Em 1970, numa pequena cidade russa, um grupo de jovens revolucionários anarquistas tem como objectivo derrubar o regime czarista através da violência. Os ataques causam um clima de psicose e desconfiança mútua entre a população. Mas, na realidade, tanto os revolucionários como os opressores estão a ser manipulados por um diabólico indivíduo, que usa a violência para satisfazer as suas vinganças pessoais.
Desta vez é o polaco Andrej Wajda a recriar de maneira brilhante a atmosfera de terror e tensão do profético livro de Dostoiévski, sobre os riscos do fanatismo político. De um redemoinho de más intenções nasce o incêndio que queimou a vila dos estudantes e acabou por tomar a russia imperial. Com a sensibilidade dos grandes artistas Fiodor Dostoievski antecipa em 45 anos os crimes da Revolução Russa de 1917.
O twist que Wajda trouxe para o filme é essencial. Loucura, relações humanas frágeis e utopia são os principais ingredientes, entre os quais também se encontra a evolução de várias personagens russas. Nenhuma delas parece fazer parte do mundo real, todas parecem fazer parte do reino da filosofia.
Uma equipa de produção muito boa, com um argumento escrito a oito mãos, onde se incluía a realizadora polaca Agnieszka Holland e o francês Jean-Claude Carrière. O elenco também era bastante razoável, e contava com nomes como Isabelle Hupert, Bernard Blier, Omar Sharif, Lambert Wilson e Jerzy Radziwilowicz, protagonista de dois dos mais famosos filmes deste realizador, "Homem de Ferro" e "Homem de Mármore".
O filme concorria no festival de Berlin de 1988. De realçar ainda que o pai do realizador polaco foi assassinado pelos russos em 1940, quando ele tinha apenas 14 anos, numa tragédia que foi chamada de "O Massacre da Floresta de Katyn".
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quinta-feira, 31 de março de 2016
quarta-feira, 30 de março de 2016
Partner (Partner) 1968
Giacobbe (Pierre Clémenti) é tentado pela sua existência solitária, no exacto momento em que tenta cometer suicídio, evocando o seu duplo. O sósia de Giacobbe exige um compromisso mais forte com ele, enquanto Giacobbe está mais preocupado com Clara, a filha dos seus colegas por quem ele se apaixonou loucamente. Poderão Giacobbe e o seu alter-ego co-existirem juntos, ou poderá o seu amor por Clara criar uma barreira entre os dois, provocando danos irreparáveis?
Ao longo da década de sessenta Bernardo Bertolucci procurava o seu próprio estilo cinematográfico, ainda em principio de carreira, e alternando entre o Teatro e o Cinema. Estreou-se com " La Commare Secca", um noir neo-realista com argumento do seu mentor, Pier Paolo Pasolini. Seguiu-se "Antes da Revolução", onde claramente se notam influências da Nouvelle Vague, e de Godard, com a política a sexualidade e a psicologia a estarem intrinsecamente ligadas. O seu terceiro filme seria este "Partner", que ainda devia mais a Godard, obviamente derivado dos seus filmes políticos de meados dos anos sessenta, como "La Chinoise", ou "Deux ou trois choses que je sais d'elle". Ostensivamente baseado num conto de Dostoiévski chamado "O Duplo", é na verdade uma boa tentativa de ensaio de filme radical, ao melhor estilo de Godard.
Do ponto de vista do início do século 21, "Partner" poderia ser apenas uma curiosidade na carreira do realizador, não fosse o seu cruzamento com o muito interessante "The Dreamers", de 2003. Ambos os filmes ocorrem no mesmo momento da história, a tumultuosa primavera europeia de 1968, quando os estudantes se revoltaram contra o poder político. Com este cenário comum, a abundante homenagem à Nouvelle Vague, e o tema partilhado da dualidade, quase se poderia dizer que "The Dreamers" seria uma actualização deste "Partner".
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Ao longo da década de sessenta Bernardo Bertolucci procurava o seu próprio estilo cinematográfico, ainda em principio de carreira, e alternando entre o Teatro e o Cinema. Estreou-se com " La Commare Secca", um noir neo-realista com argumento do seu mentor, Pier Paolo Pasolini. Seguiu-se "Antes da Revolução", onde claramente se notam influências da Nouvelle Vague, e de Godard, com a política a sexualidade e a psicologia a estarem intrinsecamente ligadas. O seu terceiro filme seria este "Partner", que ainda devia mais a Godard, obviamente derivado dos seus filmes políticos de meados dos anos sessenta, como "La Chinoise", ou "Deux ou trois choses que je sais d'elle". Ostensivamente baseado num conto de Dostoiévski chamado "O Duplo", é na verdade uma boa tentativa de ensaio de filme radical, ao melhor estilo de Godard.
Do ponto de vista do início do século 21, "Partner" poderia ser apenas uma curiosidade na carreira do realizador, não fosse o seu cruzamento com o muito interessante "The Dreamers", de 2003. Ambos os filmes ocorrem no mesmo momento da história, a tumultuosa primavera europeia de 1968, quando os estudantes se revoltaram contra o poder político. Com este cenário comum, a abundante homenagem à Nouvelle Vague, e o tema partilhado da dualidade, quase se poderia dizer que "The Dreamers" seria uma actualização deste "Partner".
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segunda-feira, 28 de março de 2016
Quatro Noites de um Sonhador ( Quatre Nuits d'un Rêveur) 1971
Uma noite, Jacques, um jovem pintor, cruza com uma jovem mulher, Marthe, que está prestes a cometer suicídio pulando da Pont-Neuf, em Paris. Marthe tem o coração partido por causa do seu ex-amante, que a deixou à um ano atrás. Jacques sente-se imediatamente atraído por ela, e pede-lhe para se encontrarem no dia seguinte, no mesmo sítio. Ela concorda, e passam as noites seguintes a vaguear por Paris, partilhando das suas fantasias e sonhos. Na quarta noite Jacques está totalmente apaixonado por Marthe, mas o inesperado acontece...
Das treze longas metragens que Robert Bresson dirigiu, "Quatre Nuits d'un Rêveur" é a mais negligenciada, certamente a mais atípica, e a mais difícil de definir. Baseado num conto de Fyodor Dostoyevsky, "Noites Brancas" (de quem já vimos uma versão neste ciclo), o filme parece ter muito mais em comum com os da Nouvelle Vague, do que de um cineasta de renome por causa das suas representações do sofrimento e da redenção. Guillaume des Forêts, que interpreta o papel central, tem uma incrível semelhança com Jean-Pierre Léaud, o mais emblemático realizador dessa geração, que podemos facilmente enganar-nos e dizer que este é um filme de Rivette, Godard ou Truffaut, e a história não estaria muito longe da obra de Rohmer. No entanto, apesar de ter sido influenciado pela Nouvelle Vague, serve também de homenagem e crítica desse movimento, e é também uma obra típica de Bresson, tão intenso e perfeitamente trabalhado como qualquer outro filme que ele fez.
Tal como outros filmes do seu tempo, reflecte a desilusão que foi sentida na sequência do Maio de 68, protestos anti-governamentais, uma sucessão de greves e manifestações que paralisaram o país inteiro, e o deixaram à beira da guerra cívil. Jacques, o personagem principal, é a personificação perfeita deste idealismo, um pintor abstracto cija infantilidade revela não só um temperamento infantil de espírito livre, mas também um romantismo à moda antiga, fundada numa crença na justiça e nos ideais básicos. Render-se a uma noção perfeita do amor, altruísta e inviolável, parece ser a única missão de Jacques na sua vida, o que tem influência na sua arte.
Considerando que a maioria dos seus filmes foi feita nesta fase, terrivelmente sombria e pessimista, " Quatre nuits d'un rêveur" tem um calor surpreendente, embora seja difícil dizer se Bresson está a ser irónico ou sincero no seu retrato desta nova geração.Nem Jacques nem Marthe se aproximam da representação da juventude moderna, ele é um sonhador que se aprisiona num mundo de fantasia. Ela é uma egocêntrica que vive apenas para o momento. Ambos são vistos como hippies, que têm de perceber a fragilidade das suas ilusões. Ganhou o OCIC Award no festival de Berlim, em 1971.
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Das treze longas metragens que Robert Bresson dirigiu, "Quatre Nuits d'un Rêveur" é a mais negligenciada, certamente a mais atípica, e a mais difícil de definir. Baseado num conto de Fyodor Dostoyevsky, "Noites Brancas" (de quem já vimos uma versão neste ciclo), o filme parece ter muito mais em comum com os da Nouvelle Vague, do que de um cineasta de renome por causa das suas representações do sofrimento e da redenção. Guillaume des Forêts, que interpreta o papel central, tem uma incrível semelhança com Jean-Pierre Léaud, o mais emblemático realizador dessa geração, que podemos facilmente enganar-nos e dizer que este é um filme de Rivette, Godard ou Truffaut, e a história não estaria muito longe da obra de Rohmer. No entanto, apesar de ter sido influenciado pela Nouvelle Vague, serve também de homenagem e crítica desse movimento, e é também uma obra típica de Bresson, tão intenso e perfeitamente trabalhado como qualquer outro filme que ele fez.
Tal como outros filmes do seu tempo, reflecte a desilusão que foi sentida na sequência do Maio de 68, protestos anti-governamentais, uma sucessão de greves e manifestações que paralisaram o país inteiro, e o deixaram à beira da guerra cívil. Jacques, o personagem principal, é a personificação perfeita deste idealismo, um pintor abstracto cija infantilidade revela não só um temperamento infantil de espírito livre, mas também um romantismo à moda antiga, fundada numa crença na justiça e nos ideais básicos. Render-se a uma noção perfeita do amor, altruísta e inviolável, parece ser a única missão de Jacques na sua vida, o que tem influência na sua arte.
Considerando que a maioria dos seus filmes foi feita nesta fase, terrivelmente sombria e pessimista, " Quatre nuits d'un rêveur" tem um calor surpreendente, embora seja difícil dizer se Bresson está a ser irónico ou sincero no seu retrato desta nova geração.Nem Jacques nem Marthe se aproximam da representação da juventude moderna, ele é um sonhador que se aprisiona num mundo de fantasia. Ela é uma egocêntrica que vive apenas para o momento. Ambos são vistos como hippies, que têm de perceber a fragilidade das suas ilusões. Ganhou o OCIC Award no festival de Berlim, em 1971.
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sábado, 26 de março de 2016
Crime e Castigo (Rikos ja Rangaistus) 1983
A personagem principal da história é um jovem empregado de um matadouro que comete um crime insensato. A partir daí, ele inicia sua trajetória de marginalidade e solidão. Uma jovem que, acidentalmente chega na cena do crime, é a única pessoa que deseja seguir ao seu lado.
É quase inevitável comentar o risco que seria adaptar o livro de Dostoiévski "Crime e Castigo", como primeira obra, um trabalho que podia facilmente ter acabado com a carreira, então florescente, de Aki Kaurismäki. De acordo com o realizador, ele teve duas fortes razões para o fazer. A primeira, seria que se ele fosse caír, preferia que fosse apenas de alguns centímetros, do que de uma grande altura, disse isto porque a sua carreira estava no início. A segunda, foi porque Hitchcock havia dito que este livro era muito difícil de filmar, ao que a reacção do finlandês foi: "I´ll show you, old man".
A história original é actualizada, e passa para os dias modernos da cidade de Helsínquia. Onde o Raskolnikov de Dostoiévski era incrivelmente torturado seu crime, o Rahikainen de Kaurismäki parece praticamente intocável pela morte, e a sua sua preocupação moral e emocional parecem vir mais do medo da captura, e os seus encontros com o inspector Pennanen são um jogo de inteligência, entre estas duas personagens. Não é surpresa que estas cenas sejam das mais emocionantes do filme.
A motivação pode ter mudado na versão de Kaurismäki, mas a complexidade da psicologia do assassino permanece essencialmente a mesma, uma vez que a substância da história não é ironicamente sobre o crime, nem sobre a punição, mas uma consideração do lugar do indivíduo na sociedade e as noções de culpa. Quando ele não consegue aceitar a moralidade, leis e regras, encontra-se numa posição intolerável e muito solitária.
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É quase inevitável comentar o risco que seria adaptar o livro de Dostoiévski "Crime e Castigo", como primeira obra, um trabalho que podia facilmente ter acabado com a carreira, então florescente, de Aki Kaurismäki. De acordo com o realizador, ele teve duas fortes razões para o fazer. A primeira, seria que se ele fosse caír, preferia que fosse apenas de alguns centímetros, do que de uma grande altura, disse isto porque a sua carreira estava no início. A segunda, foi porque Hitchcock havia dito que este livro era muito difícil de filmar, ao que a reacção do finlandês foi: "I´ll show you, old man".
A história original é actualizada, e passa para os dias modernos da cidade de Helsínquia. Onde o Raskolnikov de Dostoiévski era incrivelmente torturado seu crime, o Rahikainen de Kaurismäki parece praticamente intocável pela morte, e a sua sua preocupação moral e emocional parecem vir mais do medo da captura, e os seus encontros com o inspector Pennanen são um jogo de inteligência, entre estas duas personagens. Não é surpresa que estas cenas sejam das mais emocionantes do filme.
A motivação pode ter mudado na versão de Kaurismäki, mas a complexidade da psicologia do assassino permanece essencialmente a mesma, uma vez que a substância da história não é ironicamente sobre o crime, nem sobre a punição, mas uma consideração do lugar do indivíduo na sociedade e as noções de culpa. Quando ele não consegue aceitar a moralidade, leis e regras, encontra-se numa posição intolerável e muito solitária.
