sábado, 11 de maio de 2024

Contrato Para Matar (The Killers) 1964

“Os Assassinos” (The Killers), de 1964, é a terceira adaptação do conto de Ernest Hemingway. As outras duas foram as de Robert Siodmak, de 1946 – um clássico noir -, e a segunda um curta metragem de Andrei Tarkovsky (em co-direção com Alexander Gordon e Marika Beiku), de 1957, mas nenhum deles se iguala a essa versão dirigida por Don Siegel. Como se sabe, o filme foi produzido originalmente para a televisao, mas por causa de sua brutalidade foi exibido nos cinemas.
Se o conto de Hemingway, e consequentemente as suas adaptações cinematográficas, mostra dois assassinos que vão a um restaurante rural para eliminar um homem marcado. Don Siegel subverte muda completamente o ponto da história, mostrando Charlie Strom (Lee Marvin) e Lee (Clu Gulager) como os dois assassinos contratados para eliminar Johnny North (John Cassavetes) que, ao ficar frente a frente com o seu destino, o aceita. A sua passividade diante da morte, aceitando-a sem implorar, choca a dupla. Os dois, após investigar o motivo de tanta submissão, descobrem que Johnny North estava envolvido com Sheila Farr (Angie Dickinson), namorada de Jack Browling (Ronald Reagan). 
Don Siegel fez um trabalho e tanto com seu elenco. Conhecido por sua direção de atores econômica e eficiente, ele arranca performances memoráveis de Dickinson e Reagan. Ela, uma femme fatale na mais pura acepção do termo; ele, na performance de sua vida, a sua ultima atuação antes de se dedicar à política. “Os Assassinos” é um filme que se sustenta pelo olhar, seja na cena de abertura em que o rosto do personagem de Lee Marvin aparece refletido nas lentes dos óculos escuros de Clu Gulager, assim como os olhos de John Cassavetes que não saem da cabeça de seus executores. 
Don Siegel é um realizador que fez muito a minha cabeça como cinéfilo em formação: títulos como “Meu Nome é Coogan” (Coogan’s Bluff), de 1968; “Os Abutres Têm Fome” (Two Mules For Sister Sara), de 1970; “Perseguidor Implacável” (Dirty Harry), de 1971; e “O Homem Que Burlou A Máfia” (Charley Varrick), de 1975, da mesma forma que este “The Killers” formaram o meu gosto estético por filmes que Rogério Durst, crítico de cinema do jornal O Globo, nos anos noventa, alcunhou de Cine-Machão. Filmes secos, diretos, crus. Todos os títulos acima citados foram vistos na televisão, em madrugadas passadas em claro esperando a próxima atração do Coruja Colorida. 
* Texto da autoria do Alexandre Mourão. 

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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Ao Sul (Ao Sul) 1995

"Ao Sul" é a história de um homem (Henrique/Antonino Solmer) que regressa da Holanda a Portugal, depois de muitos anos de ausência, o coração dividido entre insatisfatórios amores abandonados, a vontade de retorno ao Alentejo natal como bálsamo para uma vida que percebemos ter sido gasta em coisas sem importância. Agarrar o tempo e a raiz - eis o seu projecto. A realidade que vem encontrar é-lhe, todavia, hostil. Em Lisboa, a memória de ocorrências na Guerra colonial reacende conflitos esquecidos; o Alentejo, incapaz de se reconverter a uma agricultura concorrencial, recebendo-o como um traidor que vem trabalhar para uma grande empresa holandesa. Um sopro de desespero atravessa "Ao Sul" como uma adaga suspensa sobre o pescoço de todos nós. Em Portugal abafa-se.
Fernando Matos Silva filma esta respiração sufocante, fazendo-se cruzar no filme uma miríade de personagens. Primeira constatação: a maior parte dessas personagens existe, quer dizer, tem, mesmo se a sua passagem é curta, densidade humana, peso, justificação dramática. Mérito, já agora, também dos actores. Não falo de Antonino Solmer, que desde já tem aqui o melhor desempenho da sua carreira cinematográfica,  mas dos outros, dos que pouco espaço e pouco tempo têm para nos convencer, como José Manuel Mendes, Luísa Cruz, Miguel Guilherme ou Manuel Cavaco: brevíssimas interpretações, perfeito entendimento. E se também há personagens frágeis (caso do avô louco, interpretado por Canto e Castro, ou de Liberato/João Cabral), isso se deverá mais a problemas do argumento que a inabilidade dos intérpretes. É que Fernando Matos Silva (que teve Maria Isabel Barreno como co-argumentista) não resistiu à tentação dos símbolos, a uma sobrecarga de elementos que desviassem a leitira do filme para lugares mais vastos, introduzindo, aqui e ali, desequilíbrios incomodativos, porque tornando óbvio o que melhor seria ir perdurando subterraneamente. Aliás, "Ao Sul" teria ganho muito com algum incremento de contenção.
Estamos em presença de um filme que gere precariamente os equilíbrios. Constatação que não deve iludir-nos o essencial. A força de uma narrativa que trás dentro de si uma convicção e uma força humana que nenhuns desequilíbrios anulam. A dor no rosto de Luísa Cruz, a luz do espaço alentejano, o homem que corre a medir o espaço de uma casa, seu novo território, uma cena de amor físico que cheira à mais funda solidão, são coisas destas que nos fazem guardar um filme e saber o que quer dizer pensar cinema. Coisas que estão em "Ao Sul", feito por um cineasta que sabe o que fala.
Texto no Expresso de 2-9-1995

