terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Carne Fresca, Procura-se (De Grønne Slagtere) 2003

Svend e Bjarne trabalham como talhantes numa pequena cidade dinamarquesa. Não suportando mais a arrogância do chefe, eles decidem abrir o próprio talho. Após um início lamentável, um infeliz acidente coincide justamente com um enorme pedido de carnes e rapidamente começam a lucrar. Ao mesmo tempo, no entanto, Bjarne terá de lidar com o irmão gémeo que, passados anos, de repente acordou de um coma.
Para um filme ostensivamente sobre um dos temas mais nojentos conhecidos pelo homem, "The Green Butchers" está em grande parte livre de momentos indignação e de gore, Anders Thomas Jensen parece mais interessado em desenvolver personagens e deixar a história se resolver sem grandes montagens ou tentativas de chocar a audiência, com baldes de sangue e crueldade. O resultado é o que de mais inofensivo se encontra nos seus filmes. A parte do canibalismo é horrível, mas é abordado tão abertamente como apenas se tratasse de uma reflexão tardia. 
Sendo a segunda obra de Anders Thomas Jensen, é um filme que deverá atrair os fãs das comédias negras, e também os fãs de Mads Mikkelsen, que aqui ainda se encontrava em inicio de carreira. O filme foi uma sensação no Fantasporto de 2004,  tendo ganho três prémios na Semana dos Realizadores, Melhor Filme, Realizador, e Actor Principal. 

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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

35 Shots de Rum (35 Rhums) 2008

O viúvo Lionel (Alex Descas) vive num complexo habitacional com a sua filha, Josephine (Mati Diop), com quem tem fortes laços por tê-la criado sozinho. Enquanto Lionel atrai a atenção de uma mulher de meia-idade, um taxista que começa a andar pelo bairro envolve-se com Josephine e eles começam a sair. Quando o namorado de Josephine aceita um trabalho no exterior e se muda, deixando a rapariga sozinha, Lionel percebe que a filha está a ficar independente e que talvez esteja na hora deles confrontarem os seus passados.
Descrever as emoções que atravessam os filmes de Claire Denis é como tentar lavar os pés numa miragem. Elas estão lá, e no entanto, se lhes tentarmos tocar, a sua beleza perde-se instantaneamente. Descrever o enredo é mais simples, pois quase não há um. "35 Rhums" representa para a audiência uma jornada de um ponto de partida incerto para um destino do qual não sabemos nada.
Juntamo-nos nestas viagens de crescer, envelhecer, crescer juntos, e tentar perceber a vida. Denis declina fazer concessões, está disposta a mostrar, mas recusa-se a contar. Como tal, depende do tipo de viajante que nós somos. "35 Rhums" é sobre a condição humana, como as pessoas se ligam umas às outras, como respondemos a estas ligações, e as emoções que delas surgem. Um dos melhores trabalhos de Claire Denis.

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sábado, 27 de janeiro de 2018

Lavoura Arcaica (Lavoura Arcaica) 2001

"A produção difícil de Lavoura Arcaica (2001), longa de estreia de Luiz Fernando Carvalho, é bastante conhecida. O corte inicial do filme possuía 3h40, diminuída em uma hora para uma “versão comercial”, que obviamente clamava por um filme menor. O impasse mais curioso veio do Canal Plus, rede francesa que se interessou em co-financiar a obra juntamente com a VideoFilmes dos irmãos Salles, com peso especial na distribuição europeia. Se tivesse menos de duas horas, a obra apareceria como favorita à Palma de Ouro em Cannes (naquele ano, venceu O Quarto do Filho, de Nanni Moretti).
Depois do segundo corte, da insistência do diretor em não mexer mais na obra (apoiado pelo próprio Raduan Nassar, autor do livro adaptado) e concordância dos irmãos Salles com a opinião de Luiz Fernando Carvalho, o prazo para a inscrição do filme no Festival de Cannes foi esgotado, o financiamento do Canal Plus não aconteceu, e a opinião de alguns críticos brasileiros, pedindo que o filme não fosse mesmo inscrito, pois afastaria os votos da Academia, viu o sonho realizado. Com 2h43 minutos de duração, Lavoura Arcaica chegou aos cinemas. E arrebatou a todos os que mergulharam em sua história, mostrando que em alguns casos, o excesso programado, o perfeccionismo e a extrema fidelidade à obra original não necessariamente estragam um filme. É a forma como se manipula esses ingredientes que resulta em um bom ou mal produto. No caso de Lavoura Arcaica, o resultado é uma obra-prima. 
André (Selton Mello) é o foco do enredo. Ele representa o filho pródigo que deixa a casa vazia, triste, quando resolve fugir ao julgo do pai e do marasmo da fazenda onde mora. De família libanesa, onde o patriarca, interpretado de maneira soberba por Raul Cortez, administra a vida de todos em forte vigilância moral e valores demasiadamente arcaicos, André percebe que não há lugar para ele, o sujo, o epilético, o filho da “febre nos pés” naquele lugar. Ele é o filho que possui um desejo incestuoso pela irmã, chegando a realizá-lo, em uma espécie de “milagre divino da carne”, que serve tanto como descarga de sua libido, quanto como afronta a tudo o que o opressivo pai construiu e valorizou a vida inteira."
 Podem ler o resto do texto, aqui