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sexta-feira, 25 de março de 2016
A Mulher Pública (La Femme Publique) 1984
Uma jovem e inexperiente actriz é convidada para um papel num filme, baseado numa peça de Dostoiévski, "Os Possessos". O realizador é um checo imigrante em Paris, que toma conta da sua vida, e em pouco tempo ela é incapaz de separar a ficção da realidade. Ela acaba por desempenhar esse papel na vida real, posando como a esposa falecida de outro imigrante checo, que é manipulado pelo realizador a cometer um assassinato político.
Mais de 30 anos depois da sua controversa estreia no Festival de Cannes esta história continua a reter o poder de chocar, até o mais experiente dos cinéfilos, graças ao seu ambiente violentamente elegante, e tom apocalíptico. O destino de uma mulher dividida entre anjo e demónio. Quase duas horas de uma felicidade dolorosa, "La Femme Publique" mexe-nos com a alma, e seduz-nos como o turbilhão que cada um de esconde dentro do seu subconsciente. Andrejz Zulawski não é um homem de palavras, ele joga e faz malabarismos com a imagem, a cor, o ritmo, o som, a música, e essa falta de vergonha que ele rouba aos actores de forma inexplicável. Entre humor e paroxismo, "La Femme Publique" é uma experiência metafísica fascinante, com um grau de intensidade que precisa de ser visto para ser acreditado.
Na altura da estreia dividiu um pouco as opiniões, com alguns críticos a considerarem o argumento confuso. De acordo com Zulawski, a história original era mais íntima, e então ele pediu ao co-argumentista e autor original, Dominique Garnier, para adicionar uma subtrama política. No papel central tínhamos Valérie Kaprisky, um sex symbol dos anos 80, que no ano anterior se tinha destacado em "Breathless", remake do filme de Godard, "A Bout de Soufflé".
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Mais de 30 anos depois da sua controversa estreia no Festival de Cannes esta história continua a reter o poder de chocar, até o mais experiente dos cinéfilos, graças ao seu ambiente violentamente elegante, e tom apocalíptico. O destino de uma mulher dividida entre anjo e demónio. Quase duas horas de uma felicidade dolorosa, "La Femme Publique" mexe-nos com a alma, e seduz-nos como o turbilhão que cada um de esconde dentro do seu subconsciente. Andrejz Zulawski não é um homem de palavras, ele joga e faz malabarismos com a imagem, a cor, o ritmo, o som, a música, e essa falta de vergonha que ele rouba aos actores de forma inexplicável. Entre humor e paroxismo, "La Femme Publique" é uma experiência metafísica fascinante, com um grau de intensidade que precisa de ser visto para ser acreditado.
Na altura da estreia dividiu um pouco as opiniões, com alguns críticos a considerarem o argumento confuso. De acordo com Zulawski, a história original era mais íntima, e então ele pediu ao co-argumentista e autor original, Dominique Garnier, para adicionar uma subtrama política. No papel central tínhamos Valérie Kaprisky, um sex symbol dos anos 80, que no ano anterior se tinha destacado em "Breathless", remake do filme de Godard, "A Bout de Soufflé".
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quarta-feira, 23 de março de 2016
O Maoísta (La Chinoise) 1967
Paris, Verão de 1967. Alguns tentavam aplicar os princípios que romperam com a burguesia da URSS e dos partidos comunistas ocidentais em nome de Mao Tse Tung... Imersos no pensamento de Mao e em literatura comunista, um grupo de estudantes franceses começa a questionar a sua posição no mundo e as possibilidades de o mudar, mesmo que isso signifique considerar o terrorisrmo como via possível.
"Para apreciar "La Chinoise" de Jean-Luc Godard, hoje em dia, é preciso colocá-lo no contexto da sua evolução artística da altura, que se estende por um longo período de tempo, mesmo antes das suas realizações, quando ele era um jovem crítico de uma publicação rebelde". Com a sua primeira longa-metragem, "À Bout de Souffle" (1960), Godard tinha saltado da crítica para realizador de cinema da Nouvelle Vague, um movimento iconoclasta que reflectia a turbulência cultural daquele período. Godard era a figura emblemática do grupo, inovador, provocador, e constantemente a desafiar o "status quo" da narração fílmica.
"La Chinoise" concentrava-se nas actividades de cinco estudantes radicais de esquerda, que lutam para esclarecer e avançar com os seus objectivos revolucionários. O título refere-se à divisão emergente que se registava na altura entre o marxismo-leninismo da Rússia e o e o maoismo chinês, acentuado pelo recente lançamento da revolução cultural chinesa. Os estudantes radicais deste filme preferem as noções extremistas da versão chinesa do comunismo. Assim, como Godard, estes revolucionários ficam descontentes com a narrativa comunista convencional, e procuram algo mais.
Os personagens principais são vagamente baseados numa história de Dostoiévski, "Os Possessos", embora a história acabe por vaguear para uma direcção completamente diferente. Agora, pode-se analisar "La Chinoise" para perceber até onde ela representa uma modernização do conto de Dostoiévski, mas o foco de Godard, é um pouco diferente, pois a sua visão é muito mais política do que o conto original.
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"Para apreciar "La Chinoise" de Jean-Luc Godard, hoje em dia, é preciso colocá-lo no contexto da sua evolução artística da altura, que se estende por um longo período de tempo, mesmo antes das suas realizações, quando ele era um jovem crítico de uma publicação rebelde". Com a sua primeira longa-metragem, "À Bout de Souffle" (1960), Godard tinha saltado da crítica para realizador de cinema da Nouvelle Vague, um movimento iconoclasta que reflectia a turbulência cultural daquele período. Godard era a figura emblemática do grupo, inovador, provocador, e constantemente a desafiar o "status quo" da narração fílmica.
"La Chinoise" concentrava-se nas actividades de cinco estudantes radicais de esquerda, que lutam para esclarecer e avançar com os seus objectivos revolucionários. O título refere-se à divisão emergente que se registava na altura entre o marxismo-leninismo da Rússia e o e o maoismo chinês, acentuado pelo recente lançamento da revolução cultural chinesa. Os estudantes radicais deste filme preferem as noções extremistas da versão chinesa do comunismo. Assim, como Godard, estes revolucionários ficam descontentes com a narrativa comunista convencional, e procuram algo mais.
Os personagens principais são vagamente baseados numa história de Dostoiévski, "Os Possessos", embora a história acabe por vaguear para uma direcção completamente diferente. Agora, pode-se analisar "La Chinoise" para perceber até onde ela representa uma modernização do conto de Dostoiévski, mas o foco de Godard, é um pouco diferente, pois a sua visão é muito mais política do que o conto original.
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terça-feira, 22 de março de 2016
O Idiota (Hakuchi) 1951
Depois de sair de um manicómio, um homem decide
mudar-se de cidade. É quando Kameda viaja para Hokkaiko e acaba por se envolver com duas mulheres, vindo a relacionar-se com uma delas -
ainda que esteja apaixonado pela outra. O drama instaura-se com a
iminência de um assassinato, depois de uma perceber que não é amada e decidir
tomar providências drásticas quanto à sua situação.
Provavelmente não é muito razoável dizer que a adaptação de "O Idiota", de Fyodor Dostoiévski por Akira Kurosawa, seja o seu filme mais esquecido. Ainda fresco do sucesso de "Rashômon", o filme com o qual alcançaria aclamação internacional, e o título que abria portas do cinema japonês para o público ocidental, Kurosawa trocou de estúdio, do Daiei para o Shôchiku, para a sua próxima aventura, uma adaptação do seu livro preferido, do seu autor preferido. O resultado foi uma obra dividida em duas partes, com quase quatro horas e meia de duração, o que à partida o tornaria difícil de ser digerido pelo público. A pedido do estúdio, Kurosawa tentou cortá-lo um pouco mais, de modo a torná-lo menos complicado, mas mesmo assim não conseguia satisfazer os seus empregadores. Novos cortes surgiram, agora partindo do patrão, e os 266 minutos iniciais foram reduzidos para 166. A versão mais comprida era, de longe, a melhor, e estes 100 minutos cortados foram procurados durante muito tempo, mas acabaram por ser considerados perdidos para sempre.
O que nos restou acabou por ser um produto curioso. Apesar de algumas alterações terem sido feitas, principalmente terem movido a história da Rússia do século 18 para um inverno japonês pós-segunda guerra mundial, a história permaneceu muito fiel ao livro original. Também reunia um elenco do agrado dos apreciadores do cinema japonês clássico, incluindo Setsuko Hara, Yoshiko Kuga e Chieko Higashiyama. Para ajudá-lo, Kurosawa reuniu também uma equipa que era a nata do cinema japonês da altura, mas mesmo assim é bastante difícil avaliar esta obra, sabendo nós de antemão que poderia ter sido uma obra muito melhor, se a versão original fosse mantida.
Àqueles familiares com o livro talvez seja mais fácil de preencher os detalhes narrativos em falta, e trazer um sentido, atmosfera e espírito ao filme, mas infelizmente, dado o tratamento nas mãos do estúdio, é apenas uma parte de um todo. Ainda assim, é uma obra a descobrir.
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Provavelmente não é muito razoável dizer que a adaptação de "O Idiota", de Fyodor Dostoiévski por Akira Kurosawa, seja o seu filme mais esquecido. Ainda fresco do sucesso de "Rashômon", o filme com o qual alcançaria aclamação internacional, e o título que abria portas do cinema japonês para o público ocidental, Kurosawa trocou de estúdio, do Daiei para o Shôchiku, para a sua próxima aventura, uma adaptação do seu livro preferido, do seu autor preferido. O resultado foi uma obra dividida em duas partes, com quase quatro horas e meia de duração, o que à partida o tornaria difícil de ser digerido pelo público. A pedido do estúdio, Kurosawa tentou cortá-lo um pouco mais, de modo a torná-lo menos complicado, mas mesmo assim não conseguia satisfazer os seus empregadores. Novos cortes surgiram, agora partindo do patrão, e os 266 minutos iniciais foram reduzidos para 166. A versão mais comprida era, de longe, a melhor, e estes 100 minutos cortados foram procurados durante muito tempo, mas acabaram por ser considerados perdidos para sempre.
O que nos restou acabou por ser um produto curioso. Apesar de algumas alterações terem sido feitas, principalmente terem movido a história da Rússia do século 18 para um inverno japonês pós-segunda guerra mundial, a história permaneceu muito fiel ao livro original. Também reunia um elenco do agrado dos apreciadores do cinema japonês clássico, incluindo Setsuko Hara, Yoshiko Kuga e Chieko Higashiyama. Para ajudá-lo, Kurosawa reuniu também uma equipa que era a nata do cinema japonês da altura, mas mesmo assim é bastante difícil avaliar esta obra, sabendo nós de antemão que poderia ter sido uma obra muito melhor, se a versão original fosse mantida.
Àqueles familiares com o livro talvez seja mais fácil de preencher os detalhes narrativos em falta, e trazer um sentido, atmosfera e espírito ao filme, mas infelizmente, dado o tratamento nas mãos do estúdio, é apenas uma parte de um todo. Ainda assim, é uma obra a descobrir.
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segunda-feira, 21 de março de 2016
Noites Brancas (Le Notti Bianche) 1957
O filme conta a história de Mario, um homem solitário que encontra a bela Natalia a chorar numa ponte. Ao longo das noites, Natalia conta a Mario a história da sua paixão por um homem misterioso que se hospedou na pensão da sua avó, e de como ele a deixou, um ano antes, prometendo voltar. Encantado com a inocência da jovem, Mario apaixona-se e tenta fazer com que ela esqueça o antigo namorado.
"Le Notti Bianche" ocupa uma posição central no corpo da obra de Luchino Visconti. Aparentemente, pelo menos, porque consuma uma ruptura com o neo-realisno dos anos 40 e 50, e prepara caminho para "O Leopardo" na sua rendição da subjectividade pelo estilo visual, e "Vaghe stelle dell’orsa" (1965), na sua dependência da metáfora como um dispositivo de estruturação. Mas as aparências podem ser enganadoras, porque Visconti voltaria ao seu velho estilo em 1960, com "Rocco e os Seus Irmãos", e também porque "Le Notti Bianche" também é, fundamentalmente, um filme realista, apesar das suas excursões para o campo da fantasia.
Visconti também gostava de trabalhar com originais da literatura, que depois adaptava com vários graus de liberdade. Le Notti Bianche" foi um exemplo feliz da mistura de liberdade e respeito com que ele e os seus argumentistas se aproximaram da sua tarefa. Leva o título e o enredo básico de uma história de 1848 de Fyodor Dostoiévski. Tanto na história como no livro um jovem solitário encontra uma jovem solitária: ele (Marcello Mastroianni) é um estranho recém-chegado à cidade, ela (Maria Schell) viveu sempre em isolamento, mesmo no coração da cidade, e a solidão é intensificada porque está apaixonada por um homem (Jean Marais), que pode ou não regressar, mas que continua a ocupar a sua vida, excluindo qualquer outro relacionamento possível. Ao longo de um período de quatro noites (final de Primavera no livro, Inverno no filme), Mário conhece-a e apaixona-se por ela. Na transformação de livro para filme Visconti livra-se da narração na primeira pessoa e fez da rapariga um pouco menos inocente, chegando a torná-la, algumas vezes, em histérica e provocadora. No decurso dessas mudanças ele também fez um final mais triste.
A cidade de Livorno, onde se passa a acção, foi filmada inteiramente em estúdio, e o filme ganharia o Leão de Prata no Festival de Veneza de 1957, apenas perdendo o Ouro para "Aparajito" de Satyajit Ray.
