Poderia dizer-se que Jorge é um homem feliz.
Chega a casa ao fim de um dia com muitos incêndios, como todos os outros.
À noite vai encontrar-se com um industrial japonês para abandonar o seu lugar de professor e voltar a trabalhar como químico.
Mas, ao regressar, encontra alguém em casa. Alguém que não conhece.
A partir daí tudo vai ser diferente...
Texto de Jorge Leitão Ramos para o Expresso 21-01-1998:
"Coitado do Jorge" é o filme português que vai ficar com o pulsar interior dos anos do cavaquismo. É uma história de burgueses confortáveis num mundo onde está tudo a arder. Fisicamente, por fora, e vivencialmente, por dentro. É um filme por cujos poros sai um odor de desgosto, como se qualquer coisa de essencial se tivesse desagregado e os viventes não tivessem dado por isso. O protagonista (Jorge/Jerzy Radziwilowicz) está a fazer 36 anos e o seu mundo está convulso. Até que descobre um ladrãozeco (Ernesto/Manuel Wiborg) dentro de casa e se torna de interesse por ele, por esse mundo que lhe é exterior. Descobrimos, devagar, que a estabilidade é uma coisa frágil. Silva Melo não se limita a colocar os incêndios por toda a parte nesse principio de Verão em que aquela realidade está cercada, mas eles nem se inquietam. São os sentimentos que começam a aparecer crispados (há gritos, choros, feridas, desavenças, no fundo da imagem e na banda de som); são os valores sociais que começam a evidenciar-se ausentes; é um viver para coisa nenhuma que emerge.
Mas, na fascinação pelo outro lado, pelo mundo proletário (o termo não é nada rigoroso, usemo-lo para abreviar razões), a descoberta da sua vitalidade (carnal, sensual, antes de tudo) não oferece contrapartida, alternativa real. "Coitado do Jorge" é também um filme sobre o fim do marxismo enquanto perspectiva futurizando uma qualquer redenção. Mas não o é enquanto constatação de uma mecânica social fundada na luta de classes. De facto, o percurso que acaba por envolver Jorge e Ernesto não tem o mesmo fim para ambos. Porque um tem as saídas seguras, enquanto o outro navega à vista.
Filmado em 1992, apresentado em 1993 nos Festivais de Taormina e de Dunquerque, onde ganhou os prémios de melhor realizador e melhor actor (Manuel Wiborg), exibido nas quartas jornadas de cinema português de Rouen, em Janeiro de 1994, "Coitado do Jorge" é um filme que, até 1997, não foi exibido em Portugal, nem sequer na Cinemateca, por vontade expressa de Jorge de Silva Melo, entretanto em litígio judicial com a Inforfilmes, de Acácio de Almeida, a empresa produtora. A sua distribuição chegou a ser anunciada pela Atalanta, nunca tendo vindo a efectivar-se. Eis senão quando o filme aparece surpreendentemente no mercado videográfico (em Dezembro de 1997) no que é mais uma originalidade no interior do cinema português que, pelos vistos, se pode dar ao luxo de prescindir de uma carreira nas salas de um filme que não é exactamente um objecto descartável, quer o olhemos pelo prisma da dimensão da sua produção (é uma co-produção luso-franco-espanhola) quer o olhemos pelo seu valor estético. "
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