"O segundo filme de Cunha Telles como realizador,Meus Amigos(1974) é feito com fundos da Fundação Calouste Gulbenkian, através do Centro Português de Cinema,uma cooperativa de realizadores de que Cunha Telles foi crítico e a que apenas adere para poder continuar a realizar. O filme conta a história de alguns amigos que participaram na primeira revolta de estudantes em 1962 e que se reencontram passados dez anos para fazer um balanço. Eduardo, que se tinha casado com um excelente partido, separa-se da mulher para reencontrar a sua liberdade e prosseguir a sua ação ordenada no sistema.
José Manuel abandonou os estudos, tendo emigrado como tantos outros e descobre que trabalhar no interior do sistema é, afinal, prolongar a sua sobrevivência e, portanto, prefere manter - se à margem, vivendo de expedientes, de ofertas de amigos, de desenhos para os turistas, de traduções. As mulheres falam abertamente da sua vida sexual, da perda da virgindade e dos seus parceiros, num reflexo da mudança de mentalidades que contribuiu para tornar possível, ou até inevitável, a revolução.
Cunha Telles não pretendia seguir a evolução profissional de cada um dos personagens, mas antes verificar que as ilusões de 62 tinham já desaparecido. O filme mostra essencialmente como a falta de liberdade e a opressão eram invasivas na vida pessoal dos protago nistas. E a própria arquitetura representada no filme é disso exemplo. Os atores movem - se quase sempre em casas isoladas por paredes ou por janelas sempre fechadas. À falta de liberdade generalizada na sociedade, corresponde uma falta de liberdade espacial , como se tivessem assumido a sua condição de presidiários, numa espécie de versão cinematográfica da prisão domiciliária.
Meus Amigos pretendia ser uma crónica das vidas lisboetas, da rotina palavrosa dos vencidos da bica, da ressaca de 62. É um filme longo, por vezes penoso, com quase três horas de duração, com uma grande austeridade nos enquadramentos fixos e com planos tão demorados que se aproximam da provocação, o oposto, como vimos, de O Cerco , em que a câmara se movia constantemente. Há quase um apagamento do papel do realizador, como se apenas tivesse decidido colocar a câmara e deixar a vida seguir, e nesse sentido é - lhe tão alheio como a qualquer um dos espectadores. Como escreveu Eduardo Prado Coelho, é um filme “que se deixa morrer aos poucos, que prepara fria e deliberadamente o seu suicídio coletivo. E há nessa morte em silêncio a angústia em nós de nada sabermos explicar o que se passa, de tudo ficar cada vez mai s do lado de lá, intransitivo e enclausurado, terrivelmente só. Nenhuma crítica o pode aceitar, claro; mas qualquer pessoa o pode entender” (Coelho 1974)" * Texto de Luis Urbano
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