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"Le Notti Bianche" ocupa uma posição central no corpo da obra de Luchino Visconti. Aparentemente, pelo menos, porque consuma uma ruptura com o neo-realisno dos anos 40 e 50, e prepara caminho para "O Leopardo" na sua rendição da subjectividade pelo estilo visual, e "Vaghe stelle dell’orsa" (1965), na sua dependência da metáfora como um dispositivo de estruturação. Mas as aparências podem ser enganadoras, porque Visconti voltaria ao seu velho estilo em 1960, com "Rocco e os Seus Irmãos", e também porque "Le Notti Bianche" também é, fundamentalmente, um filme realista, apesar das suas excursões para o campo da fantasia.
Visconti também gostava de trabalhar com originais da literatura, que depois adaptava com vários graus de liberdade. Le Notti Bianche" foi um exemplo feliz da mistura de liberdade e respeito com que ele e os seus argumentistas se aproximaram da sua tarefa. Leva o título e o enredo básico de uma história de 1848 de Fyodor Dostoiévski. Tanto na história como no livro um jovem solitário encontra uma jovem solitária: ele (Marcello Mastroianni) é um estranho recém-chegado à cidade, ela (Maria Schell) viveu sempre em isolamento, mesmo no coração da cidade, e a solidão é intensificada porque está apaixonada por um homem (Jean Marais), que pode ou não regressar, mas que continua a ocupar a sua vida, excluindo qualquer outro relacionamento possível. Ao longo de um período de quatro noites (final de Primavera no livro, Inverno no filme), Mário conhece-a e apaixona-se por ela. Na transformação de livro para filme Visconti livra-se da narração na primeira pessoa e fez da rapariga um pouco menos inocente, chegando a torná-la, algumas vezes, em histérica e provocadora. No decurso dessas mudanças ele também fez um final mais triste.
A cidade de Livorno, onde se passa a acção, foi filmada inteiramente em estúdio, e o filme ganharia o Leão de Prata no Festival de Veneza de 1957, apenas perdendo o Ouro para "Aparajito" de Satyajit Ray.
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domingo, 20 de março de 2016
O Sonho de um Homem Ridículo (Son Smeshnogo Cheloveka) 1992
É uma história dividida em cinco partes e contada por um narrador-protagonista, que teve uma revelação através de um sonho utópico. Ele relata as suas experiências a partir do momento em que conclui que não há mais nada para viver, e, portanto, está determinado a cometer suicídio. Um encontro casual com uma jovem o faz mudar de ideias.
Aleksandr Petrov é um animador russo com uma carreira que já se arrasta desde 1988, mas apenas no campo das curtas-metragens de animação. Das seis curtas que realizou quatro foram nomeadas para o Óscar, tendo conquistado um com uma adaptação de "O Velho e o Mar", no ano 2000. O mundo de Petrov não engana muito, as palavras não são suficientes para descrever a sua beleza incrível, quase de sonho, de cada uma das suas curtas.
"Son Smeshnogo Cheloveka" inspira-se no conto de Dostoiévski do mesmo nome, e não só captura a essência da história original, como também a eleva para outro nível, através da arte da animação. O nível de detalhe em cada frame é impressionante, capturando as qualidades mais simples de cada aspecto da realidade e do mundo dos sonhos. A história leva-nos por estes dois mundos, até um ponto onde a realidade e o sonho podem ser igualmente possíveis.
Existe uma versão no YouTube legenda em português, que podem ver aqui. A versão para download tem legendas em inglês.
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Aleksandr Petrov é um animador russo com uma carreira que já se arrasta desde 1988, mas apenas no campo das curtas-metragens de animação. Das seis curtas que realizou quatro foram nomeadas para o Óscar, tendo conquistado um com uma adaptação de "O Velho e o Mar", no ano 2000. O mundo de Petrov não engana muito, as palavras não são suficientes para descrever a sua beleza incrível, quase de sonho, de cada uma das suas curtas.
"Son Smeshnogo Cheloveka" inspira-se no conto de Dostoiévski do mesmo nome, e não só captura a essência da história original, como também a eleva para outro nível, através da arte da animação. O nível de detalhe em cada frame é impressionante, capturando as qualidades mais simples de cada aspecto da realidade e do mundo dos sonhos. A história leva-nos por estes dois mundos, até um ponto onde a realidade e o sonho podem ser igualmente possíveis.
Existe uma versão no YouTube legenda em português, que podem ver aqui. A versão para download tem legendas em inglês.
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Raskolnikov (Raskolnikov) 1923
O estudante Raskolnikov, que escreveu um artigo sobre leis e crime propondo a tese de que uma pessoa normal pode cometer crimes se as suas acções forem necessárias para o beneficio da humanidade, assassina um homem que trabalha numa loja de penhores, bem como a sua irmã, que aparece na altura errada. Ele é considerado suspeito, mas alguém confessa o crime. Mas Raskolnikov começa a sentir remorsos pelos crimes que cometeu, e a sua mente começa a ser revirada pelo sentimento da culpa...
"Crime e Castigo" foi levado mais de 20 vezes ao cinema, e esta versão, de 1923, foi apenas a terceira. Realizada por Robert Wiene, um dos expoentes máximos do expressionismo alemão, autor de obras como "O Gabinete do Dr. Caligari" ou "As Mãos de Orlac", que utiliza muitas das técnicas postas em acção nos filmes referidos, como cenários pintados, ou a perspectiva distorcida. "Crime e Castigo" acabou por ser, não surpreendentemente, uma boa aposta para o estilo de Wiene, com a visão cada vez mais bizarra do herói, a ser literalizada nos cenários fantásticos. O filme parece ter um orçamento superior a "Caligari", com Wiene a procurar uma visão mais tridimensional.
Wiene também teve a sorte de trabalhar com um grupo de actores imigrantes russos, que tinham sido treinados por Stanislawski, e trabalhado no Moscow Art Theater. Claramente, eles tiveram de se adaptar à abordagem muito distinta de Wiene, para atingir perfomances expressionistas, com o papel principal a ser muito bem interpretado por Gregori Chmara.
A trama do filme, adaptada pelo próprio Wiene, é desenvolvida com total coerência e tem alguns pontos brilhantes nas sequência de Raskolnikov torturado pela imagem do espectro das pessoas assassinadas. A cenografia expressionista, que já havíamos visto em "O Gabinete do Dr. Caligari", destaca um universo realista e sufocante, e é essencial, junto com a gesticulação dos personagens, para criar a sensação de depressão, que atravessa o filme.
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"Crime e Castigo" foi levado mais de 20 vezes ao cinema, e esta versão, de 1923, foi apenas a terceira. Realizada por Robert Wiene, um dos expoentes máximos do expressionismo alemão, autor de obras como "O Gabinete do Dr. Caligari" ou "As Mãos de Orlac", que utiliza muitas das técnicas postas em acção nos filmes referidos, como cenários pintados, ou a perspectiva distorcida. "Crime e Castigo" acabou por ser, não surpreendentemente, uma boa aposta para o estilo de Wiene, com a visão cada vez mais bizarra do herói, a ser literalizada nos cenários fantásticos. O filme parece ter um orçamento superior a "Caligari", com Wiene a procurar uma visão mais tridimensional.
Wiene também teve a sorte de trabalhar com um grupo de actores imigrantes russos, que tinham sido treinados por Stanislawski, e trabalhado no Moscow Art Theater. Claramente, eles tiveram de se adaptar à abordagem muito distinta de Wiene, para atingir perfomances expressionistas, com o papel principal a ser muito bem interpretado por Gregori Chmara.
A trama do filme, adaptada pelo próprio Wiene, é desenvolvida com total coerência e tem alguns pontos brilhantes nas sequência de Raskolnikov torturado pela imagem do espectro das pessoas assassinadas. A cenografia expressionista, que já havíamos visto em "O Gabinete do Dr. Caligari", destaca um universo realista e sufocante, e é essencial, junto com a gesticulação dos personagens, para criar a sensação de depressão, que atravessa o filme.
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sábado, 19 de março de 2016
Dostoiévski no Cinema
Há uns tempos encontrei uma publicação na Internet e decidi lançar um desafio: e se o MTTM acolhesse um ciclo dedicado a Dostoiévski? A ideia pareceu ganhar toda a simpatia possível e imaginária… e este texto é uma introdução possível, não ao ciclo, mas ao autor que motiva/inspira esta selecção de filmes feita pelo Francisco Rocha.
Sobre Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821-1881), entre nós comumente conhecido por Dostoiévski, jamais me atreveria a escrever de um ponto de vista meramente biográfico e historiográfico – o exercício que me predisponho a fazer é completamente diferente: escrevo sob o ponto de vista de alguém que conhece Dostoiévski por intermédio das suas obras, uma relação que floresceu e tem vindo a ser construída desde há 15 anos.
Para além de escritor e de um retratista exemplar dos costumes da Rússia do século XIX, os seus romances e contos prestam-se a dar-nos um depoimento intemporal da interioridade humana. As temáticas que abordou contemplam todos os quadrantes da nossa existência, sem olhar a barreiras geográficas ou a delimitações temporais – o amor, a fragilidade, a vaidade, a compaixão, os medos, os ciúmes, a loucura, a fé, a destruição (de nós próprios e dos outros), retratados por personagens que as vivem intensamente; que questionam, que pensam, que sentem. Um pulsar de ideias e de sentimentos.
No seu primeiro romance, “Gente Pobre”, escrito em 1846, Dostoiévski, na altura com 25 anos, demonstra a sua empatia para com as pessoas de condições sociais desfavorecidas – e essa extrema sensibilidade para com a pobreza e as diferenças sociais será uma constante na sua obra –, arriscando ao nível da forma e do conteúdo: sem qualquer introdução ou apresentação, o autor mergulha-nos no universo da correspondência íntima entre duas personagens que se amam mas que jamais poderão contrair matrimónio. O que os impede tem um único rosto, um único nome: dinheiro. As (de)limitações materiais da existência humana e os direitos adquiridos por nascimento são violentamente expostos e condenados – e nos romances seguintes haverá uma evolução desses temas, compreendendo-se que conceitos como “posse”, “propriedade privada”, “bens materiais” geram desconfiança e são constantemente alvo de crítica.
Não almejando, no entanto, à perfeição, Dostoiévski teve os seus demónios interiores; a sua acuidade na descrição de estados interiores tidos como transtornos/desvios à norma (depressões, despersonalizações, loucuras, ciúmes doentios, paranoias) terá derivado tão-somente do facto do autor ser um observador-nato, já que não lhe foi diagnosticada uma doença de foro psiquiátrico. No entanto, a sua ludomania ficou sobejamente conhecida (um vício que durou cerca de 10 anos), possivelmente por causa da obra “O Jogador”. Estima-se que a última vez que o autor jogou tenha sido em 1871, altura em que escrevia “Os Demónios”.
Não podemos dizer que a obra de Dostoiévski seja auto-biográfica, mas há, a meu ver, um livro em particular que se aproxima mais do depoimento sentido e vivo dos sofrimentos de um homem, do que de um romance. Refiro-me a “Cadernos da Casa Morta”, uma das obras mais assombrosas e comoventes que alguma vez li. É certo que quando alguém cria (escritores, realizadores, pintores, músicos…) está a ser influenciado e inspirado por algo, e esse algo encontra-se frequentemente ao nível das vivências pessoais – no caso de Dostoiévski, a sua inspiração brotou das memórias de infância, do seu envolvimento com o grupo revolucionário Petrashevski e da prisão. O Círculo Petrashevski reunia um conjunto mais ou menos arbitrário de intelectuais, estudantes, oficiais do exército, que se juntavam para debater temas da actualidade e de pendor artístico; numa fase de tumultos sociais na Europa (1848), o czar Nicolau I, temendo que essas vozes revolucionárias eclodissem à sua porta, tomou medidas de prevenção. O Círculo foi extinto e os seus membros presos e condenados à morte por fuzilamento. A sentença aplicada a Dostoiévski viria a ser comutada para quatro anos nos trabalhos forçados e seis anos de exílio no exército – dez anos depois de ter sido preso (incluindo um período de encarceramento numa cela solitária) Dostoiévski é libertado em 1859. Quem conhecer as páginas de “Os Cadernos da Casa Morta” conhecerá, também, a minha dificuldade em compreender onde acaba o protagonista e narrador, Aleksandr Petróvitch Goriántchikov, e onde começa o autor.
Admirador de inúmeros escritores – que também exerceram uma influência no seu estilo e temáticas abordadas –, como Pushkin, George Sand, Shakespeare, Schiller, Balzac, Hoffmann, Goethe e Victor Hugo, Fiódor Dostoiévski criou e aprimorou uma escrita só sua e um tom quase confessional: o autor veste frequentemente a pele do narrador, criando um forte sentimento de proximidade para com o leitor; somos convidados a participar na acção, a ocupar um espaço ao lado das personagens ficcionadas. O “eu” do narrador, soando na nossa cabeça, torna-se o nosso “eu” – mas desengane-se quem pensar que os seus romances são excessivamente cerebrais ou abstractos: a intensidade dos pensamentos das personagens são expostos, não nos monólogos e nos pensamentos dirigidos apenas ao leitor, mas sim no confronto entre personagens e nos momentos de maior tensão dramática (nos diálogos): a progressão narrativa nasce no exterior, não no interior.
É possível que, para alguns, este texto pareça descontextualizado e/ou pouco apropriado/ajustado a um ciclo de cinema. Mas, para mim, são as abordagens diferentes (aquelas que provocam estranheza inicial) que realmente me surpreendem – ver o mundo sob uma nova perspetiva, ter dados novos para olhar um objecto, um assunto, um Ser. Dostoiévski fez isso comigo, marcou-me pela diferença, e a interpretação que faço do mundo que me rodeia (onde está incluída a minha paixão pelo cinema) foi – e é – influenciada por ele.