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quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Atanarjuat - O Corredor (Atanarjuat) 2001

Abrangendo duas gerações, é um conto épico do mal que perturba uma pequena comunidade numa pequena comunidade na região selvagem do Ártico. A discórdia tem as suas raízes nos problemas causados por um xamã, que vê as famílias de Sauri e Tulimaq se envolverem numa disputa amarga. Alguns anos depois, com o crescimento dos seus filhos o sangue começa a ferver. Os filho de Tulimaq,  Amaqjuag (Pakkak Innuksuk) o mais forte, e Atanarjuat (Natar Ungalaaq), o mais rápido,  provocam o filho de Sauri, Oki (Peter Henry Arnatsiaq) que tem superiores habilidades de caça, e quando Atanarjuat conquista o coração da pretendente de Oki as coisas começam a aquecer. 
Oki planeia matar o rival, resultando em sequências fotográficas de tirar o fôlego pois Atanarjuat corre nú por entre o gelo, temendo pelo sua vida. Só essa sequência vale o filme. 
Inicialmente é um filme difícil de se seguir, em grande parte porque o elenco está tão abafado nas máscaras de focas que mal se distinguem, mas uma vez que a história começa a fluir tudo começa a fazer sentido. Misturando o mito e a tradição, os medos espirituais e as preocupações muito reais sobre a escassez de alimentos, o realizador Zacharias Kunuk constroi uma imagem complexa da vida dura suportada por gerações do povo Inuit, e como as suas fábulas explicam ao mais novos a importância de colocar o bem estar do grupo acima do seu. 
Interpretado por um elenco de desconhecidos, é atravessado por um sentimento quase documental, filmado com uma única câmara, aumentando a sensação da realidade e da região selvagem, auxiliada por uma luz maravilhosa que pode ter sido a razão porque o filme ganhou a Câmara de Ouro no festival de Cannes.
É o primeiro filme de Kunuk, e também o primeiro filme em linguagem Inuit. 

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terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Luzes no Crepúsculo (Laitakaupungin valot) 2006

Como o pequeno vagabundo de Chaplin, o protagonista, um homem chamado Koistinen, procura no duro mundo uma pequena brecha pela qual possa rastejar. No entanto, tanto os seus semelhantes como o aparato da sociedade sem rosto fazem questão de esmagar as suas modestas esperanças, uma após outra. Elementos criminosos exploram a sua ânsia por amor e a sua posição de guarda nocturno num roubo que executam, deixando Koistinen frente às consequências. 
O finlandês Aki Kaurismäki construiu uma reputação de nos mostrar o mundo dos desajustados, perdedores e  solitários, neste gratificante "Laitakaupungin valot", onde um solitário guarda nocturno num centro comercial cujos sonhos de uma vida melhor nunca são alcançados. Passivo e isolado, Koistinen fuma, bebe e sonha, que são as suas únicas formas de renunciar à condenação. Toda a gente que Koistinen encontra é um obstáculo para a sua  felicidade.
Terceiro filme na trilogia "Finlândia", é uma obra menor comparada com outros filmes do realizador, como "O Homem sem Passado", vencedor de vários prémios em Cannes, e nomeando para o Óscar de Melhor Filme em Língua estrangeira, mas é reconhecível e agradável o trabalho do realizador em quase todas as cenas, principalmente a abordagem leve feita à iluminação e cor. As interpretações também estão no seu modo "Kaurismaki": simples, directas, e com o mínimo de emoções possíveis.

