terça-feira, 5 de julho de 2016

Muriel, ou o Tempo de um Regresso (Muriel ou Le Temps d'un Retour) 1963

Muriel, Ou O tempo De Um Regresso, é a terceira longa metragem de Alain Resnais, a primeira a cores, e marca uma nova colaboração com Jean Cayrol, oito anos depois de Noite e Nevoeiro. Pela segunda vez, depois de O Último Ano em Marienbad, o papel principal foi entregue à actriz Delphine Seyrig, que aliás ganharia o prémio de melhor actriz no Festival de Veneza de 1963.
Muriel é, provavelmente, o mais opaco e denso filme de Resnais em toda a sua longa carreira. Ao contrário das duas longas metragens anteriores, Muriel não parte de uma ideia simples que se vai progressivamente complexificando. Mais uma vez o tema da memória ocupa um papel central, através da personagem de Heléne, uma antiquária viúva com cerca de 40 anos, que evoca uma relação que teve na adolescência que terminou de forma abrupta e incompreensível e da qual não se consegue nem quer libertar. Esta história cruza-se com a do seu afilhado que também vai evocando memória argelinas de um tempo recente em que no cumprimento do serviço militar, torturou uma rapariga chamada Muriel. Esta filigrana de memórias cruzadas tem como pano de fundo a guerra da Argélia, recentemente terminada. Tal como em Hiroshima Mon Amour há uma conotação política evidente, mas nunca de forma directa, filtrada pelo peso obsessivo da memória. Mais relevante se torna em Muriel porque a guerra com a Argélia tinha terminado recentemente e deixara marcas profundas numa França a braços com um massivo regresso de ex-colonos e profundamente dividida sob a política seguida na sua antiga colónia. Esta situação contagia o próprio cinema. Godard tinha visto o seu filme de 1960, O Pequeno Soldado banido das salas, uma situação que se manteve até 1963. O próprio Resnais tinha sido um dos signatários de um manifesto de intelectuais de oposição à política francesa na Argélia. O filme passa-se num período de quinze dias, entre Setembro e Outubro de 1962, mas está cheio de flashbacks, muitas vezes quase aleatórios que o transforma num puzzle, de difícil decifração e dão uma sensação de fragmentação muito mais vincada do que a que já existia nos seus filmes anteriores. Tudo neste filme é efémero e nebuloso. Os diálogos são incompletos e a sua conclusão é mais esboçada e sugerida do que verdadeiramente concretizada. O mesmo se passa com o desenrolar das cenas. Tudo dá a sensação de uma deliberada imperfeição, contrastando com a perfeição formal de Marienbad. Parece que se transporta para o contexto geral do filme o sentido de inacabamento das próprias personagens, em cuja personalidade e passado existem inúmeras interrogações nunca resolvidas. Se Resnais já tinha fama de cineasta difícil, Muriel incrementa-a de forma drástica. Do ponto de vista puramente formal, apresenta um número de planos absolutamente inusitado para um filme de Resnais, sensivelmente o dobro de qualquer dos anteriores. Rodado em exteriores em Boulogne-Sur-Mer, uma cidade reconstruída após a segunda guerra mundial, foi muito mais caro do que as suas duas longas metragens anteriores. Mas a recepção de que foi alvo, primeiro no festival de Veneza de 1963 (onde, apesar de tudo, Delphine Seyrig recebeu o prémio de melhor actriz) e depois nas salas, foi quase unanimemente negativa. No entanto, Resnais já tinha recebido um lastro de desconfiança, que lhe permitia sobreviver às opiniões desfavoráveis. Truffaut foi uma excepção, realçando as alusões ao estilo hitchcockiano, num mar de epítetos que considerava o filme incompreensível e aborrecido. Na melhor das hipóteses davam o beneplácito da dúvida, afirmando que precisava de ser revisto para que se percebessem todas as suas subtilezas. Como de costume, o tempo foi um bálsamo para todos os filmes de Resnais e este em particular. O prestigiado crítico britânico Philip French resumiu o valor de Muriel a uma simples frase: «é uma bela obra-prima, a um tempo racional e emocional, que precisa de ser vista várias vezes».

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