Vanessa Sousa Dias | Março de 2016
Os meus agradecimentos à Vanessa por esta fantástica introdução. Podem ler mais escrita dela sobre este e outros autores no seu blog, o V. Míchkin. A partir de amanhã começaremos o desfile de filmes baseados ou influenciados pela obra de Dostoiévski. Esperemos que gostem e bom fim de semana.
quinta-feira, 17 de março de 2016
The Field - Esta Terra é Minha (The Field) 1990
"Bull" McCabe (Richard Harris), é um agricultor que cultiva um terreno desde à gerações, sacrificando-se para conseguir manter o seu modo de sustento. Quando a viúva que detém o terreno decide vendê-lo num leilão público, McCabe acha que deve ficar com ele. Mas se ninguém na aldeia não ousaria fazer uma oferta contra ele, o mesmo já não se pode dizer de um americano rico que pretende fazer passar ali uma auto estrada. Bull e o filho decidem convencer o americano a não comprar o terreno, mas as coisas correm terrivelmente mal.
"The Field" é um drama angustiante passado na Irlanda rural do século passado, durante a década de 30, sobre a obsessão, segredos de família, medo de estranhos, e o papel da igreja na definição das regras numa pequena comunidade. Baseado no livro de John B. Keane, é realizado pelo irlandês Jim Sheridan, um ano depois do seu triunfante filme de estreia "My Left Foot", que lhe valeu dois Óscares a actores, e outras nomeações, entre as quais a de Melhor Filme, Realizador e Argumento. Nota-se claramente que o objectivo era repetir a gracinha, e para isso Sheridan rodeia-se de um grupo de óptimos actores. Para Harris, foi um regresso à forma, depois de passar quase duas décadas apagado em filmes menores. Valeu-lhe a sua segunda nomeação para os Óscares, embora nem tenha sido o melhor papel do filme. Esse foi para John Hurt num papel secundário, como Bird. Harris via a sua carreira relançada, e logo no ano seguinte aparecia ao lado de Clint Eastwood, Gene Hackman e Morgan Freeman, em "Unforgiven".
Como um todo, o filme falhou como sucessor de "My Left Foot", mas, mesmo assim é uma excelente alegoria sobre a vida dura na terra, e sobre a vida no interior da Irlanda, beneficiando assim de um bom aproveitamento dos exteriores filmados no próprio país.
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"The Field" é um drama angustiante passado na Irlanda rural do século passado, durante a década de 30, sobre a obsessão, segredos de família, medo de estranhos, e o papel da igreja na definição das regras numa pequena comunidade. Baseado no livro de John B. Keane, é realizado pelo irlandês Jim Sheridan, um ano depois do seu triunfante filme de estreia "My Left Foot", que lhe valeu dois Óscares a actores, e outras nomeações, entre as quais a de Melhor Filme, Realizador e Argumento. Nota-se claramente que o objectivo era repetir a gracinha, e para isso Sheridan rodeia-se de um grupo de óptimos actores. Para Harris, foi um regresso à forma, depois de passar quase duas décadas apagado em filmes menores. Valeu-lhe a sua segunda nomeação para os Óscares, embora nem tenha sido o melhor papel do filme. Esse foi para John Hurt num papel secundário, como Bird. Harris via a sua carreira relançada, e logo no ano seguinte aparecia ao lado de Clint Eastwood, Gene Hackman e Morgan Freeman, em "Unforgiven".
Como um todo, o filme falhou como sucessor de "My Left Foot", mas, mesmo assim é uma excelente alegoria sobre a vida dura na terra, e sobre a vida no interior da Irlanda, beneficiando assim de um bom aproveitamento dos exteriores filmados no próprio país.
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quarta-feira, 16 de março de 2016
Um Homem na Solidão (Man in the Wilderness) 1971
Em 1820, os territórios do Norte da América eram inóspitos e de vida selvagem. Um grupo de caçadores de peles de animais regressa dessa região antes que o inverno chegue e os castigue a todos. Zachary (Richard Harris) é o guia e batedor do grupo, que atacado pelo temido urso selvagem americano, é ferido e deixado para trás para morrer, pelo líder dos caçadores, o paranóico Capitão Henry (John Huston, o realizador). Zachary sobrevive e persegue o grupo em busca de vingança, não sem antes conviver e aprender sobre a vida selvagem com os índios da região.
"Man in the Wilderness" é vagamente baseado na história e vida de Hugh Glass, e numa expedição que este realizou ao Missouri entre 1818 e 1820, história esta que recentemente deu origem a um outro filme, "The Revenant", que valeu um Óscar a Leonardo DiCáprio e outro a Alejandro González Iñárritu. Foi filmado perto de Covaleda, província de Soria, Espanha, com o terreno a ser mais parecido com o deserto das montanhas de Adirondack, do que da área em questão. No mesmo local foram filmadas muitas cenas de "Doctor Zhivago", que David Lean realizara alguns anos antes. Um dos aspectos mais fortes deste filme, é o "mood" e a atmosfera, com o realizador Richard C. Sarafian e a sua equipa a colocarem muito detalhe na mais pequena coisa, trazendo muito realismo a esta esta história de sobrevivência.
O filme deixa por explicar alguns detalhes, como a razão porque as larvas limparam as feridas infectadas, mas a verdadeira história também era inexplicável, mas Richard Harris tem aqui uma interpretação incrível, provavelmente a melhor da sua carreira, assim como é muito agradável o papel do veterano realizador, John Huston.
Foi o filme que sucedeu a "Vanishing Point" na carreira de Sarafian, o seu filme mais aclamado. "Man in the Wilderness" acabou por ficar esquecido durante muitos anos, para voltar agora para a ribalta.
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"Man in the Wilderness" é vagamente baseado na história e vida de Hugh Glass, e numa expedição que este realizou ao Missouri entre 1818 e 1820, história esta que recentemente deu origem a um outro filme, "The Revenant", que valeu um Óscar a Leonardo DiCáprio e outro a Alejandro González Iñárritu. Foi filmado perto de Covaleda, província de Soria, Espanha, com o terreno a ser mais parecido com o deserto das montanhas de Adirondack, do que da área em questão. No mesmo local foram filmadas muitas cenas de "Doctor Zhivago", que David Lean realizara alguns anos antes. Um dos aspectos mais fortes deste filme, é o "mood" e a atmosfera, com o realizador Richard C. Sarafian e a sua equipa a colocarem muito detalhe na mais pequena coisa, trazendo muito realismo a esta esta história de sobrevivência.
O filme deixa por explicar alguns detalhes, como a razão porque as larvas limparam as feridas infectadas, mas a verdadeira história também era inexplicável, mas Richard Harris tem aqui uma interpretação incrível, provavelmente a melhor da sua carreira, assim como é muito agradável o papel do veterano realizador, John Huston.
Foi o filme que sucedeu a "Vanishing Point" na carreira de Sarafian, o seu filme mais aclamado. "Man in the Wilderness" acabou por ficar esquecido durante muitos anos, para voltar agora para a ribalta.
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segunda-feira, 14 de março de 2016
Cromwell (Cromwell) 1970
Na primeira metade do século 17, a Inglaterra encontra-se em plena crise económica e ideológica, o povo está afundado na miséria e o Rei acaba de fechar o parlamento. Descrente do Estado absolutista, o puritano Oliver Cromwell (Richard Harris) irá lutar contra o Rei e os seus abusos de poder, desencadeando uma guerra civil na Inglaterra.
O final da década de sessenta, e início da década de setenta viu um último suspiro para o chamado "filme de género britânico", o épico histórico, que tentava combinar a tradicional riqueza da história britânica, com a acção real, que já há muito vinha a definir o cinema de Hollywood com uma visão muito mais sóbria sobre a história. Exemplos de alguns épicos britânicos dos últimos anos, "Becket" (1964) e "A Man for All Seasons" (1966). A maioria destes filmes eram fracassos, e poucos conseguiam alguma consideração crítica, embora a alguns agora seja dado algum valor, como "Anne of the Thousand Days" (1968) de Charles Jarrot, "Alfred the Great" (1969), de Clive Donner ou "Nicholas and Alexandra" (1971), de Franklin Schaffner. A razão pela falta de sucesso dentro deste género, foi, em parte, devido ao fracasso do projecto de Stanley Kubrick sobre Napoleão, que nunca chegou a ter início. Mas, "Cromwell", com o realizador Ken Hughes a liderar um elenco de actores britânicos leais, que incluía Richard Harris (no papel do título) e Alec Guiness, levando-os através da revolta de Oliver Cromwell contra Carlos I, era um projecto ambicioso. Primeiro porque tinha um realizador que vinha de um grande êxito, " Chitty Chitty Bang Bang" (1968),e provas já dadas no cinema inglês, segundo, porque tinha material histórico para fazer um filme muito interessante.
O filme obteve algumas críticas negativas na altura em que saiu, principalmente por causa de algumas imprecisões históricas, facilmente desmascaradas por pessoas com o mínimo de conhecimento histórico, mas como filme, e ignorando estes pequenos detalhes, é bastante persuasivo, valendo a Harris uma das suas prestações mais fortes. Ganhou o Óscar de Melhor Guarda Roupa, e uma nomeação para Melhor Música.
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O final da década de sessenta, e início da década de setenta viu um último suspiro para o chamado "filme de género britânico", o épico histórico, que tentava combinar a tradicional riqueza da história britânica, com a acção real, que já há muito vinha a definir o cinema de Hollywood com uma visão muito mais sóbria sobre a história. Exemplos de alguns épicos britânicos dos últimos anos, "Becket" (1964) e "A Man for All Seasons" (1966). A maioria destes filmes eram fracassos, e poucos conseguiam alguma consideração crítica, embora a alguns agora seja dado algum valor, como "Anne of the Thousand Days" (1968) de Charles Jarrot, "Alfred the Great" (1969), de Clive Donner ou "Nicholas and Alexandra" (1971), de Franklin Schaffner. A razão pela falta de sucesso dentro deste género, foi, em parte, devido ao fracasso do projecto de Stanley Kubrick sobre Napoleão, que nunca chegou a ter início. Mas, "Cromwell", com o realizador Ken Hughes a liderar um elenco de actores britânicos leais, que incluía Richard Harris (no papel do título) e Alec Guiness, levando-os através da revolta de Oliver Cromwell contra Carlos I, era um projecto ambicioso. Primeiro porque tinha um realizador que vinha de um grande êxito, " Chitty Chitty Bang Bang" (1968),e provas já dadas no cinema inglês, segundo, porque tinha material histórico para fazer um filme muito interessante.
O filme obteve algumas críticas negativas na altura em que saiu, principalmente por causa de algumas imprecisões históricas, facilmente desmascaradas por pessoas com o mínimo de conhecimento histórico, mas como filme, e ignorando estes pequenos detalhes, é bastante persuasivo, valendo a Harris uma das suas prestações mais fortes. Ganhou o Óscar de Melhor Guarda Roupa, e uma nomeação para Melhor Música.
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sábado, 12 de março de 2016
Um Homem Chamado Cavalo (A Man Called Horse) 1970
John Morgan, um aristocrata inglês de modos refinados, faz parte de uma expedição a Dacota em 1821, quando é capturado pela tribo dos "Mãos Amarelas", índios da nação Sioux.É inicialmente escravizado e tratado como um animal de carga pelos guerreiros. Depois é colocado a trabalhar com as mulheres da tribo, nos seus afazeres domésticos. Com o tempo ele aprende a respeitar a cultura nativa, ao mesmo tempo que os seus captores o aceitam como um dos seus.
O final dos anos 60, e início dos anos 70, foi uma era de revisionismo para o cinema de género para o cinema americano, e, por essa altura, nenhum género foi tão reformulado como o grande e mítico western. Filme após filme, todas as convenções e temáticas do western foram examinadas, desmontadas e criticadas. Em filmes como "The Wild Bunch" de Sam Peckinpah, o Velho Oeste era retratado como uma era em que os ideias e eram coisas do passado, enquanto noutros filmes como "Soldier Blue" de Ralph Nelson ou "Little Big Man", de Arthur Penn, a relação paradigmática entre o "bom" (cavalaria dos EUA) e o "mau" (indios) foi revista para melhor reflectir a realidade histórica do genocídio perpetuado pelo governo.
Outro western revisionista desta época foi "A Man Called Horse", um filme que tentava retratar antropologicamente a vida diária de uma tribo de indios Sioux no Dakota, no início do século 19. Refez a narrativa convencional do "filme-captura", concentrando-se não no modo como os raptados vão ser resgatados pela civilização, mas sim em como o prisioneiro se vai adaptar ao modo de vida dos seus captores, ao ponto de escolher estes em relação a voltar para a civilização. Centrando-se na experiência do homem branco com os Sioux, os indíos são mostrados como sendo uma cultura exótica e estranha, porque são julgados em função dos critérios de civilidade do Ocidente.
"A Man Called Horse" oferece-nos uma visão fascinante sobre outra cultura, mesmo que essa visão nos seja mostrada pelos olhos de alguém que vem do lado de fora. Elliot Silverstein, realizador e argumentista, faz-nos um favor ao não usar legendas e não deixando que os índios falem qualquer inglês, a barreira linguística entre Morgan e a sua sociedade adoptiva persiste até ao fim, o que serve como uma metáfora para a triste capacidade entre muitas cultura se comunicarem. O papel de Morgan foi o qual pelo que Richard Harris ficou mais conhecido, levando o filme a ter mais duas sequelas: "O Regresso de um Homem Chamado Cavalo" e "O Triunfo de um Homem Chamado Cavalo".
