terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

The Night of the Werewolf (El Retorno del Hombre Lobo) 1981

O filme começa quando Daninsky, juntamente com a sua sinistra amante, a condessa  Bathory (Julia Saly), são executados, e enterrados com uma adaga no coração. Nos tempos modernos vemos dois ladrões de túmulos a desenterrarem o corpo de Daninsky, e a tirar-lhe a adaga de prata do peito. Com a adaga removida Daninsky volta a viver, e não perde tempo em fugir pela cidade. Enquanto isso, três jovens estudantes de uma universidade fazem uma peregrinação até ao castelo que Bathory chamou de casa. Pelo caminho, são atacada por um trio de ladrões e salvas por Daninsky. O que Daninsky não percebe é que há mais do que olhos bonitos por detrás destas jovens. Uma pode salvar a sua alma da maldição do lobisomem, e outra é uma bruxa que quer trazer a condessa de volta à vida. 
Esta era uma série bem antiga. Pela nova vez Paul Naschy interpreta o mítico lobisomem Walter Daninsky, pela primeira vez também como realizador, já que andava a tentar uma carreira atrás das câmaras. Depois do declínio do Euro-Horror em meados da década de 70, Naschy embarcou numa série de filmes obscuros, para explorar a sua falta de fé na humanidade, mas voltou ao terror no início da década de oitenta, graças ao seu amigo Masurao Takeda capaz de garantir quantidades consideráveis de financiamento japonês para as suas produções. Naschy trazia de volta a sua lendária personagem, depois de alguns anos de ausência, escrevendo ele próprio o argumento, tal como já tinha feito em outros filmes da série. 
 Visualmente o filme é um verdadeiro deleite. Naschy banha o filme com uma beleza de iluminação e efeitos especiais que realmente ajudam a criar uma atmosfera gótica, comparável ao melhor de Mario Bava ou Terence Fisher. Os efeitos do vampiro e do lobisomem são muito bons, e o filme apresenta uma longa sequência de transformação, antecipando a famosa cena de "An American Werewolf in London".
Esta versão que aqui apresento é dobrada em inglês, infelizmente, porque a única que consegui na língua original  perde a sincronia nos últimos minutos. Mas tem legendas em português.

Link
Imdb

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

The Power of Darkness (El poder de las Tinieblas) 1979

Baseado no conto "Informe sobre Ciegos", de Ernesto Sábato, o filme mostra a trajetória de Fernando, um rapaz que é alertado por um amigo de infância de que o mal domina o mundo por meio de uma seita de cegos. Fernando não acredita na história até que o amigo morre em circunstâncias misteriosas. Ele começa então a investigar o mundo dos cegos, vivendo estranhas situações em que o limite entre realidade e fantasia vai se tornando indistinguível. 
O realizador argentino Mario Sábato adaptou esta história de um conto escrito pelo seu pai, Ernesto Sábato, e transformou-o nesta peça esférica sobre um mundo ainda inexplorado, com a característica de ter várias leituras. Sábato filmou em alguns lugares de surrealismo natural, túneis, lugares abandonados, ruínas, porões, tudo para entrar na mente de um homem, Fernando Olmos. 
A história também funciona como uma metáfora aplicada aos tempos da ditadura na Argentina, mas facilmente a universalidade deve ser estabelecida em qualquer cenário onde existam pessoas que se recusem a ver, acordar, entender que a ignorância é um bálsamo para aqueles que preferem ter os olhos fechados. Não há pior cedo do que aquele que não quer ver, é o lema do filme. 
Não ganhou qualquer prémio, mas foi um achado para esta primeira edição do Fantasporto.
Legendas em Inglês.

