João vive da prostituição; é um homem já perto dos 30, com os olhos vazios e o corpo roído pelas drogas e pela vida. O pouco que tinha deixou-o para trás para andar por aí, sem nunca procurar nada de especial. Antes trabalhava nos cafés ou nas obras, mas o vício tornou-o amargo e é preciso ganhar mais dinheiro e mais depressa. Teresa já o acompanha há mais de três anos. Sem sonhos nem ambições, cedo deixou a casa dos pais, Teresa tem uma natureza sombria e é levada por um instinto suicida, que a faz perder o amor-próprio. Agora está doente e deixa-se andar suja e desprotegida. Devia fazer tratamentos no hospital, mas já tanto lhe faz... Teresa e João acompanham-se neste processo repetitivo e cansado.
Sozinhos, mas ante o vazio repetitivo, o tempo sem mudança, a dor contínua, a exposição descarnada da mais irremedível das grilhetas (a heroína), estão os dois protagonistas de "Noites". É um filme curto, sem passado nem devir para os seus protagonistas, sem parentesco no cinema português, que nos obriga a olhar para os toxicodependentes de um modo obsessivo. Onde, no quotidiano, sem desviar o olhar, aqui Cláudia Tomaz força-nos uma realidade. Uma realidade dura, em que a dupla protagonista (Cláudia Tomaz/João Pereira), também interpretes e co-argumentistas, casal que a edificação do filme emparceirou) se expõe até ao limite, na dúbia e perturbante vacilação das fronteiras do que é cinema e do que é verdade, do que é preciso do que haja de verdade para que o cinema seja alguma coisa da vida. Ternura e aflição, quase nada de raiva, eia o que "Noites" exala. Acho que ninguém saberá dizer se este é um grande filme, mas é, com certeza, um objecto onde se jogam coisas fundamentais para o lugar do cinema. E isso basta.
* In Expresso, 9-9-2000.
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