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O final dos anos 60, e início dos anos 70, foi uma era de revisionismo para o cinema de género para o cinema americano, e, por essa altura, nenhum género foi tão reformulado como o grande e mítico western. Filme após filme, todas as convenções e temáticas do western foram examinadas, desmontadas e criticadas. Em filmes como "The Wild Bunch" de Sam Peckinpah, o Velho Oeste era retratado como uma era em que os ideias e eram coisas do passado, enquanto noutros filmes como "Soldier Blue" de Ralph Nelson ou "Little Big Man", de Arthur Penn, a relação paradigmática entre o "bom" (cavalaria dos EUA) e o "mau" (indios) foi revista para melhor reflectir a realidade histórica do genocídio perpetuado pelo governo.
Outro western revisionista desta época foi "A Man Called Horse", um filme que tentava retratar antropologicamente a vida diária de uma tribo de indios Sioux no Dakota, no início do século 19. Refez a narrativa convencional do "filme-captura", concentrando-se não no modo como os raptados vão ser resgatados pela civilização, mas sim em como o prisioneiro se vai adaptar ao modo de vida dos seus captores, ao ponto de escolher estes em relação a voltar para a civilização. Centrando-se na experiência do homem branco com os Sioux, os indíos são mostrados como sendo uma cultura exótica e estranha, porque são julgados em função dos critérios de civilidade do Ocidente.
"A Man Called Horse" oferece-nos uma visão fascinante sobre outra cultura, mesmo que essa visão nos seja mostrada pelos olhos de alguém que vem do lado de fora. Elliot Silverstein, realizador e argumentista, faz-nos um favor ao não usar legendas e não deixando que os índios falem qualquer inglês, a barreira linguística entre Morgan e a sua sociedade adoptiva persiste até ao fim, o que serve como uma metáfora para a triste capacidade entre muitas cultura se comunicarem. O papel de Morgan foi o qual pelo que Richard Harris ficou mais conhecido, levando o filme a ter mais duas sequelas: "O Regresso de um Homem Chamado Cavalo" e "O Triunfo de um Homem Chamado Cavalo".
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quinta-feira, 10 de março de 2016
Os Heróis de Telemark (The Heroes of Telemark) 1965
Durante a Segunda Grande Guerra, a Noruega é ocupada pela Alemanha Nazi. Lá, os cientistas alemães desenvolvem a "água pesada", componente essencial para se chegar à bomba atómica, que poderá dar a vitória a Hitler. A Resistência Norueguesa interfere nestes planos, avisando os aliados do local da fábrica, que poderão bombardear o lugar a qualquer momento, causando inúmeras mortes de civis. Kirk Douglas e Richard Harris são os líderes dessa resistência e tudo farão para impedir os alemães de conseguirem a Bomba H.
Penúltimo filme de Anthony Mann, bem longe dos seus melhores, mas ainda tem algum culto, principalmente devido ao elenco, e a algumas sequências de acção de grande qualidade. Os fiordes e as montanhas norueguesas sobrecarregam os personagens, e a história é medíocre, embora o filme tenha sido filmado em exteriores históricos como a fábrica de Norsky Hydro Vermork e o ferry de Lake Tinnsjo. É um conto de espionagem heróica sobre a Segunda Guerra Mundial, inspirado numa história real, mas trabalhado com a invenção de Hollywood. Falha ao atribuir o habitual lado negro, das personagens de Mann, ou qualquer significado psicológico, mas tem algumas sequências fantásticas, filmadas de Ski, pelo treinador Olímpico norueguês, Helge Stoyrlen, mas no geral o filme cumpre se funcionar como simples entretenimento comercial.
Uma curiosidade, alguns anos antes, Douglas era o produtor de "Spartacus", e substituiu Anthony Mann por Stanley Kubrick a meio das filmagens. Mas isso não os impediu de voltarem a trabalhar juntos. Do elenco, e para além de Douglas e Harris, destacam-se Ulla Jacobsson, Michael Redgrave, Patrick Jordan, William Marlowe, Anton Diffring eVictor Beaumont.
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Penúltimo filme de Anthony Mann, bem longe dos seus melhores, mas ainda tem algum culto, principalmente devido ao elenco, e a algumas sequências de acção de grande qualidade. Os fiordes e as montanhas norueguesas sobrecarregam os personagens, e a história é medíocre, embora o filme tenha sido filmado em exteriores históricos como a fábrica de Norsky Hydro Vermork e o ferry de Lake Tinnsjo. É um conto de espionagem heróica sobre a Segunda Guerra Mundial, inspirado numa história real, mas trabalhado com a invenção de Hollywood. Falha ao atribuir o habitual lado negro, das personagens de Mann, ou qualquer significado psicológico, mas tem algumas sequências fantásticas, filmadas de Ski, pelo treinador Olímpico norueguês, Helge Stoyrlen, mas no geral o filme cumpre se funcionar como simples entretenimento comercial.
Uma curiosidade, alguns anos antes, Douglas era o produtor de "Spartacus", e substituiu Anthony Mann por Stanley Kubrick a meio das filmagens. Mas isso não os impediu de voltarem a trabalhar juntos. Do elenco, e para além de Douglas e Harris, destacam-se Ulla Jacobsson, Michael Redgrave, Patrick Jordan, William Marlowe, Anton Diffring eVictor Beaumont.
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terça-feira, 8 de março de 2016
Major Dundee (Major Dundee) 1965
Durante o último inverno da Guerra Civil o Oficial da Cavalaria Amos Dundee (Charlton Heston) leva um grupo de tropas de contenciosos do exército, prisioneiros confederados e batedores, numa expedição ao México, para destruir um grupo de Apaches que vinha a destruir bases americanas no Texas. O oficial que ele coloca no comando dos prisioneiros confederados é o capitão Benjamin Tyreen (Richard Harris), um velho inimigo de Dundee que promete lealdade só até os Apaches serem destruídos.
Um dos mais infames casos de um estúdio a tomar conta da pós-produção de um filme, e libertar um produto final sem a aprovação do realizador, "Major Dundee" ainda carrega a marca do lendário épico que nunca foi, uma obra-prima perdida, e a marca de um génio que tentaram silenciar. Teve de esperar quase 50 anos para ter uma versão que lhe fizesse alguma justiça. Na versão teatral foram-lhe retirados 34 minutos, 20 pelos produtores e 14 pelos distribuidores, com Sam Peckinpah a tentar retirar por tudo o seu nome dos créditos finais.
O papel principal é interpretado por Charlton Heston, um papel muito obscuro sobre um homem atormentado por obsessões: o ódio racial, um sentimento forte em provar a si próprio ser capaz de tudo, frustração sobre fracas experiências amorosas, frustrações sobre fracassos militares, e um sentimento amargo persistente de alienação, que ele não consegue escapar.
Hoje, "Major Dundee" é muitas vezes visto como um aquecimento para "The Wild Bunch", principalmente porque Peckinpah reciclou elementos deste filme no filme posterior, determinado a salvar a essência da sua arte, depois da sua primeira obra ter sido tão mal tratada. Mesmo assim, é considerado uma obra prima.
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Um dos mais infames casos de um estúdio a tomar conta da pós-produção de um filme, e libertar um produto final sem a aprovação do realizador, "Major Dundee" ainda carrega a marca do lendário épico que nunca foi, uma obra-prima perdida, e a marca de um génio que tentaram silenciar. Teve de esperar quase 50 anos para ter uma versão que lhe fizesse alguma justiça. Na versão teatral foram-lhe retirados 34 minutos, 20 pelos produtores e 14 pelos distribuidores, com Sam Peckinpah a tentar retirar por tudo o seu nome dos créditos finais.
O papel principal é interpretado por Charlton Heston, um papel muito obscuro sobre um homem atormentado por obsessões: o ódio racial, um sentimento forte em provar a si próprio ser capaz de tudo, frustração sobre fracas experiências amorosas, frustrações sobre fracassos militares, e um sentimento amargo persistente de alienação, que ele não consegue escapar.
Hoje, "Major Dundee" é muitas vezes visto como um aquecimento para "The Wild Bunch", principalmente porque Peckinpah reciclou elementos deste filme no filme posterior, determinado a salvar a essência da sua arte, depois da sua primeira obra ter sido tão mal tratada. Mesmo assim, é considerado uma obra prima.
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segunda-feira, 7 de março de 2016
O Deserto Vermelho (Il Deserto Rosso) 1964
Chuva, neblina, frio e poluição assolam a cidade industrial de Ravenna, em Itália. Ugo, o gerente de uma fábrica local, é casado com Giuliana (Mónica Vitti), uma dona de casa que sofre de problemas psicológicos. Um dia, ela conhece o engenheiro Zeller (Richard Harris), o que pode mudar sua vida.
Tal como os primeiros filmes de Antonioni, "O Deserto Vermelho" é um enigma. Metódico na sua sinuosa e lenta velocidade, e na falta de interesse narrativo, apesar das personagens principais estarem muito bem caracterizadas, e o triângulo amoroso central a obrigar-nos a concentrar como se estivéssemos a viver uma experiência puramente audiovisual (por esta razão Tarkovsky considerou este um dos piores filmes de Antonioni). Antonioni não só faz a sua primeira experiência a cores, mas também brinca com a banda sonora do filme, aplicando uma discordante e eletrónica música que leva a audiência ao limite na sequência dos créditos iniciais, mantendo um sentimento de desconforto e desarmonia durante todo o filme.
Um dos pontos fortes de Antonioni como realizador sempre foi a sua capacidade de transmitir um poderoso sentido de localização, muitas vezes à custa de personagens que são literalmente ofuscadas pelos cenários, mesmo que não nos lembremos da história de "L’Avventura", é impossível esquecer a beleza da ilha rochosa onde os personagens se encontram. A respeito disto, "O Deserto Vermelho" pode ser das maiores obras primas do realizador, uma vez que torna palpável e visceral a ascensão da indústria petroquímica na Itália da década de 50, com as suas enormes torres de refrigeração e enormes edifícios de aço que abrigam centenas de trabalhadores anónimos que constituíram uma nova classe trabalhadora na Itália do pós-guerra.
Tal como todos os filmes de Antonioni, "O Deserto Vermelho" é uma experiência provocadora e desafiadora, que nos recompensa na nossa primeira visualização, para além da natureza visual poderosa e o casamento, não convencional, entre o som e a imagem.
Ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1964.
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Tal como os primeiros filmes de Antonioni, "O Deserto Vermelho" é um enigma. Metódico na sua sinuosa e lenta velocidade, e na falta de interesse narrativo, apesar das personagens principais estarem muito bem caracterizadas, e o triângulo amoroso central a obrigar-nos a concentrar como se estivéssemos a viver uma experiência puramente audiovisual (por esta razão Tarkovsky considerou este um dos piores filmes de Antonioni). Antonioni não só faz a sua primeira experiência a cores, mas também brinca com a banda sonora do filme, aplicando uma discordante e eletrónica música que leva a audiência ao limite na sequência dos créditos iniciais, mantendo um sentimento de desconforto e desarmonia durante todo o filme.
Um dos pontos fortes de Antonioni como realizador sempre foi a sua capacidade de transmitir um poderoso sentido de localização, muitas vezes à custa de personagens que são literalmente ofuscadas pelos cenários, mesmo que não nos lembremos da história de "L’Avventura", é impossível esquecer a beleza da ilha rochosa onde os personagens se encontram. A respeito disto, "O Deserto Vermelho" pode ser das maiores obras primas do realizador, uma vez que torna palpável e visceral a ascensão da indústria petroquímica na Itália da década de 50, com as suas enormes torres de refrigeração e enormes edifícios de aço que abrigam centenas de trabalhadores anónimos que constituíram uma nova classe trabalhadora na Itália do pós-guerra.
Tal como todos os filmes de Antonioni, "O Deserto Vermelho" é uma experiência provocadora e desafiadora, que nos recompensa na nossa primeira visualização, para além da natureza visual poderosa e o casamento, não convencional, entre o som e a imagem.
Ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1964.
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domingo, 6 de março de 2016
Jogador profissional (This Sporting Life) 1963
Frank Machin é um brutamontes que trabalha numa fábrica britânica. Desesperado por conseguir uma vida melhor, ele entra para a equipa de rugby local. A sua agressividade impulsiona a ascensão meteórica no clube, conquistando fãs e respeito, mas também alguns inimigos. Involve-se com uma viúva, mas a sua natureza agressiva impede-o de a conquistar como queria...
Dirigido por Lindsay Anderson, e adaptado por David Storey do seu próprio livro, "This Sporting Life" é um dos melhores exemplos do Novo Cinema Britânico, que esteve muito em voga durante os anos sessenta. Exemplifica tudo o que de mais interessante foi feito ligado a este movimento. O cenário da classe trabalhadora como pano de fundo, uma fotografia a preto e branco sombria, mostrando a luta de um jovem com mais emoção do que cabeça, tentando conquistar o seu caminho num mundo que aparentemente não tem lugar para ele.
Interpretado por Richard Harris, Frank é uma força da natureza, um animal a tentar viver entre os humanos. Harris tinha 33 anos quando interpretou este papel, o seu primeiro de destaque, embora no ano anterior já estivesse entrado no elenco de "Os Canhões de Navarone", e conseguiu deste modo a sua primeira interpretação para o Óscar. A actriz Rachel Roberts, no papel da viúva, conseguiu igualmente uma nomeação para os Óscares. Seria o filme de estreia do britânico Lindsay Anderson, embora este já tivesse uma longa carreira em curtas e filmes para TV.