Link
Imdb

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Inseminóide - O Planeta do Medo (Inseminoid) 1981

Num futuro indeterminado, uma nave que transporta 12 cientistas chega a um distante planeta desolado, com a missão de investigar o que aconteceu com a sua antiga civilização. Depois de uma das integrantes do grupo ser atacada e violada por uma criatura extraterrestre, mortes brutais começam a acontecer.
Provavelmente, a melhor parte do filme, além dos efeitos especiais de alto nível, são as interpretações. Judy Geeson interpreta uma das personagens mais insanas já vistas num filme de ficção científica, desde os seus gritos, expressões faciais, tudo num tom bastante assustador. 
Filme britânico lançado em 1981, "Inseminoid", também conhecido por "Horror Planet", é o filho de Nick e Gloria Maley. Nick é o maquilhador de serviço de "Lifeforce", "Krull", "Star Wars Episode IV", "Star Wars Episode V", "Superman", e "Superman II". Na saga de "Star Wars" ele fez, por exemplo, a cena da Cantina, uma das mais reconhecíveis universalmente. E não esquecer o realizador Norman J. Warren, que tinha fala dos seus filmes serem inesperadamente violentos. Traz consigo uma sólida plataforma para os autores tecerem a sua teia de enganos e realidade. E foi assim que a equipa formada pelos Maley e por Norman J. Warren funcionou lindamente.
Estreado em Março de 1981 no Reino Unido, chegou ao Fantasporto no ano seguinte, mas ainda passou por outro festival de cinema fantástico, também a sar os primeiros passos. O Fantafestival, em Roma, onde ganhou o prémio de melhores efeitos especiais.

Link
Imdb

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A Guerra dos Mundos: o Próximo Século (Wojna Swiatów - Nastepne Stulecie) 1981

28 de Dezembro de 1999. Três dias antes do início do novo século. Um repórter local, Iron Idem, anuncia que os marcianos aterraram. Pouco tempo depois o seu programa perde a independência: recebe instruções para dizer às pessoas como acolher os invasores. Então rebenta o caos: os marcianos e a polícia maltratam a população, e as coisas tornam-se violentas. A própria esposa de Idem é raptada, e parece que alguém está a tentar reduzir a sua eficácia como repórter. 
Dedicado a H.G. Wells e a Orson Welles esta sátira de ficção científica polaca, da era da solidariedade, não é bem uma sequela para a invasão que o título sugere, embora siga Welles em alguns pormenores, como os marcianos a beberem sangue humano. Uma possível leitura do filme, é que nem se tratam de extraterrestres mas sim uma conspiração de vampiros, que falsificam uma visita de marcianos para cumprirem os seus próprios propósitos.
Realizado por Piotr Szulkin, um realizador polaco autor de quatro parábolas políticas nos anos oitenta, todas disfarçadas de filmes de ficção cientifica, leva a que se questione como era o mundo em que se vivia naquele tempo, pois Szulkin oferece-nos um assalto bem violento às realidades da vida comunista. A Polónia era na altura um dos estados mais repressivos da Europa do Leste, o que torna tudo ainda mais estranho, e o filme é um ataque brutal à televisão, ao governo, e aos meios utilizados para coagir o público. 
Passou pela primeira edição do Fantasporto, e ganhou o prémio de Melhor Realizador, ganho ex-aqueo com David Gladwell de "Memoirs of a Survivor".

Link
Imdb

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

The Fortress (Az Eröd) 1979

 Uma empresa do estado ficcional anuncia um programa bizarro: os turistas que procuram emoção, e podem pagá-la, têm 48 horas com armas reais, para cercar um castelo principalmente construído para mercenários defensivos. O objectivo é que os mercenários caem e os turistas possam ficar contentes por tomarem o castelo. Masas coisas não vão correr conforme planeado...
 Um jogo de Guerra ao estilo de paintball bastante realista, que coloca frente a frente um grupo de clientes ricos contra mercenários altamente qualificados, e que começa a correr mal quando a guerra simulada começa a ficar muito real. Uma espécie de "reality TV", onde amadores lutam contra profissionais e as regras nunca são muito claras. Desde o ínicio ficamos com a sensação de que os criadores do jogo estão a esconder alguma coisa dos jogadores pagantes, e é possível que o governo esteja metido nisto.
Da Hungria chegava-nos este pequeno filme, uma espécie de batalha futurista realizado por Miklós Szinetár, um realizador de Budapeste, mais virado para a televisão, numa das suas poucas aventuras pelo cinema. Baseado num livro de Gyula Hernádi, um conhecido escritor húngaro que colaborou em alguns filmes de Miklós Jancsó, entre os quais "Vermelhos e Brancos". 
Por esta altura era dificil ao cinema húngaro saír do seu pais, mas "Az Eröd" ficou primeiro conhecido por ser exíbido no Festival de Moscovo de 1979, que, nesta altura, era uma montra importante para o cinema feito na Europa do Leste.
Legendas em inglês. O filme nunca teve lançamento em DVD, esta versão é gravada da televisão. 

