segunda-feira, 13 de abril de 2020

40 dias 40 filmes – Cinema em Tempos de Cólera: "O Incompreendido", de Luigi Comencini

O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga e o My Two Thousand Movies associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “Cinema em Tempos de Cólera: 40 dias, 40 filmes”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O décimo terceiro convidado é o crítico Sérgio Alpendre, que escolheu O Incompreendido de Luigi Comencini, descrevendo-o como “um milagre cinematográfico. Em homenagem a Andrea Tonacci, que sempre corrigia o modo como eu pronunciava o título desse filme.”

Sinopse: Praticamente ignorado aquando da sua estreia em 1967, esta obra de Luigi Comencini tornou-se um filme-culto, com grande êxito da crítica e de público a partir da sua reposição em 1978. Comencini constrói uma das mais comoventes histórias de amor, sobre uma criança que procura conquistar a afeição do pai que o marginalizara devido à dor pela morte da mulher. A quintessência do melodrama filmada com ternura e contenção.

No seu Dictionnaire du Cinéma, Jacques Lourcelles escreve que “O Incompreendido é para ver em díptico com Le avventure di Pinocchio, realizado quatro anos mais tarde. As duas obras constituem a parte essencial, a mais original e a mais conseguida, da carreira de Comencini. Nestes dois filmes, Comencini projecta duas luzes radicalmente opostas sobre o seu tema predilecto, a infância. Por um lado a tristeza e o fracasso (apesar dos «reencontros» finais), por outro o optimismo e a vitória. Por um paradoxo social rico em significado, o filme triste é sobre personagens bem abastadas, enquanto que o olhar optimista, em Pinocchio, se aplica aos seres mais miseráveis. O tema particular que liga O Incompreendido a Pinocchio, no interior dessa vasta crónica da infância que é a obra de Comencini, é o das relações de uma criança com o pai e dos obstáculos, mais ou menos intransponíveis, que podem impedir essa relação de florir livremente. Em Pinocchio, há uma concepção retrógrada e mecânica da Moral a separar relutantemente os dois heróis. Aqui, o obstáculo fatal é uma incompreensão quase permanente do pai, forma banal, quotidiana e atroz da incomunicabilidade. Através da tristeza muitas vezes desalentadora deste filme, Comencini quis marcar com força que a compreensão entre o pai e o seu filho (de forma mais geral : entre o adulto e a criança), longe de ser fácil e adquirida desde o início, é pelo contrário fruto de um milagre frágil que a atenção, a lucidez e a paciência, além do amor, devem renovar a cada instante. Comencini também pinta neste filme um quadro conjunto de duas crianças, com sensibilidades e idades diferentes – opondo-se a animalidade destruidora e inconsciente do mais jovem à insegurança angustiante do mais velho – que é uma pura maravilha de justiça e de observação. Comencini tinha lido o romance de Florence Montgomery na infância e julga-o hoje com extrema severidade («um pequeno livro verdadeiramente ignóbil, uma máquina de fazer chorar» cf. «Positif» nº156). Serviu-lhe contudo para tecer uma trama de cardápios de acontecimentos, de detalhes significativos, muito fina e muito cerrada e ao mesmo tempo isenta de todo o dramatismo inútil. Refinado na sua construção e na minúcia da sua observação, O Incompreendido é igualmente refinado pela beleza das cores e dos lugares. Este refinamento acrescenta uma melancolia suplementar e quase insustentável à gravidade do tema tratado.” 

Amanhã, a escolha de Patrick Holzapfel. 

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