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Dirigido por Lindsay Anderson, e adaptado por David Storey do seu próprio livro, "This Sporting Life" é um dos melhores exemplos do Novo Cinema Britânico, que esteve muito em voga durante os anos sessenta. Exemplifica tudo o que de mais interessante foi feito ligado a este movimento. O cenário da classe trabalhadora como pano de fundo, uma fotografia a preto e branco sombria, mostrando a luta de um jovem com mais emoção do que cabeça, tentando conquistar o seu caminho num mundo que aparentemente não tem lugar para ele.
Interpretado por Richard Harris, Frank é uma força da natureza, um animal a tentar viver entre os humanos. Harris tinha 33 anos quando interpretou este papel, o seu primeiro de destaque, embora no ano anterior já estivesse entrado no elenco de "Os Canhões de Navarone", e conseguiu deste modo a sua primeira interpretação para o Óscar. A actriz Rachel Roberts, no papel da viúva, conseguiu igualmente uma nomeação para os Óscares. Seria o filme de estreia do britânico Lindsay Anderson, embora este já tivesse uma longa carreira em curtas e filmes para TV.
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sábado, 5 de março de 2016
Richard Harris
Houve uma altura em que as pessoas do cinema dificilmente poderia mencionar o nome de Richard Harris sem usar o epíteto "Hellraiser". Esta reputação era mais merecida que a dos seus companheiros de bebida, e companheiros celtas, Richard Burton e Peter O'Toole, com os quais tinha muito em comum. Todos eles começaram por ser uma grande promessa, primeiro nos palcos e depois nas telas, mas muito do seu talento foi dissipado em filmes veículos indignos do seu nome, com alguns flashes de génios, que eles eram.
Dos três Harris é o menos conhecido, e reconhecido, com a sua carreira a dividir-se em três fases: o jovem rebelde de cabeça quente de "This Sporting Life", o masoquista macho de "A Man Called Horse" ou "Man in the Wilderness", e o herói de acção pura de "Wild Geese". Acabaria a carreira como o sábio de barba grisalha de Harry Potter".
Depois do período menos glorioso de meados dos anos 70 e 80, período em que se tinha tornado numa auto paródia, ao participar numa série de filmes sem interesse, ganhou renovado respeito pela sua interpretação nomeada ao Óscar de "Bull" McCabe, o irrascível agricultor que lutava para salvar a sua terra em "The Field".
Esta semana vamos conhecer um pouco deste actor, vendo uma série de filmes seus. Esperemos que seja do vosso agrado.
Filmes que passarão esta semana:
- This Sporting Life (1963), de Lindsay Anderson
- Il Deserto Rosso (1964), de Michelangelo Antonioni
- Major Dundee (1965), de Sam Peckinpah
- The Heroes of Telemark (1966), de Anthony Mann
- A Man Called Horse (1970), de Elliot Silverstein
- Cromwell (1970), de Ken Hughes
- Man in the Wilderness (1971), de Richard C. Sarafin
- The Field (1990), de Jim Sheridan
Dos três Harris é o menos conhecido, e reconhecido, com a sua carreira a dividir-se em três fases: o jovem rebelde de cabeça quente de "This Sporting Life", o masoquista macho de "A Man Called Horse" ou "Man in the Wilderness", e o herói de acção pura de "Wild Geese". Acabaria a carreira como o sábio de barba grisalha de Harry Potter".
Depois do período menos glorioso de meados dos anos 70 e 80, período em que se tinha tornado numa auto paródia, ao participar numa série de filmes sem interesse, ganhou renovado respeito pela sua interpretação nomeada ao Óscar de "Bull" McCabe, o irrascível agricultor que lutava para salvar a sua terra em "The Field".
Esta semana vamos conhecer um pouco deste actor, vendo uma série de filmes seus. Esperemos que seja do vosso agrado.
Filmes que passarão esta semana:
- This Sporting Life (1963), de Lindsay Anderson
- Il Deserto Rosso (1964), de Michelangelo Antonioni
- Major Dundee (1965), de Sam Peckinpah
- The Heroes of Telemark (1966), de Anthony Mann
- A Man Called Horse (1970), de Elliot Silverstein
- Cromwell (1970), de Ken Hughes
- Man in the Wilderness (1971), de Richard C. Sarafin
- The Field (1990), de Jim Sheridan
Ana (Ana) 1982
Passado e presente, realidade e mito, trabalho e tradições, formam uma teia singular no mais belo e “puro” filme de António Reis e Margarida Martins Cordeiro, e sintetizam uma visão do mundo, de que a terra de Trás-os-Montes parece ser o centro, onde a personagem de Ana representa o equilíbrio cósmico, uma mulher que é “um pouco mais do que uma avó e um pouco menos do que um símbolo”
O cinema de António Reis e Margarida Cordeiro tem a ambição desmedida da poesia, único critério da sua verdade, do seu vigor, da sua latência duradoura no espectador. Só essa realidade lhe interessa, só essa inteireza busca. Cinema de secreta e paciente convocação e manipulação dos materiais, não tem paralelo com nada do que o cinema já ergueu. Nele se confunde o respeito pelo real e a sua transgressão, o documento e a ficção são postos em causa, enquanto categorias formais, pelo seu tecido. Realidade, imaginário, visões, sentimentos, há certamente um vocabulário-outro para falar dos objectos cálidos e fascinantes que Reis e Margarida Cordeiro geram: poemas fílmicos, belíssimos e solidários, majestáticos.
Usando excertos de poemas de Rainer Maria Rilke e outros textos da autoria de António Reis e Margarida Cordeiro, "Ana", à semelhança de "Trás-os-Montes" impressionou profundamente a crítica internacional, tendo recebido a Espiga de Ouro, relativa ao Grande Prémio do Festival de Cinema de Valladolid, em 1982, e uma Menção Especial no Festival Internacional da Figueira da Foz, em 1982. Participou ainda, entre outros, nos festivais de Veneza, Berlim, Roterdão, Hong-Kong, Montreal, Chicago, Bruxelas, Hamburgo, Los Angels, São Paulo, Manheim, Edimburgo, Lausanne, Genebra, La Rochelle, Locarno (filmes do ano, 1983) e Rimini (melhores filmes da Europa, 1985). Foi seleccionado para os Prémios René Clair (1983) e David di Donatelle (1983). Integrou o programa da Semana dos Cahiers du Cinema (1983).
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Cerromaior (Cerromaior) 1981
Após frustrada tentativa de evasão, o jovem Adriano é reconduzido ao abúlico seio de família, dominante numa povoação alentejana onde a exploração tradicional dos trabalhadores agrícolas é, desde 1973 (em que escassos ecos de liberdade chegam), pela rádio, da guerra civil espanhola), representada pelo arrogante e prepotente primo Carlos, símbolo e esteio do salazarismo que se consolida. O percurso de Adriano afirmar-se-á entre sombras e fantasmas, conformismo e preconceito, demência e suicídio, raiva e confrontação.
Cerromaior é um dos filmes portugueses do ano de 1980 que, tendo com alvo o chamado «grande público» não faz concessões ao cinema comercial, cujo objectivo principal é o puro entretenimento (entertainement), Outros filmes desse mesmo ano, apontando esse mesmo objectivo, sem se vergarem aos imperativos do puro comércio, todos eles com antestreia no 9º Festival de Cinema da Figueira da Foz, são Manhã Submersa (filme), de Lauro António, A Culpa, de António Vitorino de Almeida, Verde por Fora, Vermelho por Dentro, de Ricardo Costa e o documentário Bom Povo Português, de Rui Simões (cineasta).
Para o início de uma década em que o cinema português procura ser visto sem deixar de ser «cinema de autor», a convergência é significativa. Os objectivos são atingidos no mercado nacional. Embora só notados no estrangeiro pela sua presença em festivais, este conjunto de filmes aponta um caminho.
Adaptação cinematográfica do primeiro romance de Manuel da Fonseca, Cerromaior, de 1943. É um dos primeiros filmes do pós 25 de Abril de 1974 a explorar em Portugal um tema social com inteira liberdade de expressão.
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Cerromaior é um dos filmes portugueses do ano de 1980 que, tendo com alvo o chamado «grande público» não faz concessões ao cinema comercial, cujo objectivo principal é o puro entretenimento (entertainement), Outros filmes desse mesmo ano, apontando esse mesmo objectivo, sem se vergarem aos imperativos do puro comércio, todos eles com antestreia no 9º Festival de Cinema da Figueira da Foz, são Manhã Submersa (filme), de Lauro António, A Culpa, de António Vitorino de Almeida, Verde por Fora, Vermelho por Dentro, de Ricardo Costa e o documentário Bom Povo Português, de Rui Simões (cineasta).
Para o início de uma década em que o cinema português procura ser visto sem deixar de ser «cinema de autor», a convergência é significativa. Os objectivos são atingidos no mercado nacional. Embora só notados no estrangeiro pela sua presença em festivais, este conjunto de filmes aponta um caminho.
Adaptação cinematográfica do primeiro romance de Manuel da Fonseca, Cerromaior, de 1943. É um dos primeiros filmes do pós 25 de Abril de 1974 a explorar em Portugal um tema social com inteira liberdade de expressão.
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sexta-feira, 4 de março de 2016
As Horas de Maria (As Horas de Maria) 1979
Inspirado no relato pela imprensa de um caso verídico, com argumento, diálogos e realização de António de Macedo e fotografia de Elso Roque, As Horas De Maria prolonga na ficção o gesto de Fátima Story. Esta produção Cinequanon foi parcialmente filmada em Fátima, assente numa estrutura de doze capítulos que seguem a história da personagem de uma rapariga cega e internada num hospital, convicta na probabilidade de um milagre de Nossa Senhora de Fátima. Estreado com enorme escândalo em 1979, foi um dos mais polémicos filmes da época, acusado de blasfémia pela igreja católica.
As Horas de Maria é uma obra de valor simbólico, numa época de bruscas e dramáticas mutações em Portugal. No ano em que o filme foi produzido, 1976, não teria por certo acontecido o que aconteceu três anos mais tarde, quando estreou em Lisboa. A suposição não é sem fundamento. O recuo das forças progressistas da Revolução dos Cravos, num contexto social que lhes era desfavorável, fez-se sentir com avanços da direita em políticas em que muito recuara, como a cultura. A viragem foi rápida.
Na estreia, a 3 de Abril de 1979, um evento insólito deu relevo ao filme nos meios de comunicação e gerou considerável polémica: um grupo agressivo de manifestantes de direita, sentindo-se apoiados pelo repúdio já manifestado pela Igreja católica, que achava a obra blasfema, insultaram e agrediram espectadores em frente da sala – o Nimas, na Av.5 de Outubro, em Lisboa, – com actos violentos e apedrejamentos. O ritual manter-se-ia por vários dias, com agrupamentos a rezar o terço e a entoar ladainhas para a conversão de Macedo, dos espectadores contaminados, dos fãs heréticos.
A explicação do insólito é assim dada por João Bénard da Costa : «O realizador, baseado nos chamados Evangelhos apócrifos, propunha uma visão não trascendental de Jesus e punha em causa a virginidade de Maria». (João Bénard da Costa, Histórias do Cinema, Sínteses da Cultura Portuguesa, Europália 1991, ed. Imprensa Nacional).
Voltam ao de cima certas sensibilidades, próximas das que dominavam antes. O efeito que o filme provocou ilustra isso e não só: as bem prováveis consequências de um atrevimento assim. De mais um: a filmografia de Macedo está cheia disso.
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As Horas de Maria é uma obra de valor simbólico, numa época de bruscas e dramáticas mutações em Portugal. No ano em que o filme foi produzido, 1976, não teria por certo acontecido o que aconteceu três anos mais tarde, quando estreou em Lisboa. A suposição não é sem fundamento. O recuo das forças progressistas da Revolução dos Cravos, num contexto social que lhes era desfavorável, fez-se sentir com avanços da direita em políticas em que muito recuara, como a cultura. A viragem foi rápida.
Na estreia, a 3 de Abril de 1979, um evento insólito deu relevo ao filme nos meios de comunicação e gerou considerável polémica: um grupo agressivo de manifestantes de direita, sentindo-se apoiados pelo repúdio já manifestado pela Igreja católica, que achava a obra blasfema, insultaram e agrediram espectadores em frente da sala – o Nimas, na Av.5 de Outubro, em Lisboa, – com actos violentos e apedrejamentos. O ritual manter-se-ia por vários dias, com agrupamentos a rezar o terço e a entoar ladainhas para a conversão de Macedo, dos espectadores contaminados, dos fãs heréticos.
A explicação do insólito é assim dada por João Bénard da Costa : «O realizador, baseado nos chamados Evangelhos apócrifos, propunha uma visão não trascendental de Jesus e punha em causa a virginidade de Maria». (João Bénard da Costa, Histórias do Cinema, Sínteses da Cultura Portuguesa, Europália 1991, ed. Imprensa Nacional).
Voltam ao de cima certas sensibilidades, próximas das que dominavam antes. O efeito que o filme provocou ilustra isso e não só: as bem prováveis consequências de um atrevimento assim. De mais um: a filmografia de Macedo está cheia disso.
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Veredas (Veredas) 1978
História da Branca-Flor - a partir de lendas e figuras da mitologia popular. Raízes dum itinerário pelas origens naturais e paisagísticas, até ao coração de Portugal. Os valores (água, nascimento, roda-da-vida), as figurações (o diabo, os lobos) e as referências (o senhor, a servidão), com um estigma de justiça inadiável.