Link
Imdb

domingo, 18 de fevereiro de 2018

A Bela e a Fera (Panna a Netvor) 1978

Julie é filha de um comerciante falido, sendo a única entre as irmãs, que opta por salvar a vida do seu pai, indo até a um castelo num bosque amaldiçoado, onde conhece um estranho ser. A princípio ele quer matá-la, mas a beleza da jovem impede-o disso. Embora proibida de vê-lo, ela começa a amá-lo, tornando-se este amor, a única forma de resgatá-lo da sua maldição.
Publicado em 1756 pelo francês Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, "La Belle et la Bête" era uma história, ela própria, uma versão reescrita e abreviada de um livro escrito anteriormente por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, e viria a tornar-se num dos contos de fadas mais famosos de todos os tempos. A história de uma bela mulher da classe trabalhadora chamada Belle, com o mais amável e puro coração de todas as suas irmãs, que se apaixona por uma besta, e eventualmente o transforma num príncipe bonito. Teve numerosas adaptações para o teatro e para o cinema, com as mais famosas para o cinema a ficarem a de Jean Cocteau realizada em 1946 e a da Disney em 1991.
Esta versão, do checo Juraj Herz, realizador de "Cremator", uma comédia negra sobre o nazismo e o holocausto, está longe de ser uma versão conhecida, mas, é, provavelmente, um dos mais belos filmes de sempre retirados dos contos de fadas. A versão de Cocteau era uma alegoria sobre a ocupação e libertação da França, mas aqui filmava-se na Checoslováquia, e encontrava-se vestígios de simbolismo político, pertencentes à sombra do Comunismo, que era o sistema político vigente em grande parte da Europa do Leste, naquela altura.     
O filme de Juraj já tinha quatro anos quando chegou ao Fantasporto, e tinha brilhado no Festival de Sitges em 1979 onde ganhou o prémio de Melhor Realizador. Mas como nesta altura, sobretudo aos filmes fantásticos europeus, era difícil serem exibidos, foi repescado para esta primeira edição do Fantasporto. Aliás, grande parte dos filmes desta primeira edição do Fantasporto foram repescados de outros anos. "Panna a Netvor" não passou por despercebido, e ganhou uma Menção Especial no Festival.

Link
Imdb

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

El Caminante (El Caminante) 1979

Na Idade Média, o diabo assume a forma humana, atende pelo nome de Leonardo, e viaja em volta da Terra para ver como os seres humanos evoluíram. Ao fazer isto, ele mente, rouba, seduz, mata e torna-se rico no processo. Pelas suas viagens, ele adopta um jovem, Tomás, e faz dele seu servo, ensinando-lhe os maus caminhos. 
Os críticos que não se tinham entusiasmado muito com os filmes de terror do actor e argumentista Paul Naschy, desde este "El Caminante" reavaliaram a sua carreira, principalmente os seus trabalhos mais significativos. O próprio Naschy considerou este o seu filme mais significativo: uma fantasia medieval satírica e descarada, muito na veia de Luis Buñuel ou Pier Paolo Pasolini. Ambicioso e acompanhado pelo excepcional director de fotografia Alejandro Ulloa, que já tinha filmado "The Diabolical Dr. Z" (1965) para Jess Franco, "Perversion Story" (1969), para Lucio Fulci, ou "Companeros" (1970) de Sérgio Corbucci, e uma série de clássicos da exploitation, o filme tem um ambiente apocalíptico muito mais inquietante do que qualquer outro filme de terror de Naschy, e na sua essência nem sequer é um filme de terror, funcionando muito mais como uma comédia.
Naschy também tem o papel de protagonista, que lhe assenta como uma luva, um arrogante fanfarrão com uma cintilação diabólica e maliciosa nos seus olhos. Neste contexto, finalmente faz sentido todas as mulheres caírem a seus pés. Observando o seu Satanás crucificado a olhar para o céu e amaldiçoando Deus pela sua parte de culpa em dar vida a todos nós "porcos", é talvez a cena mais pungente e poderosa que o actor já fez.
Naschy participou com dois filmes nesta primeira edição do Fantasporto. O segundo veremos mais para a frente.