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terça-feira, 19 de março de 2024

Adeus, Até ao Meu Regresso (Adeus, Até ao Meu Regresso) 1974

A guerra colonial na Guiné. Alguns casos significativos entre as variadas experiências que afectaram milhares de soldados portugueses que ali combateram. As Mensagens de Natal para as famílias na Metrópole. Histórias que rondam o patético, a ironia, o absurdo, ou pontuadas pelo pitoresco sentimental, a amargura, o irreparável sofrimento. Filme para televisão, Adeus até ao Meu Regresso é um dos testemunhos da viragem no interior da RTP que o 25 de Abril provocou. Parafraseando, no título, a frase feita com que inúmeros soldados portugueses davam as suas "mensagens de Natal" (na televisão) durante o período da guerra colonial, Adeus até ao Meu Regresso faz-se e estreia-se precisamente quando, pela primeira vez, a guerra dava lugar à paz e os soldados regressavam enfim: em Dezembro de 1974.Através do testemunho de soldados que haviam vivido a guerra na Guiné (a primeira colónia portuguesa a obter a independência após o 25 de Abril), António Pedro Vasconcelos dá-nos a dimensão de um conflito armado mas sobretudo o que dele restava na consciência do povo. Da revolta à resignaçâo, dos traumas às dúvidas, das afirmações às interrogações. Documento agarrado ao vivo, em cima da dor e do regresso, este filme é bem o retrato da retaguarda e da memória da guerra colonial, o único que, curiosamente, o cinema português ousou fazer.

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segunda-feira, 4 de março de 2024

A Força do Atrito (A Força do Atrito) 1993

Portugal 1997. Um acidente nuclear deixara o país sem energia e dividido em Zonas, algumas das quais estão interditas por causa da contaminação. A crise económica é grave e o desemprego quase total. Afonso, Vítor e Diniz, na véspera da transferência de Afonso para uma Zona onde iria trabalhar, aproveitam um automóvel abandonado na sequência de um assalto a umas bombas de gasolina para fazerem uma festa de despedida. A viagem é acidentada. Perdem o automóvel e quando querem regressar os problemas surgem...
"Com argumento de Luís Alvarães e Pedro Ruivo a partir de uma ideia deste e de Edgar Pêra, de 1993, "A Força do Atrito", ficção do início dos anos noventa, projeta a história de um acidente nuclear no Portugal de 1997, que deixa o país sem energia e com zonas interditas por contaminação. Para além da catástrofe, a situação do país é descrita como a de uma grave crise económica e desemprego profundo." Cinemateca.
Uma das grandes pérolas desconhecidas do cinema português, a estrear aqui publicamente. Uma excelente equipa de produção, que além da realização de Pedro M. Ruivo (única longa metragem), e argumento de Luis Alvarães e do próprio ruivo, conta com fotografia de Daniel Del Negro e montagem de José Nascimento e Luis Sobral. Uma autêntica dream team.

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sábado, 17 de fevereiro de 2024

O Bígamo (The Bigamist) 1953

Em São Francisco o casal Harry (Edmond O'Brien) e Eve Graham (Joan Fontaine) decide adoptar uma criança. Durante as entrevistas o comportamento suspeito de Harry chama a atenção de Mr. Jordan (Edmund Gwenn), responsável pela análise do processo de adopção. Certo de que o homem esconde um segredo, o agente começa uma investigação e descobre que Harry tem outra família em Los Angeles.
"The Bigamist" não é realmente um noir no verdadeiro sentido da palavra, mas tem algumas implicações. Além de realizar, Lupino interpreta com Edmond O´Brien e Joan Fontaine.. O´Brien é o Bigamo, Lupino e Fontaine são as mulheres infelizes que são as suas vítimas. A força do filme está mesmo nas interpretações principais e no argumento, que para o período era muito corajoso, lidando com sensibilidade com o sexo extraconjugal e a maternidade solteira. 
O filme foi uma produção independente de Lupino e do ex-marido Collier Young (que na altura já estava casado com Joan Fontaine), que adaptava uma história de Larry Marcus e Lou Schor. Pode-se dizer que o argumento é bastante suave para o bígamo, é punido mas há maturidade e sensibilidade num cenário em que pessoas decentes se metem numa confusão, não tanto por egoísmo mas devido a todas as fragilidades humanas normais.
Legendas em português.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

