quarta-feira, 26 de abril de 2017

Tudo O Que O Céu Permite (All That Heaven Allows) 1955

Tudo O Que O Céu Permite (All That Heaven Allows) foi realizado no período de maior apogeu da capacidade criativa de Sirk. Alguns críticos consideram-no o seu melhor filme de sempre, mas outros inclinam-se para Escrito No Vento ou Imitação de Vida. É natural esta divisão de opiniões. Sirk não foi um cineasta de uma obra só, ou, pelo menos, de ter um filme que claramente se distinga dos restantes.
Como quase sempre sucedeu no cinema americano, Douglas Sirk foi pioneiro na introdução de temas sociais incómodos na estrutura melodramática, numa acção deliberada que só encontra paralelismo na obra de Frank Capra, embora, no seu caso, ainda de forma mais incisiva. A subversão do melodrama, não se faz pela transformação da ideia original de argumento que se baseia numa história de amor, mas pela adição de novos temas, por vezes de forma aparentemente lateral, mas que acabam por ser decisivos na contextualização global do filme. Por isso, não é de estranhar que no meio de amores desavindos surjam temas como o racismo, ou a decadência moral da burguesia. Penso que nunca ninguém o fez de forma tão incisiva e metodicamente elaborada como Douglas Sirk. Estes temas colam-se ao argumento melodramático como uma segunda pele e tornam-se dele totalmente indissociáveis. Neste filme é a paixão inusitada e «contranatura» entre uma mulher burguesa (Jane Wyman) e o seu jardineiro (Rock Hudson). Todo o desenvolvimento do enredo gira em torno do preconceito social. Como é possível numa América tão ciosa dos seus valores morais conservadores (muito mais, obviamente nos anos 50 do que na actualidade) haver um relacionamento amoroso marcado por um tal desnível social? Sirk representa esse preconceito através da reprovação e das pressões dos círculos sociais e familiares da mulher que levam a que a história se complexifique, com sucessivas reviravoltas, até ter um final feliz. De facto, o amor nunca é simples e Douglas Sirk está aqui para o demonstrar de forma absolutamente evidente. Em termos técnicos o filme é absolutamente irrepreensível, com aquele tipo de realização a um tempo artificial e discreto, com uma utilização absolutamente maravilhosa da cor e com uma notável direcção de actores, com destaque para o então já imprescindível Rock Hudson e para Jane Wyman. T
udo O Que O Céu Permite foi a minha porta de entrada no universo particular de Sirk. Sendo eu, um admirador da obra de Todd Haynes e, em particular de Longe do Paraíso (Far From Heaven), li uma entrevista deste cineasta em que afirmava que este filme era uma homenagem declarada ao cinema de Sirk, que, segundo ele, não tinha sido suficientemente valorizado. Os pontos de contacto entre os dois filmes são evidentes: quer a mesma localização no tempo (anos 50), quer a mesma denúncia de uma América conservadora e preconceituosa. Mas também se revela no relacionamento entre uma mulher burguesa e o seu jardineiro e igualmente no mesmo tipo de planos e de utilização da cor. O filme de Haynes acrescenta-lhe alguns pormenores que radicalizam a situação: a homossexualidade do marido que conduz à separação do casal e o facto de o jardineiro ser negro o que pode ser entendido como uma referência a Imitação de Vida, o derradeiro filme de Sirk. Em Tudo O Que O Céu Permite, há um happy end que não existe em Longe do Paraíso, onde o racismo é mais forte do que o amor. Mas, foi o entusiasmo com que Haynes se referiu ao filme do cineasta alemão, que me despertou a curiosidade em vê-lo e a entrar no maravilhoso universo cinematográfico de Douglas Sirk. 
* Texto de Jorge Saraiva.

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