Link
Imdb

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Fantasporto 1982

Em 2018 vamos prestar uma série de homenagens ao Fantasporto, e provavelmente também a outros festivais, mas, numa série de ciclos, iremos aqui recordar várias edições deste festival, cada ciclo respeitante a um ano, com os filmes dessa edição a passarem aqui no blog. Ao fim de 37 anos este festival continua a ser um dos festivais de cinema fantástico mais importantes da Europa.
O Fantasporto - Festival Internacional de Cinema do Porto teve início em 1981, com uma edição experimental, mas foi em 1982 teve uma edição mais séria, com uma secção competitiva. Neste primeiro ano fizeram parte da selecção oficial 19 filmes, originários de países como Checoslováquia, Jugoslávia, Espanha, França, RFA, Estados Unidos, Polónia, entre outros. Destes 19 filmes, 14 irão passar neste ciclo do My Two Thousand Movies, ficando de fora apenas 5 por serem muito raros e serem impossíveis de se encontrar na internet. Mais para a frente, em 2018, irão ser recordadas outras edições do festival, em cada ciclo respectivo. Por agora, preparem-se para a primeira edição do Fantasporto Online. Até já.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

O Arco (Hwal) 2005

Nos anos 60, num barco de pesca em alto-mar, um homem cria uma jovem desde quando era bébé. O combinado é que se casariam quando ela completasse 17 anos e falta um ano para que tal aconteça. Eles vivem de uma forma simples, rezando e alugando o barco para pescadores, mas as coisas mudam quando um jovem tripulante entra nas suas vidas.
"Kim Ki-duk e os seus filmes estranhos e poéticos. “O Arco” é ousado, corajoso, desconcertante, incómodo, bizarro e quem o assiste sente esse peso nas próprias costas, não pelas cenas fortes, mas pelo tema que é tratado, ainda mais na atualidade que casos do tipo ocorrem com frequência. O grande mérito do filme é a capacidade extrema de provocar essas sensações. Só não é considerado o teor muito controverso porque o Kim sabe fazer filme com muita beleza e sensibilidade, um exercício musical e de poesia, um “cinema-arte” tocante. A banda sonora, como já foi destacada pelos críticos, tem uma fusão despadronizada e arrepiante com as cenas, elevando ainda mais os sentimentos.
O desenrolar da história é de um total anticlímax, desejamos profundamente uma reconciliação heróica por parte do senhor homem, todavia, percebemos a pura realidade de um filme fora dos arquétipos, que possivelmente isso não aconteça, que possivelmente não nos agrade em termos de ideologia, mas nunca em termos cinematográficos, porque tudo é feito com muita dignidade."

Link
Imdb

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Nocturna - A Noite Mágica (Nocturna) 2007

Tim, um menino que vive num orfanato, enche-se de coragem para enfrentar a sua assustadora sombra que lhe mete tanto medo. Para o conseguir, vai viver uma fantástica aventura em Nocturna, um mundo paralelo que surge cada noite ao adormecermos. Aqui irá conhecer todas as criaturas da noite e com elas fará uma fabulosa viagem para tentar salvar a sua estrela mais querida: Adhara.
A beleza desta aventura animada reside na caracterização da infância. É representada como um momento em que as crianças brilhantes e sensíveis se encontram capazes de reconhecer problemas e perigos que os adultos não possam ver até que seja tarde demais. "Nocturna" é uma descrição lírica de uma batalha de uma criança contra os pressupostos dos adultos, que por vezes são perigosamente incorrectos.
Realizado a quatro mãos pelos espanhóis Adrià Garcia e Victor Maldonado, é o único trabalho desta dupla de realizadores até hoje.  Por cá foi visto unicamente numa das primeiras edições do Motelx, e no Brasil nunca foi visto, mas é uma obra de animação a descobrir por toda a família.