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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O Bom Ladrão (The Good Thief) 2002

Bob Montagnet (Nick Nolte), um americano viciado no jogo e nas drogas, vai parar ao Sul de França, sem sorte nem dinheiro. Bob elege como ambiente perfeito para exercitar suas habilidades a boate do inescrupuloso Remi (Marc Lavoine). Lá ele encanta-se pela jovem Anne (Nutsa Kukhianidze), que tira da prostituição. Depois de uma briga envolvendo a polícia e Remi, Bob salva a vida do detetive Roger (Tchéky Karyo), de quem é amigo de longa data. Depois de ver os seus últimos trocados irem embora nas corridas, Bob recebe um ousado convite: participar num grande golpe com a ajuda do colega Vladimir (Emir Kusturica), no qual assaltarão um dos principais casinos de Montecarlo no dia do Grande Prémio de Mónaco.
Adaptação vaga de um filme noir de Jean-Pierre Melville, seguindo a estética do film noir, chamado "Bob le Flambeur", funciona como um bálsamo calmante para os cinéfilos criados com actores como Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg, não esquecendo Roger Duchesne, o Bob original, o jogador inveterado aqui interpretado por Nick Nolte. Para o público mais mainstream o filme de Neil Jordan passou um pouco por baixo dos radares, o que é uma pena, pois o filme é considerado um dos melhores do realizador, e quase de certeza também entre os melhores de Nick Nolte.   
A acção da obra prima de Melville era passada à volta de Montmartre, onde Bob caminhava pelas ruas escuras à procura da sua próxima conquista. Jordan transpõe a acção para a Riviera francesa de Nice, e embora muita da atmosfera negra se perca por causa da transposição para cores neste filme, tudo o que se perde acaba por ser compensado na interpretação de Nolte. 

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domingo, 21 de janeiro de 2018

Transe (Transe) 2006

"A história de Sónia, uma mulher de 20 e poucos anos que abandona o namorado e a família, em São Petersburgo, na Rússia, e decide partir sem olhar para trás para tentar encontrar uma vida melhor noutro país. Sónia vai conhecer a ilusão de uma vida nova e o inferno daqueles a quem a vida parece nada ter para dar. Fazendo a sua "via sacra" Europa fora, atravessando todo o continente, primeiro pela Alemanha, depois Itália, para acabar no extremo oposto, em Portugal, ela vai conhecer toda a miséria e degradação que o tráfico e a exploração dos mais fracos provoca. 
Um filme sobre a exploração e o tráfico de mulheres que a realizadora Teresa Villaverde ("Os Mutantes") explica a partir das palavras de Santa Teresa de Ávila: "O inferno é um cão a ladrar lá fora". "Estamos no início do século XXI e o cão ladra em toda a parte. Não nos livrámos da tortura, da escravatura, do genocídio. A personagem central deste filme vê esse inferno de frente e de muito perto. Penso que não chega a entrar, porque é preciso fazer parte do inferno para estar lá dentro. Ela não faz parte, mas não há saída. Jorge Semprún escreveu a propósito da sua experiência num campo nazi que um dos motores da sobrevivência é a curiosidade. Se não quisermos olhar, as chamas agigantam-se.": Publico.pt

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sábado, 20 de janeiro de 2018