Veredas é a primeira de duas obras de João César Monteiro baseadas em textos inspirados na tradição oral portuguesa, sendo Silvestre (1982) a segunda. Adaptações livres de textos literários que exploram essa tradição, integrando neste caso elementos próprios do imaginário do autor, são expressão de uma tendência típica do cinema português dominante no documentário, a partir do início dos anos sessenta (António Campos), tendência que se desenvolve nos anos setenta : a devoção antropológica de cineastas como Manuel Costa e Silva, António Reis e Margarida Cordeiro, Ricardo Costa ou Noémia Delgado por realidades culturais e sociais arcaicas, mal conhecidas, típicas de regiões mais isoladas e com tradições bem preservadas. Monteiro e Noémia Delgado são os cineastas que, na ficção, exploram essas tradições.
Veredas será também o primeiro filme em que João César Monteiro, metendo-se na pele de uma das personagens, pela primeira vez protagoniza, não sem disso tirar algum prazer, o seu alter-ego : é frade e chefe de salteadores. Caracteriza-se esse seu gosto pelo protagonismo por extrapolar três ângulos de um triângulo : no topo, um pólo mágico, histórias fantásticas da Idade Média e da tradição oral portuguesa. Noutra ponta, intencional ou não, o desalinho narrativo, em estilo de brincadeira, e, com ela na base do triângulo, frade e malfeitor, protagonizando o Bem e o Mal, o personagem representado pelo João. Torna-se a questão quadrada quando no triângulo outro ângulo se encaixa, para dar mais pé à coisa : um estilo teatral, escala aberta, planos fixos, palavrosos, que muito boa crítica, em relação a este e aos futuros filmes, não despeitará..
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Veredas é a primeira de duas obras de João César Monteiro baseadas em textos inspirados na tradição oral portuguesa, sendo Silvestre (1982) a segunda. Adaptações livres de textos literários que exploram essa tradição, integrando neste caso elementos próprios do imaginário do autor, são expressão de uma tendência típica do cinema português dominante no documentário, a partir do início dos anos sessenta (António Campos), tendência que se desenvolve nos anos setenta : a devoção antropológica de cineastas como Manuel Costa e Silva, António Reis e Margarida Cordeiro, Ricardo Costa ou Noémia Delgado por realidades culturais e sociais arcaicas, mal conhecidas, típicas de regiões mais isoladas e com tradições bem preservadas. Monteiro e Noémia Delgado são os cineastas que, na ficção, exploram essas tradições.
Veredas será também o primeiro filme em que João César Monteiro, metendo-se na pele de uma das personagens, pela primeira vez protagoniza, não sem disso tirar algum prazer, o seu alter-ego : é frade e chefe de salteadores. Caracteriza-se esse seu gosto pelo protagonismo por extrapolar três ângulos de um triângulo : no topo, um pólo mágico, histórias fantásticas da Idade Média e da tradição oral portuguesa. Noutra ponta, intencional ou não, o desalinho narrativo, em estilo de brincadeira, e, com ela na base do triângulo, frade e malfeitor, protagonizando o Bem e o Mal, o personagem representado pelo João. Torna-se a questão quadrada quando no triângulo outro ângulo se encaixa, para dar mais pé à coisa : um estilo teatral, escala aberta, planos fixos, palavrosos, que muito boa crítica, em relação a este e aos futuros filmes, não despeitará..
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Nós por cá Todos Bem (Nós por cá Todos Bem) 1978
Uma equipa de filmagem dirige-se à Várzea dos Amarelos, de visita à mãe do realizador, onde fixa alguns momentos da vivência local e escuta a velha senhora. Com o documentário cruzam-se evocações (ou fantasias) ficcionais biográficas.
"Depois de "Uma Abelha na Chuva" havia que esperar mais, é certo. Só que Fernando Lopes, apostando na fusão do directo (ver "Belarmino") e da ficção (ver "Abelha...") não foi capaz de um sólido ponto de vista e sobretudo não caminhou por terrenos que pudesse escavar com a percutência do seu trabalho anterior.
Escolhendo, para protagonista do filme, a sua própria mãe, enveredando por um certo tom confessional, Lopes indecide-se entre o pudor afectivo e a distância documental, tal como não resolve a ambivalência entre uma suposta verdade do directo e e um relativo visionarismo da ficção.
Os limites do filme são o somatório dessas não ultrapassadas contradições. Mas as potencialidades (a verdade que ele traduz) estão exactamente nesse campo. Entre um país e uma memória, um passado e um presente, Portugal/1976 era o território da dúvida, incertezas. "Nós por cá Tudo Bem" reflecte-o.
A reter: a cenografia de Jasmim (sobretudo a cozinha e o bordel): as canções de Sérgio Godinho; nos actores: Zita Duarte e a breve (fulgurante) aparição de Lia Gama." JLR
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"Depois de "Uma Abelha na Chuva" havia que esperar mais, é certo. Só que Fernando Lopes, apostando na fusão do directo (ver "Belarmino") e da ficção (ver "Abelha...") não foi capaz de um sólido ponto de vista e sobretudo não caminhou por terrenos que pudesse escavar com a percutência do seu trabalho anterior.
Escolhendo, para protagonista do filme, a sua própria mãe, enveredando por um certo tom confessional, Lopes indecide-se entre o pudor afectivo e a distância documental, tal como não resolve a ambivalência entre uma suposta verdade do directo e e um relativo visionarismo da ficção.
Os limites do filme são o somatório dessas não ultrapassadas contradições. Mas as potencialidades (a verdade que ele traduz) estão exactamente nesse campo. Entre um país e uma memória, um passado e um presente, Portugal/1976 era o território da dúvida, incertezas. "Nós por cá Tudo Bem" reflecte-o.
A reter: a cenografia de Jasmim (sobretudo a cozinha e o bordel): as canções de Sérgio Godinho; nos actores: Zita Duarte e a breve (fulgurante) aparição de Lia Gama." JLR
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Os Demónios de Alcácer Quibir (Os Demónios de Alcácer Quibir ) 1977
"A uma greve de operários agrícolas no Alentejo, a polícia associa elementos de um grupo de teatro ambulante. A acção decorre no espaço aberto e agreste da charneca. Com a conivência de Lianor, a trupe penetra no palácio de D. Gonçalo, velho aristocrata. O fidalgo vive obcecado por visões de grandes feitos passados, num universo de fantasmas. Acabam os malteses por descobrir o seu tesouro: uma caixa cheia de carabinas e munições. Durante a carga policial que se segue, enfrentam os agentes de armas na mão. Nos horizontes, só a negra África se avista.
Os Demónios de Alcácer Quibir é a primeira ficção do cinema militante português em tempos de liberdade, depois do censurado Nojo aos Cães de António de Macedo, feito cinco anos antes, durante a época do fascismo. Sendo ambas obras típicas do novo cinema, este filme de Fonseca e Costa explora o universo visionário que a Revolução dos Cravos deixa entrever, pondo em foco a pertinente contradição entre as realidades de um período de mudanças profundas e a utopia que a revolução de cariz socialista perde de vista. A contradição é perturbadora e provoca sombrias expectativas, que os indicadores históricos não iluminam.
O olhar com que os cineastas progressistas portugueses dessa década (e praticamente todos o são) olham o futuro torna-se opaco. Desiludidos com o caminho que as coisas tomam, volvido o tempo de esperança, tentam interpretar as realidades do seu país de um ponto de vista que não é suficientemente elevado para criar o distanciamento certo. Aquilo que avistam não é nítido. Surgem, nesse contexto, obras intricadas, voltadas para dentro, assombras pelo passado. Todas as ficções militantes da década sofrem desse "mal": as de Eduardo Geada, as de Luís Galvão Teles. Verde por Fora, Vermelho por Dentro, será porventura a única (a mais mal tratada pela intelisenzia reinante) que, pondo pé fora da intriga classista, empolando a adivinha, forçando a caricatura, conseguirá sair vacinada, livrando-se do mal." Fonte: wikipédia.
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Os Demónios de Alcácer Quibir é a primeira ficção do cinema militante português em tempos de liberdade, depois do censurado Nojo aos Cães de António de Macedo, feito cinco anos antes, durante a época do fascismo. Sendo ambas obras típicas do novo cinema, este filme de Fonseca e Costa explora o universo visionário que a Revolução dos Cravos deixa entrever, pondo em foco a pertinente contradição entre as realidades de um período de mudanças profundas e a utopia que a revolução de cariz socialista perde de vista. A contradição é perturbadora e provoca sombrias expectativas, que os indicadores históricos não iluminam.
O olhar com que os cineastas progressistas portugueses dessa década (e praticamente todos o são) olham o futuro torna-se opaco. Desiludidos com o caminho que as coisas tomam, volvido o tempo de esperança, tentam interpretar as realidades do seu país de um ponto de vista que não é suficientemente elevado para criar o distanciamento certo. Aquilo que avistam não é nítido. Surgem, nesse contexto, obras intricadas, voltadas para dentro, assombras pelo passado. Todas as ficções militantes da década sofrem desse "mal": as de Eduardo Geada, as de Luís Galvão Teles. Verde por Fora, Vermelho por Dentro, será porventura a única (a mais mal tratada pela intelisenzia reinante) que, pondo pé fora da intriga classista, empolando a adivinha, forçando a caricatura, conseguirá sair vacinada, livrando-se do mal." Fonte: wikipédia.
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Trás-Os-Montes (Trás-os-Montes) 1976
Retrato de Trás-os-Montes do ano de 1976, por António Reis e Margarida Cordeiro, esta última Transmontana, natural do Concelho de Mogadouro, da aldeia de Bemposta. Trás-os-Montes, o primeiro filme que assinou com António Reis, tornou-se uma referência para toda uma geração, e 34 anos depois da estreia continua a ser a súmula de algo português.
Trata-se de um documentário ficcionado, género muitas vezes referido através do termo docuficção. Especificamente, é uma etnoficção: retrata personagens típicas da Terra Fria, o nordeste montanhoso de Portugal, inventariando hábitos seculares, num ambiente rural majestoso. Dotado de uma linguagem acentuadamente poética distinta da narrativa clássica, é uma das obras representativas do movimento do Novo Cinema e uma das primeiras docuficções portuguesas.
“Para um povo e para um país à procura de si próprios”, escreveu João Bénard da Costa, “é uma das poucas pedras do caminho que nos pode ajudar a reencontrar a direcção”. .
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Brandos Costumes (Brandos Costumes) 1975
Cenas da vida doméstica duma família da média burguesia, alternadas com "actualidades" sobre a ascensão, glória e queda do Estado Novo, traçando um paralelo entre a figura do pai tradicional e do ditador Salazar. Os conflitos e as frustrações das filhas (correspondendo a duas gerações) surgem representadas dialecticamente, nas suas relações com os progenitores, a avó e a criada. Estes acontecimentos da esfera privada são postos em confronto com os da história colectiva do país.
""Brandos Costumes", filme do teórico mais bem preparado do novo cinema português, é uma obra que articula, com rara coerência, a "instância política" e a "instância estética", sem qualquer concessão nem demagogia. Perspassam no filme as sombras dos grandes primitivos - dos americanos aos russos - a revisão do cinema de propaganda português (particularmente " A Revolução de Maio", expressamente citada) e o rigor cénico de obras contemporâneas, desde Straub a Kramer. É um "filme-ensaio", um "filme-prosa", em que o jogo intelectual se sobrepõe ao emocional, mas em que os códigos são revisitados com uma acutilância cultural, muito rara no cinema português, quase sempre alheio a tais asceses." JBC
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""Brandos Costumes", filme do teórico mais bem preparado do novo cinema português, é uma obra que articula, com rara coerência, a "instância política" e a "instância estética", sem qualquer concessão nem demagogia. Perspassam no filme as sombras dos grandes primitivos - dos americanos aos russos - a revisão do cinema de propaganda português (particularmente " A Revolução de Maio", expressamente citada) e o rigor cénico de obras contemporâneas, desde Straub a Kramer. É um "filme-ensaio", um "filme-prosa", em que o jogo intelectual se sobrepõe ao emocional, mas em que os códigos são revisitados com uma acutilância cultural, muito rara no cinema português, quase sempre alheio a tais asceses." JBC
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quarta-feira, 2 de março de 2016
Meus Amigos (Meus Amigos) 1974
"O segundo filme de Cunha Telles como realizador,Meus Amigos(1974) é feito com fundos da Fundação Calouste Gulbenkian, através do Centro Português de Cinema,uma cooperativa de realizadores de que Cunha Telles foi crítico e a que apenas adere para poder continuar a realizar. O filme conta a história de alguns amigos que participaram na primeira revolta de estudantes em 1962 e que se reencontram passados dez anos para fazer um balanço. Eduardo, que se tinha casado com um excelente partido, separa-se da mulher para reencontrar a sua liberdade e prosseguir a sua ação ordenada no sistema.
José Manuel abandonou os estudos, tendo emigrado como tantos outros e descobre que trabalhar no interior do sistema é, afinal, prolongar a sua sobrevivência e, portanto, prefere manter - se à margem, vivendo de expedientes, de ofertas de amigos, de desenhos para os turistas, de traduções. As mulheres falam abertamente da sua vida sexual, da perda da virgindade e dos seus parceiros, num reflexo da mudança de mentalidades que contribuiu para tornar possível, ou até inevitável, a revolução.