Link
Imdb

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O Pântano (La Cienaga) 2001

No mês de fevereiro, no pantanal do Noroeste argentino, o calor se junta às chuvas tropicais. Hà alguns kilometros da cidade La Ciénaga está a Mandragora, uma propriedade rural onde Mecha, com 50 anos, passa as férias de verão com os seus quatro filhos e um marido inexistente. Esquece a sua tristeza no vinho. Tali é a prima de Mecha. Também tem quatro filhos. Dois acidentes vão reunir essas duas familias.
"Na sequência de abertura de La ciénaga (Le marécage)(2001), o intenso tilintar do gelo nas taças é algo que fica tão impregnado na nossa memória quanto o vermelho excessivamente saturado que colore a bebida servida aos personagens. Também são extremamente pregnantes os ruídos que acompanham os planos-detalhes ou fechados desses instantes iniciais do filme – como se, na mixagem final, o volume desses elementos tivesse recebido um ganho sonoro muito maior que os outros sons que os circundam em cena. Escutamos claramente o arrastar do ferro das cadeiras de praia pelo chão de cimento, o ranger de suas molas ao sabor dos corpos que se esticam em letargia, as trovoadas anunciando a intensa chuva de verão vindoura – todos eles não apenas estão bastante presentes, como também colaboram na desconfortável sensação de imprecisão perceptiva que se apossa do espectador, graças a um encadeamento de planos que não nos permite mensurar adequadamente distâncias e localizações no espaço cênico que lhe é apresentado.
Mais adiante, um grupo de garotos corre pelas ruas agitadas da cidadezinha, tentando alcançar as jovens que, incansáveis, tentam fugir das bexigas cheias d’água que seus perseguidores insistentemente lançam em sua direção. Subitamente, elas entram numa loja de roupas, e uma delas fecha atrás de si uma grande porta de vidro. Num big close, vemos os lábios de uma adolescente murmurarem algo, enquanto a bexiga estoura contra o vidro que a protege. A água escorre pela superfície com uma suavidade que contrasta com a intensidade com que o ruído ecoa pela sala de exibição, mais próximo das entrelinhas que pontuam o jogo erótico travado entre meninos e meninas recém-ingressados à puberdade. Todavia, essa sobrevalorização dos elementos sonoros acaba sendo essencial para a experiência sensorial proposta ao espectador pelo filme de Lucrecia Martel, criando pontos de escuta privilegiados que permitem traduzir, de certa forma, a sensação dos corpos filmados a vagar por um ambiente em que o calor e umidade insuportáveis regem tanto o torpor dos adultos quanto a ebulição dos mais jovens.
Acredito que os três longas-metragens que compõem a filmografia da argentina Lucrecia Martel partilham de um certo “realismo sensório” (Vieira Jr., 2011) que emerge numa certa vertente do cinema contemporâneo. Tal realismo seria marcado pela construção narrativa através de ambiências, pela adoção de um olhar microscópico sobre o espaço-tempo cotidiano e por uma experiência afetiva marcada pela sobrevalorização de uma sensorialidade multilinear e dispersiva. Trata-se de uma espécie de denominador comum entre filmes realizados nas últimas duas décadas por cineastas tão diversos quanto Lucrecia Martel, Hou Hsiao Hsien, Apichatpong Weerasethakul, Claire Denis e Naomi Kawase, entre outros."
Texto de Erly Vieira Jr.

Link
Imdb

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Blind Mountain (Mang Shan) 2007

