quarta-feira, 6 de julho de 2016

A Guerra Acabou (La Guerre est Finie) 1966

A quarta longa metragem de Alain Resnais, marca o regresso ao preto e branco, depois de com Muriel ter feito uma incursão pela cor. É também a sua primeira colaboração com o escritor espanhol Jorge Semprún, com quem voltaria a trabalhar alguns anos depois em Stavisky.
A colaboração com Semprún provocou uma clara inflexão de Resnais, até aí muito centrado nas questões do tempo e da memória. O escritor espanhol passou ainda muito jovem pelo campo de concentração de Buchenwald e foi membro durante quase 20 anos do Partido Comunista de Espanha, quer na clandestinidade no interior do país sujeito à repressão da ditadura franquista, quer no exílio em França. Acabou por ser expulso do PCE em 1964, alegadamente por desvios políticos face à linha do partido. Este curriculum contribui para que A Guerra Acabou seja o filme politicamente mais explícito da carreira de Resnais, embora, tenha mais dúvidas e inquietações do que certezas, o que, aliás, é comum no cineasta.
Diego (Yves Montand) é um veterano militante comunista espanhol exilado em França, mas que continua politicamente activo, preparando as condições para o derrube da ditadura franquista. Não se limita a participar na resistência no exterior, uma vez que viaja com passaporte falso ao interior de Espanha para contactar com os resistentes que estão na clandestinidade dentro de Espanha. No entanto é já um militante com dúvidas relativamente à linha política do partido e às formas utilizadas de combate à ditadura, embora tente abafá-las de forma disciplinada. Quando entra em contacto com um grupo alternativo de resistência que preconiza a acção directa, as suas dúvidas adensam-se, ao mesmo tempo que os responsáveis do PCE começam a ter dúvidas sobre a sua fidelidade. Mais do que uma reflexão sobre as divergências e cisões entre os diversos grupos comunistas, com a emergência de correntes alternativas à linha oficial pró-soviética, o filme é uma magistral inquietação, quase de natureza existencial, sobre o significado de uma vida inteiramente dedicada a uma causa arriscada e a qual exige uma dedicação exclusiva. Nesse sentido, A Guerra Acabou fica indelevelmente marcado pela heterodoxia, o que o torna particularmente fascinante, numa época em que os dogmas dominavam de forma obsessiva o pensamento revolucionário e as dúvidas eram dominadas pelas certezas de uma qualquer cartilha omnisciente. Por isso, o filme desagradou a muitas «consciências bem pensantes» e foi acusado de desvios pequeno burgueses e «psicologistas» pelos detentores das verdades universais. O texto de Semprún tem uma forte base autobiográfica de um militante que também começa a pôr tudo em causa o que lhe vai custar o ostracismo. Quando o vi recordei-me da peça pioneira de Jean Paul Sartre, As Mãos Sujas de 1948, também ela uma questionação dramática sobre a militância revolucionária.
Do ponto de vista estético o filme é belíssimo com a utilização muito apropriada da voz off (como na obra prima O Último Ano em Marienbad) e alguns pormenores de realização absolutamente notáveis, em particular a cena de amor que filmada de uma forma tão apelativa quanto pouco convencional, se tornou numa das mais belas da história do cinema. Yves Montand que repartiu a sua carreira entre a música e o cinema, tornando-se uma estrela de Hollywood, frequentemente em filmes de má qualidade, tem aqui um dos melhores papéis da sua carreira. Foi bem acolhido pela crítica e pelo público, recebendo uma nomeação para o Óscar de melhor argumento. Com o tempo tornou-se um clássico e um dos filmes mais importantes franceses de toda a década de 60.
*Texto do Jorge Saraiva.

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