A Festa da Menina Morta (A Festa da Menina Morta) 2008

Há 20 anos uma pequena população ribeirinha do alto Amazonas comemora a Festa da Menina Morta. O evento celebra o milagre realizado por Santinho, que depois do suicídio da mãe recebeu nas suas mãos, da boca de um cachorro, os trapos do vestido de uma menina desaparecida. A menina nunca encontrada, mas o tecido rasgado e manchado de sangue passa a ser adorado e considerado sagrado. A festa cresceu indiferente à dor do irmão da menina morta, Tadeu. A cada ano as pessoas visitam o local para rezar, pedir e aguardar as "revelações" da menina, que através de Santinho se manifestam no ápice da cerimonia.
"A Festa da Menina Morta parece trazer uma vontade bastante pessoal de Matheus Nachtergaele em levar para o cinema algo que lhe é de caríssimo interesse. Ele fala sempre sobre a importância daquela cultura ribeirinha do rio Amazonas, tão desconhecida para nós. Mas, finda a projeção, surgem perguntas. O que Matheus queria precisamente falar: de um modo de vida ou do misticismo? E como ele se posiciona sobre a dinâmica desse grupo social que é reproduzido, em princípio, de uma matriz real? São perguntas sem respostas afiadas, lançadas ao vento, que têm seu retorno garantido para colocarem em xeque certos procedimentos adotados pelo diretor, que acabam por culminar sobre um dilema terrível ao filme: onde se coloca o ponto-de-vista do narrador-cineasta.
Nachtergaele parte de um evento real para assim compor os traços ficcionais que se voltam ao ponto de partida: uma procissão-festa que celebra o milagre brotado da morte de uma menina, num verdadeiro culto-relicário de suas roupinhas rasgadas entre músicas, comilanças e bebedeiras festeiras, que o ator conheceu quando atuava em O Auto da Compadecida (o que deixa claro, mais uma vez, as intenções nobres de alguém que cruzou semestres com projeto firme na cabeça). Na verdade, o filme parte desse extrato real para sobrevoar em círculos o personagem de Santinho (Daniel de Oliveira), que ganhou o status que seu nome indica há 20 anos, quando recebeu de um cão os trapos da menina no mesmo instante em que sua mãe se suicidava. Virou milagreiro, mas o que o filme nos mostra é que aqui está um violento sujeito, vulcanizado a explosões de humor, pequenas violências domésticas (como tabefes no cocuruto das empregadas). É um líder sob crise titã, carregando o peso da coroa e arruinado nos seus ânimos. "
Podem ler mais, aqui.  

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quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Eu, Tu e Todos os que Conhecemos (Me and You and Everyone We Know) 2005

Uma cidade qualquer nos EUA. Los Angeles, talvez. Uma crónica sobre pessoas vulgares que se tornam pessoas extraordinárias, num mundo em que o mundano pode ser transcendente. Christine Jesperson é uma artista solitária e condutora de um táxi para idosos. Richard é um vendedor de sapatos recém-divorciado, pai de dois filhos, e que anseia porque lhe aconteçam coisas extraordinárias. Mas quando conhece a frágil e cativante Christine entra em pânico. Destemida, mas também intensamente frágil, Christine só quer ser amada e Richard, algo excêntrico e decididamente perdido, parece-lhe irresistível. 
"Me and You and Everyone We Know," vencedor de prémios em Cannes e em Sundance, é o primeiro filme de Miranda July, e a sua abordagem de olhos abertos e questionáveis pode parecer quase ingénua. Mas esta inocência, que tanto nos pode atrair como provocar o sentimento contrário, é mais um efeito calculado do que uma simples expressão de uma sensibilidade caprichosa.
Antes de entrar para o mundo dos filmes, July era uma artista conceptual (trabalhava em vídeo e outros meios de comunicação), uma procura que exigia uma autoconfiança mais profunda, bem como uma vontade de olhar até para os objectos e eventos mais triviais como material potencial para a estética da transformação. Embora o filme tenha uma clara linha narrativa, e possa até ser classificado como uma comédia romântica, é também um artefacto visual meticulosamente construído, apresentando de uma forma divertida as qualidades a arte de instalação às convenções do cinema narrativo. 

