseguir com os intentos terroristas, o estranho personagem suicida-se com a própria bomba que iria completar o seu "acto heróico". A divindade, sempre cheia de graça e misericórdia exceptuando apenas um caso, o do responsável maldoso pela instalação de uma central nuclear (talvez uma representação maniqueísta do capitalismo torpe), diz olhando para o cadáver ensanguentado do suicida: "Tu estavas assustado em viver uma vida longa, não era assim?" Esta complacência para com aquele instinto revolucionário impaciente que revela, ainda assim, o pavor de não se conservar perante a duração da realidade, a duração da sua própria negação, lança assim o mote de um cineasta, Wakamatsu, interessado na santidade radical, quiçá para exorcizar ou substituir os fantasmas de uma revolução que, na altura, já ia longe da vista e dos corações." Daqui.
Legendas em inglês.
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