Cunha Telles não pretendia seguir a evolução profissional de cada um dos personagens, mas antes verificar que as ilusões de 62 tinham já desaparecido. O filme mostra essencialmente como a falta de liberdade e a opressão eram invasivas na vida pessoal dos protago nistas. E a própria arquitetura representada no filme é disso exemplo. Os atores movem - se quase sempre em casas isoladas por paredes ou por janelas sempre fechadas. À falta de liberdade generalizada na sociedade, corresponde uma falta de liberdade espacial , como se tivessem assumido a sua condição de presidiários, numa espécie de versão cinematográfica da prisão domiciliária.
Meus Amigos pretendia ser uma crónica das vidas lisboetas, da rotina palavrosa dos vencidos da bica, da ressaca de 62. É um filme longo, por vezes penoso, com quase três horas de duração, com uma grande austeridade nos enquadramentos fixos e com planos tão demorados que se aproximam da provocação, o oposto, como vimos, de O Cerco , em que a câmara se movia constantemente. Há quase um apagamento do papel do realizador, como se apenas tivesse decidido colocar a câmara e deixar a vida seguir, e nesse sentido é - lhe tão alheio como a qualquer um dos espectadores. Como escreveu Eduardo Prado Coelho, é um filme “que se deixa morrer aos poucos, que prepara fria e deliberadamente o seu suicídio coletivo. E há nessa morte em silêncio a angústia em nós de nada sabermos explicar o que se passa, de tudo ficar cada vez mai s do lado de lá, intransitivo e enclausurado, terrivelmente só. Nenhuma crítica o pode aceitar, claro; mas qualquer pessoa o pode entender” (Coelho 1974)" * Texto de Luis Urbano
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José Manuel abandonou os estudos, tendo emigrado como tantos outros e descobre que trabalhar no interior do sistema é, afinal, prolongar a sua sobrevivência e, portanto, prefere manter - se à margem, vivendo de expedientes, de ofertas de amigos, de desenhos para os turistas, de traduções. As mulheres falam abertamente da sua vida sexual, da perda da virgindade e dos seus parceiros, num reflexo da mudança de mentalidades que contribuiu para tornar possível, ou até inevitável, a revolução.
Cunha Telles não pretendia seguir a evolução profissional de cada um dos personagens, mas antes verificar que as ilusões de 62 tinham já desaparecido. O filme mostra essencialmente como a falta de liberdade e a opressão eram invasivas na vida pessoal dos protago nistas. E a própria arquitetura representada no filme é disso exemplo. Os atores movem - se quase sempre em casas isoladas por paredes ou por janelas sempre fechadas. À falta de liberdade generalizada na sociedade, corresponde uma falta de liberdade espacial , como se tivessem assumido a sua condição de presidiários, numa espécie de versão cinematográfica da prisão domiciliária.
Meus Amigos pretendia ser uma crónica das vidas lisboetas, da rotina palavrosa dos vencidos da bica, da ressaca de 62. É um filme longo, por vezes penoso, com quase três horas de duração, com uma grande austeridade nos enquadramentos fixos e com planos tão demorados que se aproximam da provocação, o oposto, como vimos, de O Cerco , em que a câmara se movia constantemente. Há quase um apagamento do papel do realizador, como se apenas tivesse decidido colocar a câmara e deixar a vida seguir, e nesse sentido é - lhe tão alheio como a qualquer um dos espectadores. Como escreveu Eduardo Prado Coelho, é um filme “que se deixa morrer aos poucos, que prepara fria e deliberadamente o seu suicídio coletivo. E há nessa morte em silêncio a angústia em nós de nada sabermos explicar o que se passa, de tudo ficar cada vez mai s do lado de lá, intransitivo e enclausurado, terrivelmente só. Nenhuma crítica o pode aceitar, claro; mas qualquer pessoa o pode entender” (Coelho 1974)" * Texto de Luis Urbano
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Jaime (Jaime) 1974
O mundo, a vida e o trabalho de Jaime Fernandes, camponês nascido na freguesia do Barco (Covilhã - Beira Baixa), atingido por doença fatal (esquizofrenia paranóica), aos 38 anos. Internado no Hospital Miguel Bombarda (Lisboa), ali morreu em 1967, com 69 anos. Aos 65 anos, começara a pintar e, durante esse curto período de tempo, até à sua morte, realizou uma obra pictórica genial, influência do meio social e hospitalar.
Jaime, doente psiquiátrico, busca, no seu labirinto interior e no exterior que o rodeia, a harmonia que lhe escapou: o sentido das origens, as imagens do seu passado distante, as presenças de um universo ausente, o das terras de Barco, da Beira Baixa, que cedo a cidade lhe roubou. Busca isso nos desenhos que desenha, nas pinturas que pinta. E assim descobre, na força dos traços e no enigma das cores, aquilo a que teve de renunciar: ele próprio, num lugar que deixou de existir. Existir e não existir, real e imaginário são formas de ser que só pela imagem ele consegue fazer viver. Homem sombra no meio das sombras, flamejando: perfis, cores, gritos. A clausura total dentro do espelho.
No ano da Revolução portuguesa de 1974, uma revolução no cinema português, Jaime, uma obra-prima da curta metragem no formato documentário pelo poeta, auto-didata e artista António Reis. Jaime, poema de sofrimento e solidão, uma obra única não só no cinema novo, como também no cinema português em geral.
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terça-feira, 1 de março de 2016
O Mal Amado (O Mal Amado) 1974
João, com cerca de vinte e cinco anos, decide abandonar os estudos, pouco antes de ir para a tropa. Soares, o pai - funcionário público zeloso, com influências e amizades - arranja-lhe um emprego transitório. Colocado numa secção de mulheres, a sua chefe, Inês, marcando a situação de favor de João, transfere para ele uma paixão frustrada pelo irmão, morto na guerra colonial, enquanto João começa a namorar Leonor, uma colega. Por mero acaso de ciúme, Inês acaba por abatê-lo, com um tiro de pistola
"O último filme português a ser proibido pela Censura do regime fascista foi, também, o primeiro a ser estreado após a sua queda. Vivia-se ainda a euforia dos primeiros dias da Libertação quando "O Mal Amado" se apresentou no écran do Satélite. Primeiro trabalho de longa-metragem de Fernando Matos Silva, "O Mal Amado" é a história de um jovem emparedado entre as várias esferas de Poder, corrompido/destruído pelas malhas insensatas do estertor do Império. Excelentemente interpretado por João Mota e Maria do Céu Guerra (muito bem enquadrados pelos restantes actores), narrada com eficácia e fluidez, contando com Costa e Silva na fotografia (que, não sendo excepcional, é segura) e com uma banda musical cuidada, "O Mal Amado" é um dos mais escorreitos filmes do dealbar da década de 70 no cinema português. O que dele se retém não é o labéu da "obra-prima obrigatória" mas a carpintaria de um argumento e dos meios de o pôr em cinema, uma certa limpidez, um certo desembaraço de processos.
Fernando de Matos Silva arranca com o pé direito." Jorge Leitão Ramos.
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"O último filme português a ser proibido pela Censura do regime fascista foi, também, o primeiro a ser estreado após a sua queda. Vivia-se ainda a euforia dos primeiros dias da Libertação quando "O Mal Amado" se apresentou no écran do Satélite. Primeiro trabalho de longa-metragem de Fernando Matos Silva, "O Mal Amado" é a história de um jovem emparedado entre as várias esferas de Poder, corrompido/destruído pelas malhas insensatas do estertor do Império. Excelentemente interpretado por João Mota e Maria do Céu Guerra (muito bem enquadrados pelos restantes actores), narrada com eficácia e fluidez, contando com Costa e Silva na fotografia (que, não sendo excepcional, é segura) e com uma banda musical cuidada, "O Mal Amado" é um dos mais escorreitos filmes do dealbar da década de 70 no cinema português. O que dele se retém não é o labéu da "obra-prima obrigatória" mas a carpintaria de um argumento e dos meios de o pôr em cinema, uma certa limpidez, um certo desembaraço de processos.
Fernando de Matos Silva arranca com o pé direito." Jorge Leitão Ramos.
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Sofia e a Educação Sexual (Sofia e a Educação Sexual) 1973
Sofia regressa dum colégio na Suíça, onde passou a infância e para o qual foi enviada pelo pai, Henrique, após a morte da mãe.
Instalada na antiga e luxuosa mansão que a família possui em Cascais, Sofia descobre, através da relação de Henrique com a amante Laura, uma vida social complexa, egoísta, hipócrita, que lhe era desconhecida mas à qual não pode escapar...
"Primeiro trabalho cinematográfico de Eduardo Geada, "Sofia e a Educação Sexual" marca a irrupção do desejo na esfera do cinema português. Não apenas o erotismo (aflorado já em "A Promessa" por exemplo) mas o próprio sexo, enquanto mecanismo de corpos, de olhar, de instituição.
Filmando os interiores burgueses, Geada filma os ritos, o auto-espectáculo dessa burguesia, as regras de comportamento que a enformam, os códigos. Atento, Geada aguça aqui o seu olhar (de) crítico. Houve quem falasse num filme demasiado cerebralizado, com riscos de monta (como o plano fixo de Luísa Nunes repetindo "amo-te Jorge"), a crítica dividiu-se na sua estreia. Mas Geada aflora o murmúrio e a obscuridade, a perversão cinéfila e a transgressão calculada, a mercadoria do sexo e a fascinação/repelência do charme. Inventa um rosto no ecrã do cinema português: Luisa Nunes que, com esta presença solitária, deixou marca na memória. Lança, fora dos circuitos do cinema do nacional-cançonetismo Io Apoloni - e com sucesso. Consegue, de Costa e Silva, uma fotografia excepcional. Aproveita e acentua, de Artur Semedo e Carlos Ferreiro, aptidões comprovadas.
Para além de tudo faz um sucesso comercial." Jorge Leitão Ramos.
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"Primeiro trabalho cinematográfico de Eduardo Geada, "Sofia e a Educação Sexual" marca a irrupção do desejo na esfera do cinema português. Não apenas o erotismo (aflorado já em "A Promessa" por exemplo) mas o próprio sexo, enquanto mecanismo de corpos, de olhar, de instituição.
Filmando os interiores burgueses, Geada filma os ritos, o auto-espectáculo dessa burguesia, as regras de comportamento que a enformam, os códigos. Atento, Geada aguça aqui o seu olhar (de) crítico. Houve quem falasse num filme demasiado cerebralizado, com riscos de monta (como o plano fixo de Luísa Nunes repetindo "amo-te Jorge"), a crítica dividiu-se na sua estreia. Mas Geada aflora o murmúrio e a obscuridade, a perversão cinéfila e a transgressão calculada, a mercadoria do sexo e a fascinação/repelência do charme. Inventa um rosto no ecrã do cinema português: Luisa Nunes que, com esta presença solitária, deixou marca na memória. Lança, fora dos circuitos do cinema do nacional-cançonetismo Io Apoloni - e com sucesso. Consegue, de Costa e Silva, uma fotografia excepcional. Aproveita e acentua, de Artur Semedo e Carlos Ferreiro, aptidões comprovadas.
Para além de tudo faz um sucesso comercial." Jorge Leitão Ramos.
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O Recado (O Recado) 1972
Lúcia é cortejada por António, da mesma classe social, embora guarde memória amorosa de Francisco, um marginal meio-aventureiro.
Ausente há longo tempo, Francisco manda recado a Lúcia do seu regresso, por Maldevivre, um vagabundo, mas é liquidado por um gangue, talvez um ajuste de contas.
Lúcia espera-o, pois, em vão, no dia e local marcado, numa praia deserta, até saber da sua morte por Maldevivre, o que a faz perder as possibilidades de evasão para um mundo que, não sendo o seu, a atrai…
Desencantada, Lúcia curva-se perante a ordem de valores que António representa. Enquanto só, mas não o único, Maldevivre continua à espera que a raiva cresça e rebente.
"Podia-se falar deste filme para dizer que a primeira longa-metragem de Fonseca e Costa é, tecnicamente, mais que correcta, que os actores vão bem, que a guitarra de Pedro Caldeira Cabral dá à música de Rui Cardoso uma dolorosa dimensão ou que a fotografia (do cubano Ochoa) é esplêndida. Podia-se...
Mas isso seria faltar ao essencial deste filme. E o essencial é que este é um retrato firme, crispado e triste de uma geração que da resistência passou à passividade enquanto outros resistiam na carne, morriam. O essencial é que este filme ousou encenar a Pide a liquidar um resistente, ousou ser frontal e ardiloso, cifrado quanto baste para iludir a Censura e directo no retrato de uma classe intelectual a quem a raiva esmorecera.
"O Recado" é o filme português da época que melhor espelha a realidade (política, psicológica, social, interior) de onde emanou. Uma singularidade nada irrelevante no interior da geração do Cinema Novo." Texto de Jorge Leitão Ramos.
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"Podia-se falar deste filme para dizer que a primeira longa-metragem de Fonseca e Costa é, tecnicamente, mais que correcta, que os actores vão bem, que a guitarra de Pedro Caldeira Cabral dá à música de Rui Cardoso uma dolorosa dimensão ou que a fotografia (do cubano Ochoa) é esplêndida. Podia-se...
Mas isso seria faltar ao essencial deste filme. E o essencial é que este é um retrato firme, crispado e triste de uma geração que da resistência passou à passividade enquanto outros resistiam na carne, morriam. O essencial é que este filme ousou encenar a Pide a liquidar um resistente, ousou ser frontal e ardiloso, cifrado quanto baste para iludir a Censura e directo no retrato de uma classe intelectual a quem a raiva esmorecera.
"O Recado" é o filme português da época que melhor espelha a realidade (política, psicológica, social, interior) de onde emanou. Uma singularidade nada irrelevante no interior da geração do Cinema Novo." Texto de Jorge Leitão Ramos.
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