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terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Natureza Morta (Sanxia Haoren) 2006

A velha cidade de Fengjie já está submersa, mas o seu novo bairro ainda não foi terminado. Há coisas a salvar e há coisas a deixar para trás... Han Saming, um mineiro, viaja para Fengjie para tentar encontrar a ex-mulher que não vê há 16 anos. Quando se encontram, nas margens do rio Yangtze, decidem voltar a casar-se. Também Shen Hong, uma enfermeira, viaja para Fengjie à procura do marido que não vê há dois anos. Abraçam-se em frente à barragem das Três Gargantas, mas apesar da dança, decidem separar-se.
Jia Zhang-Ke, é um dos realizadores mais proeminentes da chamada sexta geração do cinema chinês, e também um dos melhores realizadores do mundo neste século 21, dirige aqui brilhantemente um filme que combina documentário e fantasia, pintando uma imagem evocativa da China moderna, livre da propaganda tradicional chinesa, e independente do governo para mostrar que há um surto de alienação no país. Esta atitude política subversiva, levou a que o filme fosse banido no seu próprio país, mas bastante mostrado na Europa e nos Estados Unidos.
As duas histórias em cima sobre dificuldades pessoais e casamentos em ruptura dão ao realizador uma hipótese de observar o que se passa no coração da China industrial, e como a globalização e a renovação urbana vieram para a China, de modo que os telemóveis e outros bens ocidentais são apenas parte do quotidiano chinês, como também são do quotidiano de Los Angeles. Esta imagem do país demonstra que os problemas universais do progresso causam o deslocamento e deixam aqueles que não estão em posição de se ajustarem marginalizados da sociedade, e que a nova forma de capitalismo é tão dura como o sistema comunista. 
Ganhou o Leão de Ouro do festival de Veneza, em 2006. 

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domingo, 14 de janeiro de 2018

Onde Jaz o teu Sorriso? (Où gît votre sourire enfoui?) 2001

Quase vinte anos depois de Harun Farocki prestar uma homenagem à profunda influência do cinema de Straub/Huillet, ao filmar o processo exaustivo da preparação do filme "Class Relations" para o documentário "Jean-Marie Straub and Danièle Huillet at Work…", Pedro Costa captura o seu processo igualmente exigente da montagem da longa-metragem "Sicilia!" em "Onde Jaz o Teu Sorrisso?". Na verdade, tal como o filme de Farocki captura intrinsecamente a metodologia de trabalho dos cineastas através dos seus temas recorrentes de automação e sistematização de processos, também o filme de Costa ilustra a particularidade da sua metodologia através da sua própria preocupação caracteristica, para capturar o alegórico no quotidiano. 
À medida que os cineastas alternadamente contam histórias e anedotas pessoais, tanto sobre o seu matrimónio como sobre o seu cinema colaborativo, o que emerge no retrato reverente e discreto de Costa é uma imagem carinhosa, humorística da relação entre os dois, a todos os níveis. Uma história de amor moderna que funde a paixão com a política, a criatividade com a convicção, contada a partir da intimidade privilegiada de dois românticos irascíveis e duradouros casais intelectuais, activistas sociais, cinéfilos obsessivos, idealistas sem idade, e artistas inovadores.
Este documentário serve também de antecipação para um dos grandes ciclos deste verão, dedicado a esta dupla de realizadores. Será lá mais para o Verão, e terá textos do nosso habitual colaborardor, Jorge Saraiva.

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sábado, 13 de janeiro de 2018

