O Jornal do Fundão, os Encontros Cinematográficos, o Lucky Star – Cineclube de Braga e o My Two Thousand Movies associaram-se nestes tempos surreais e conturbados convidando quarenta personalidades, entre cineastas, críticos, escritores, artistas ou cinéfilos para escolherem um filme inserido no ciclo “Cinema em Tempos de Cólera: 40 dias, 40 filmes”, partilhado em segurança nos ecrãs dos computadores de vossa casa através do blog My Two Thousand Movies. O sexto convidado é João Palhares, que escolheu As Forças do Universo de Tobe Hooper.
Sinopse: Tobe Hooper entrou para a História do cinema com o fenómeno intitulado THE TEXAS CHAINSAW MASSACRE / MASSACRE NO TEXAS, que causou escândalo e teve problemas com a censura em muitos países. LIFEFORCE, tem um argumento absolutamente delirante: vampiros vindos do espaço sideral conseguem chegar a Londres. Um inspector da Scotland Yard e um cosmonauta lançam-se no encalço dos monstros. Mas toda a população de Londres é transformada em vampiros e a NATO decide aniquilar a cidade. Os efeitos especiais são excelentes e muitos diálogos (in)voluntariamente divertidos.
Justificando a sua escolha, João Palhares escreve-nos que “em 1984, a Cannon Films de Menahem Golan e Yoram Globus (que já tinha produzido uma selecção bem ecléctica e fascinante de filmes, de That Championship Season de Jason Miller a Ninja III: The Domination de Sam Firstenberg, passando por Love Streams de John Cassavetes) deu carta-branca a Tobe Hooper e passou-lhe 25 milhões de dólares para a mão. Hooper era (e ainda é) mais conhecido pelos sucessos de Massacre no Texas e Poltergeist, que foi produzido por Steven Spielberg. Spielberg estava impedido contratualmente pela Universal de realizar qualquer outro filme enquanto E.T. - O Extra-Terrestre estivesse em preparação, e a partir do momento em que disse à imprensa, durante o Verão em que estrearam os dois filmes (E.T. e Poltergeist), que “o Tobe... não é tipo de sujeito para assumir controlo” caiu o Carmo e a Trindade. De repente Hooper era um testa-de-ferro, era declarado o “Verão de Steven Spielberg”, o Sindicato dos Realizadores abriu uma investigação e decidiu a favor de Hooper, mas a dúvida permaneceu. Portanto quando chegou a Cannon com a sua oferta, Hooper não se fez rogado e embarcou na aventura.
“Filme de ficção científica, de terror, um policial, uma fantasia, um filme-catástrofe, uma história de amor com vampiros espaciais, forças vitais como resposta para a vida depois da morte e do fim do mundo, mulheres presas em corpos de homens e homens presos aos encantos sobrenaturais das mulheres, As Forças do Universo é absolutamente inclassificável. Ao longo das suas duas horas somos levados de revelação em revelação, enquanto um astronauta, um cientista e dois detectives da polícia vão atando ou tecendo a trama, assistindo a cadáveres a desintegrar-se numa questão de segundos, descargas e transfusões de energia com beijos, sangue a expelir-se sozinho de um corpo para formar outro corpo. As ramificações desta bizarria descontrolada e apaixonada de Tobe Hooper são quase infindáveis. Impulsos irresistíveis, a pureza como uma força de destruição maciça, a vida como estância de um trajecto muito maior e que atravessa o coração do cosmos, sexo, amor, morte, ciência e superstição, embalados pela música épica de Henry Mancini e condensados pelo complexo e enigmático “use my body” proferido pela mulher do espaço.
“Depois disto tudo, uma multidão de londrinos cadavéricos abraçam-se e beijam-se uns aos outros nas ruas de uma cidade em quarentena, em busca dessa força vital de cor azul clara que fulgura em planos prodigiosos pela noite ou de um bocado de afecto e calor humano em tempos de pestes e isolamentos forçados. Como lidar com uma ameaça e com um flagelo que não se resolve (e só ganha mais força) com um abraço ou um toque nas mãos? O filme em que Tobe Hooper teve rédea livre para exorcizar e libertar os seus demónios, e que foi um insucesso considerável em meados dos anos 80, no século XXI e no ano da graça de 2020 torna-se profético. Para completar a profecia, também começa tudo com morcegos, estes gigantes, importunados nos seus altares selados de cristal nos confins do universo pela curiosidade humana, sempre tão propensa a abrir caixas de Pandora para tentar vislumbrar o fundo do abismo, empoleirada sobre as bordas que nos sustentam a todos.”
Amanhã, a escolha de Marta Mateus.
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