A jovem estudante Bai Xuemei é enganada e vendida como esposa por traficantes de seres humanos para uma aldeia isolada. Violada e espancada, ela leva a vida de uma escrava sexual e fica sem esperanças de conseguir fugir, por causa da apatia e egoísmo dos moradores locais. Quando finalmente fugir é apenas o começo de uma outra tragédia.
Alguns periodos sobre a epidemia do tráfico de seres humanos concentraram-se no papel do crime organizado, que seguiam mulheres desesperadas da Europa do Leste que se deixavam levar pela promessa de trabalho de um proxeneta e acabavam por ser escravizadas na prostituição. Mas os mitos da história também estão repletos de incidentes por raptos de mulheres para esposas, e "Blind Moutain" demonstra que este péssimo costume não desapareceu na antiguidade.
O chinês Li Yang, no seu segundo filme, é particularmente eficiente a demonstrar o quanto é tão difícil, mesmo para uma mulher espirituosa e educada escapar, seja por resistência activa ou passiva, protestos contra o chefe da aldeia ou a sua família em casa, ou suborno sexual. Fugir desta bela paisagem montanhosa é quase impossível. Embora Bai tenha momentos dispersos de gentileza, com meninos e professores da escola, os horríveis momentos de castigação aumentam de dia para dia. 
Li Yang fez uma extensa pesquisa, e o casting de uma série de actores não profissionais, incluindo algumas vitimas verdadeira de violações e os seus salvadores. Enquanto o seu primeiro filme "Blind Shaft" era sobre a ganância na industria da mineração e foi feito de forma completamente anónima sem permissão do governo, "Blind Mountain" tem uma longa lista de colaborações entre autoridades governamentais, e o dedo apontado apenas para os habitantes locais e os legisladores. 

Link
Imdb

domingo, 4 de fevereiro de 2018

A Cativa (La Captive) 2000

Simon é um jovem parisiense que vive num apartamento elegante com a avó e a namorada, Ariane. O intenso amor de Simon para com Ariane faz com que tenha suspeitas sobre a fidelidade da namorada e segue-a durante um tempo, acreditando que ela tem um caso lésbico. No fim, convencido de que Ariane leva uma vida dupla sórdida, Simon insiste que se separem, um acto que resulta em consequências trágicas...
Vagamente baseado no quinto volume do monolítico de Proust "Á la Recherche du Temps Perdu", La Captive é um negro estudo do amor obsessivo de Chantal Akerman, atualmente uma das realizadoras mais cotadas da Bélgica. A sensação que fica é que o filme é mais um thriller psicológico do que um tradicional drama romântico, com frequentes referências a Vertigo de Hitchcock, mais do que evidentes.
 A característica mais marcante é a sua fotografia austera. A maior parte do filme passa-se durante a noite ou em ambientes escuros, algo que constantemente enfatiza a relação de prisioneiro/carcereiro dos dois jovens amantes. Acrescente-se a isso as interpretações contidas (mas eficazes) dos dois atores principais, e o resultado é uma obra assombrosamente existencialista, um poema negro e arrepiante de um romance de conto de fadas distorcido, obliterado por aberrações mentais perversas. 
Pelo lado negativo, a frieza implacável do filme rouba-o da humanidade e enfraquece a caracterização a tal ponto que é quase impossível a simpatizar com os personagens centrais. Nós nunca compreendemos a razão para o comportamento de Simon, e ele continua a ser um enigma, uma caixa fechada, e até à sequência final final. No entanto, apesar de um pouco longo, La Captive impressiona como uma obra profundamente perturbadora que oferece uma quantidade instigante de paranoia e desejo.

Link
Imdb

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Swimming Pool (Swimming Pool) 2003

Sarah Morton (Charlotte Rampling) é uma escritora inglesa cujos romances policiais conciliam sucesso de vendas e prestígio junto da crítica. A convite de seu editor, ela viaja para a casa de campo dele, na Provence francesa, onde supostamente vai encontrar a tranquilidade necessária para escrever o seu próximo livro. Mas a paz de Sarah é interrompida com a chegada de Julie (Ludivine Sagnier), a filha do editor, uma adolescente linda e cheia de vida por quem a escritora sentirá uma grande e estranha atração.
Francois Ozon brinca uma vez mais com os géneros convencionais do cinema, desta vez no campo do drama criminal. São duas histórias em uma, sendo a primeira um drama silencioso e contemplativo que envolve a luta pela liberdade sexual de uma autora conservadora com ciumes da jovem sensual com quem é obrigada a partilhar o espaço. A segunda metade do filme cai para o thriller psicológico, com alguns acrescentos engenhosamente entrelaçados. 
Com temas muito subtis sobre a sexualidade geracional, notam-se as diferenças entre as sensibilidades francesas e britânicas, e um tom feminista, mas o filme dificilmente chegaria a bom porto sem as brilhantes interpretações que tem de Charlotte Rampling e Ludivine Sagnier. Seria o primeiro filme de Ozon em língua inglesa.

Link
Imdb