Santiago (Santiago) 2007

"“Santiago” (2007), documentário dirigido por João Moreira Salles, é um exercício de problematização de gênero. O diretor começou a filmá-lo em 1992, ao perceber a singularidade da personagem que intitula a obra, Santiago Badariotti Merlo, mordomo da casa em que Salles passou a infância, solitário, e com o encantador hábito de redigir textos a respeito da história da nobreza de povos do mundo todo. O documentarista abandona o projeto iniciado na década de 90 (único filme de sua carreira que não conseguira realizar) e retoma o material (30 mil páginas e 9 horas de cenas registradas) apenas 13 anos depois. Neste ponto, resolve traçar um exercício reflexivo a respeito daquilo que havia filmado, organizando, assim, uma impressionante discussão em torno dos limites entre a documentação e a ficção, cujo eixo é não mais exclusivamente a vida de Santiago, mas também a memória do diretor e suas decisões narrativas. 
As primeiras cenas de “Santiago” optam pelo close in (procedimento muito raro no filme) em direção a uma série de fotografias, enquanto o narrador explica: “Há treze anos, quando fiz estas imagens, pensava que o filme começaria assim: Primeiro uma música dolente. Não essa que eu só conheci mais tarde, mas algo parecido; depois um movimento lento em direção a três fotografias.” Neste momento, se estabelecem, portanto, dois níveis narrativos. O primeiro refere-se à esfera metaficcional, no qual o artista lança comentários a respeito da própria obra. O segundo, por sua vez, se ocupa da história de Santiago e sua relação com a família de Salles. Logo, o narrador estabelece uma tênue ligação com o personagem que dá título ao filme, já que o antigo mordomo o ensinava a equilibrar copos com a bandeja na mão, enquanto o pequeno patrão “brincava de servir” com os irmãos, distinção servo/proprietário que guiará as principais escolhas da obra. Deve ficar claro, entretanto, que ambos os planos da história dividem-se também em duas dimensões: a do passado e a do presente, duas temporalidades que, uma vez documentadas, se complementam na trama. 
O documentário, termo utilizado na França dos anos vinte e, provavelmente, estabelecido definitivamente por John Grierson nesta mesma década, é um gênero tradicionalmente marcado por seu caráter não ficcional. Contudo, já as primeiras definições do termo o diferenciavam dos chamados “cinejornais”, visto que o documentário executaria o “tratamento criativo” da matéria tratada, sendo, portanto, mais do que reprodução mecânica da realidade. Este ideal está impresso nas cenas iniciais de Santiago, já que a câmera permite que percebamos algo para além das imagens fixas do passado, representadas pelas fotografias que inauguram a história. Logo, João Moreira Salles define aquele que deveria ser efetivamente o primeiro plano do filme. Ouvimos a voz de Santiago, a tela está escura, revelando à assistente de filmagem, Márcia, que gostaria de começar a filmagem com um pequeno depoimento preparado com todo o carinho, ao que a responsável negaceia. Jamais saberemos o que Santiago gostaria de ter expressado e esta inacessibilidade é uma constante em todo o filme. Em seguida, vemos a claquete mediando nossa percepção na primeira vez na qual, finalmente, vemos o ex-mordomo, em uma cena repleta de signos e, mais ainda, de significados."
Podem ler o resto do texto, aqui

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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Um Homem que Grita (Un Homme qui Crie) 2010

Adam (Youssouf Djaoro) tem 60 anos de idade, é ex-campeão de natação, e há 30 anos que trabalha como guardião da piscina de um hotel de luxo situado no Chade, em África. No entanto, investidores compram o edifício e ele vê-se obrigado a ceder a sua vaga para o filho Abdel (Diouc Koma), situação que o incomoda bastante por ver nela um declínio social. Além de estar diante deste conflito pessoal, o país passa por uma guerra civil, com rebeldes ameaçando o governo. Neste contexto, Adam precisa de ajudar o governo com dinheiro ou enviando o seu filho para que lute pelo país.
Quarta longa-metragem do realizador chadiano Mahamat-Saleh Haroun, é um drama poderoso e sensível que retrata um tipo de traição pessoal e familiar, assim como o sofrimento que pode resultar de uma situação económica desesperada. O filme cobre muitos tipos de terreno, mas debruça-se mais sobre os temas emocionais.
Para o realizador/argumentista Haroun, a narrativa segue o ponto de vista de Adam, mesmo que as suas acções - como traír o filho - afastem as audiências. Tudo isto, e uma grande interpretação de Youssouf Djaoro, trazem para o filme uma complexidade fora do vulgar, onde qualquer noção de moral é duvidosa, e a sensação de "certo" e "errado" é contrariada pelo trabalho sob o domínio do capitalismo.
Selecionado para vários festivais, acabou por vencer o Grande Prémio do Juri, em Cannes, em 2010.