A Baía do Ódio (Alamo Bay) 1985

O cenário é a costa do Texas, onde os pescadores locais ressentem-se da “intrusão” de refugiados vietnamitas. O imparcial fornecedor de camarão Wally (Donald Moffat) contrata vários trabalhadores vietnamitas, o que enfurece ainda mais os habitantes locais. O mais vociferante dos oponentes de Moffat é um pescador, Shang (Ed Harris), que enfrenta a falência devido à perda de negócios. Uma reunião municipal destinada a resolver a questão transforma-se em violência quando o emigrante vietnamita Dinh (Ho Nguyen) acusa alguns dos habitantes locais de violarem a lei para os seus próprios fins.
Depois do colapso do Governo apoiado pelos Estados Unidos em Saigão, em 1975, mais de meio milhão de refugiados vietnamitas dirigiram-se para este país, e aproximadamente 100.000 estabeleceram-se no Texas, muitos deles ao longo da costa do Golfo do México. Pescavam camarão e, por estarem dispostos a trabalhar mais, e a trabalhar mais horas do que os pescadores brancos texanos - ou "anglos", prosperaram. Devido à barreira linguística, os vietnamitas, a maioria deles católicos, mantiveram-se isolados nas suas próprias comunidades improvisadas. Inicialmente, os tempos eram bons, mas à medida que os preços do peixe e do camarão caíram, a concorrência entre os vietnamitas e os anglo-saxónicos intensificou-se até que, em 1979, eclodiu uma guerra não declarada. Era uma situação ideal para a Ku Klux Klan. Os anos seguintes foram marcados por bombardeamentos incendiários de barcos e casas vietnamitas e pela destruição das suas armadilhas para peixes.
Um dos filmes menos conhecidos de Louis Malle, este agitprop surpreendentemente simples é baseado no racismo que eclodiu em Galveston Bay, TX, quando os imigrantes vietnamitas começaram a tirar uma fatia do negócio local de pesca de camarão no início dos anos 80. Ao abordar o racismo, a xenofobia e o nacionalismo económico – questões desagradáveis que Hollywood geralmente prefere ignorar – o filme mostra uma ambição admirável. O familiar dilema do trabalho imigrante – os vietnamitas desesperados simplesmente superaram o pescador nativo e prosperaram em conformidade. Grandes esforços de actores talentosos como o amargurado veterano do Vietname de Ed Harris e Amy Madigan, como uma mulher simpática aos imigrantes, e também com Ho Nguyen, como porta-voz dos imigrantes, que é quem se sai um pouco melhor.
Legendas em ingles.

sábado, 27 de janeiro de 2024

O Vampiro de Dusseldorf (Le Vampire de Düsseldorf) 1965

Na década de 30 do século XX o caos e a miséria reinam na cidade de Dusseldorf, enquanto os Nazis começam a sua campanha de terror. A cidade enfrenta outra ameaça, um serial killer que envia cartas para a polícia sempre que assassina uma nova jovem mulher. Ninguém suspeita de Peter Kuerten, um homem bastante despretensioso cuja única paixão é Anna, uma cantora de um café.
No início do filme o espectador é avisado que este se baseia numa história verdadeira, o que em parte é verdade, mas Robert Hossein, o realizador só se baseia vagamente na história do verdadeiro assassino. Os crimes sádicos de Kuerten já tinham sido previamente explorados em filme na obra-prima de Fritz Lang realizada em 1931, "M", com o então desconhecido Peter Lorre no papel do assassino, mas Lang na altura negou com o filme tivesse alguma coisa a ver com o famoso assassino.
"Le Vampire de Dusseldorf" é extremamente bem sucedido na evocação da sua época, a miséria e a pobreza difundida, a ascensão do Nazismo e o declínio da sociedade estão muito bem representados. O terror que se vivia na Alemanha dos anos 30 era contraposto pela figura solitária do assassino, com uma estranha e perigosa personalidade. Hossein, evidentemente, vê em Kuerten uma manifestação dos males do nacional socialismo. 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O Regresso

 Peço imensas desculpas por esta ausência, mas razões pessoais, outros passatempos, outras vidas, fizeram-me estar ausente estas últimas semanas /meses. 
Vou voltar a estar activo aqui no blog, agora num formato um pouco diferente, que será publicar os filmes fora de ciclos, uma programação escolhida na mesma por mim, e que seguirá as linhas que sempre temos seguido, com cinema underground, clássicos, etc.. Desta forma talvez seja menos maçadora para vocês, e também para mim. 
Vou tentar publicar um filme por semana, e num formato com mais qualidade. Se não publicar, sabem pelo menos que estarei por aqui.

Até já.