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quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Os Amantes Regulares (Les Amants Réguliers) 2005

François tem 20 anos em Maio de 1968, tempo de revoltas estudantis em França. Há cargas policiais sobre as barricadas construídas pelos jovens. É aí que pela primeira vez se cruza com a bela Lilie. Perseguidos nos telhados, conseguem escapar da polícia de choque. De manhã, sente que viveu uma guerra civil e Lilie desapareceu. François escreve, é um poeta não publicado, com os seus amigos, artistas e estudantes. São uma dezena, têm entre 20 e 25 anos: fumar haxixe, a descoberta do ópio, mudar a vida, as festas, as miúdas... Lilie reaparece uma noite. O desejo de revolução é forte. Mais forte ainda o amor que vai nascer entre os dois.
Filmado num lustroso preto e branco, "Os Amantes Regulares" é uma meditação melancólica, tanto sobre os eventos de Maio de 1968 em Paris, como o caso de um amor condenado. Com a realização do pai, Philippe Garrel, e o próprio filho Louis no papel principal, o jovem poeta e aluno protestante  François, que se apaixona pela bela e esculturar Lilie, durante o rescaldo da revolução.
É um filme dividido em duas partes, com a primeira hora a focar-se na "Noite das Barricadas". Louis e os seus amigos lançam cocktails molotov em colunas da policia anti-motim, numa sequência prolongada cheia de toques expressionistas. As sequencias de gás lacrimogéneo em todo o lado, as sequências de sonho imaginando revoltas ao longo da história, e as prespectivas restrictas de câmera dão a estes confrontos uma qualidade fantasmagórica.  
O resto do filme concentra-se na relação entre François e Lilie. O casal retira-se da sociedade dominante e circula por um círculo de amigos artistas, e fumadores de droga. Esta parte do filme é, sem dúvida, uma homenagem à Nouvelle Vague francesa, onde jovens actores vagueiam pelas ruas parisienses desertas, as conversas são apanhadas em fragmentos, e os actores abordam directamente a câmara. É um filme bastante exigente, onde a sua tristeza e desilusão têm um poder hipnótico.

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segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Eu Sou um Cyborg, E Daí? (Ssa-i-bo-geu-ji-man-gwen-chan-a) 2006

Cha Young-goon (Lim Su-Jeong) é hospitalizada numa clínica psiquiátrica, por acreditar que é uma ciborg. Ela recusa toda a comida que lhe oferecem, preferindo carregar as "baterias" através de um transistor. Cha usa a dentadura da avó e fala com todos os aparelhos eletrónicos. Mas o seu caso não é o único: está rodeada de pacientes que têm interlocutores imaginários. Quando o belo e anti-social Park Il-Soon (Rain) é internado, tudo muda para ela. Não demora muito tempo até que eles se envolvem, mas a saúde jovem piora cada vez mais.
Depois de três filmes que o revelaram em questões tão obscuras como o roubo de órgãos, o incesto e o rapto de crianças, sempre envolvidos pelo tema-chave da vingança, para o seu projecto seguinte, Park Chan-wook escolheu um tema muito mais leve, ao qual deu o fantástico título de "I’m A Cyborg, But That’s OK". Um filme que poderia ser descrito como uma comédia romântica excêntrica, mas o realizador sul Apesar da sua premissa estranha, a verdadeira força do filme reside na abordagem totalmente não convencional ao tema da doença mental, que geralmente é retratada através de um realismo sombrio, ou de um drama optimista. Em vez de se concentrar na natureza restritiva e deprimente da deficiência mental, Park convida-nos a experimentar a vida através da mentalidade dos seus personagens, tornando as suas actividades e empreendimentos bizarros não só emocionantes, mas também estranhamente tocantes. 
A fotografia de Jeong Jeong-hun é deslumbrante. Tendo trabalhado com Park desde "Old Boy", ele cria uma vez mais visuais deslumbrantes.

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domingo, 7 de janeiro de 2018

A Zona (A Zona) 2008

Todas as personagens de "A Zona" têm que lidar com a perda de um ente querido. Um homem observa o corpo do pai deitado numa cama de hospital, que apenas se mexe graças à maquina de respiração artificial que o mantém vivo. Numa ambulância, uma mulher grávida, tomada pelo pânico, agarra-se ao marido, enquanto os médicos tentam ressuscitá-lo. Num apartamento, o homem tenta familiarizar-se com o espaço desabitado onde o pai costumava viver. O cão ainda lá está, mas a sua presença não atenua de forma alguma o vazio que dali emana. No campo, vive um casal à espera de bébé. Uma noite, o marido sai e não regressa.
Estes homens e mulheres parecem anestesiados pela sua dor. São sobreviventes que caminham hesitantes em espaços quase sem vida, em busca de um lugar para descansar.
""A Zona" é um filme que se concentra em gestos banais das personagens em circunstâncias extraordinárias. Por isso mesmo, é normal a câmara concentrar-se  nos rostos, tanto no de Rui (em mais uma actuação muito low profile, quase sorumbática, do actor António Pedroso), como no de Leonor. Todas as personagens parecem viver da solidão, sem espaço social válido (aliás, os espaços sociais - como o hospital e a festa - são locais onde as personagens estão fora do seu contexto natural).
Também a representação da cidade é interessante em A Zona: há uma opção pelo uso de locais anódinos, comuns, como as autoestradas ou os blocos habitacionais. Movemo‑nos, portanto, numa cidade periférica, e daí, também, a presença intensiva da floresta como um espaço de transição. Para além disso, o hospital surge como o espaço central, possivelmente a zona de transição entre a vida e a morte: “A zona do título português refere‑se ao espaço emocional do hospital, onde muita da ação tem lugar, mas pode igualmente referir‑se a um espaço lynchiano e liminar entre a vida e a morte, onde a narrativa familiar e a lógica temporal se encontram suspensas” (Corless, 2008). o hospital é mostrado como espaço límpido e higiénico, sem marcas: por um lado, representando o fim, mas também supondo o início" - Daniel Ribas.

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sábado, 6 de janeiro de 2018

Inocência (Innocence) 2004

O filme passa-se num mundo imaginário, onde jovens raparigas são educadas separadas da família e o ensino baseia-se na dança, na educação física e na biologia. Depois de conhecer a sua nova escola, isolada no meio de uma floresta, a menina Iris, de seis anos, logo percebe a regra primordial a ser seguida: a obediência. Mas quando descobre que uma das alunas mais velhas deixa a escola todas as noites para uma reunião secreta, ela arrisca o seu futuro para tentar desvendar o mistério.
Um mundo hermeticamente fechado, uma narrativa mistificadora cheia de imagens assustadoramente bonitas, uma sensação indefinível de ameaça e uma banda sonora dominada por registos de velhos discos gramofónicos, e os rumores sinistros e ameaçadores de máquinas invisíveis podem servir como uma descrição de "Eraserhead" (1977), de David Lynch, mas também podem definir este inquietante "Innocence", filme de estreia da realizadora Lucile Hadzihalilovic. Vagamente adaptado de um livro de Frank Wedekind, lançado em 1888 chamado "Mine-Haha: The Corporal Education Of Young Girls" o filme é uma fantasia escura e onírica, passada num internato muito peculiar.
Nunca explicando completamente os estranhos acontecimentos Hadzihalilovich gera uma tensão desconfortável, semelhante à natureza expectante e incipiente dos seus jovens personagens que são incapazes, quer para reverter a metamorfose que está a ocorrer dentro deles, quer para compreender para onde esta os está a levar. 
Há influências cinematográficas claramente visíveis, sendo a mais óbvia "Picnic at Hanging Rock" de Peter Weir, também passada numa escola de meninas, e numa atmosfera forte que nos deixa sem explicações. A realizadora também cita Robert Bresson e "Suspiria" de Dário Argento, e também se nota influências dos irmãos Quay logo no início.

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Perdidos Pelo Século 21

Continuo com o mesmo problema do disco rígido, mas em breve penso arranjar uma solução. Enquanto isso não acontece, resolvi alterar a ordem dos ciclos. O ciclo do Fantasporto irá passar para Fevereiro (a partir de dia 15, decorrendo ao mesmo tempo que a edição do festival deste ano), e até lá iremos ter um outro ciclo chamado "Perdidos pelo Século 21".
Perdidos pelo Século 21 é um ciclo que consiste em visitar alguns filmes que, de um modo ou de outro, ficaram um pouco esquecidos, ou ignorados durante este século. Serão filmes dos quatro cantos do mundo, é o que posso dizer, e dos mais variados estilos e influências. Fiquem atentos, o primeiro é já a partir de sábado.