quinta-feira, 27 de abril de 2017

O Rebelde da Irlanda (Captain Lightfoot) 1955

Já no auge dos seus melodramas que o tornariam famoso, entre Tudo O Que O Céu Permite e Escrito No Vento, Douglas Sirk teve tempo para explorar um género a que poucas vezes se dedicou: o filme de aventuras. O Rebelde da Irlanda (Captain Lightfoot) parte da adaptação do romance homónimo de W.R. Burnett, escrito em 1954. Com o seu perfeccionismo habitual, as filmagens foram rodadas na própria Irlanda.
Há filmes de aventuras para todos os gostos. Os de Sirk nunca são inocentes, como aliás nenhum filme seu, em qualquer género, o é. A trama passa-se no início do século XIX (1815) e centra-se na luta dos irlandeses patriotas contra a ocupação colonial inglesa que foi particularmente odiosa. Nesse sentido, este é um dos filmes com uma mensagem política mais clara e transparente de toda a sua filmografia. Aparentemente perdida no meio das aventuras e de um romance de amor, fica a imagem da corrupção e prepotência das autoridades inglesas e o seu conluio com os «traidores» irlandeses que o servem. Ou seja, num período em que estes temas raramente eram abordados, o filme coloca-se claramente ao lado da causa irlandesa de expulsar os opressores ingleses da sua pátria. Quando comparado com filmes posteriores que abordam o mesmo tema, como Ventos de Liberdade de Ken Loach, ou Michael Collins de Neil Jordan, em nada fica a perder em relação às questões de conteúdo e suplanta-os largamente do ponto de vista estético. Mais do que uma consciência política aprofundada, ressalta-se o sentimento de combate à injustiça ainda que de forma pouco ortodoxa. Há aqui uma ironia particular: o aproveitamento da lendária figura de Robin dos Bosques (uma espécie de herói inglês) para criar uma resposta irlandesa. O protagonista, Michael Martin (mais uma vez interpretado por Rock Hudson numa das suas últimas colaborações com Sirk) é um pequeno assaltante de aldeia que rouba aos ricos para que o dinheiro seja entregue a uma associação patriótica que o distribuirá pelos camponeses, oprimidos com os impostos da coroa inglesa. Jovem atrevido e pouco dado a subtilezas tácticas, pretende mais acção do que palavras contra a vontade do presidente da associação. Decide então ir para Dublin depois de um ataque mais ousado que coloca a sua cabeça a prémio. Ajudado por um falso padre, que mais não é do que o célebre capitão Thunderbolt, o mítico líder dos resistentes irlandeses. A cumplicidade entre ambos é imediata: querem mais acção e menos palavras, nem que para isso a referida acção passe por formas pouco ortodoxas, designadamente a exploração de um casino frequentado pelas autoridades inglesas e pelos privilegiados irlandeses que o servem, para distribuir os ganhos pelos mais pobres. Há alguns pontos fracos no argumento que não sei se já existem no romance original, uma vez que não o li. E esses pontos prendem-se com a ideia de metamorfose das personagens, que é um dos elementos centrais dos filmes de Sirk: como é que um jovem camponês se torna rapidamente num líder tão desenvolto e firme assumindo responsabilidades na altura em que o seu chefe é ferido? Como é que o líder da associação patriótica da sua aldeia, passa de um conciliador a traidor e de traidor a um corajoso patriota que arrisca a sua própria vida? 
Alguém disse um dia que Douglas Sirk é mais complexo do que Ingmar Bergman. Não sei se concordo, mas percebo as justificações: os filmes de Bergman são naturalmente complexos, enquanto que os filmes de Sirk são aparentemente simples. Mas por detrás dessa pseudo simplicidade, descobre-se um cineasta que sabe muito bem o que quer e como administrar as doses de veneno necessárias. Não é por acaso que lhe chamaram o realizador esquerdista. E este é um dos filmes que mais contribuiu para essa reputação. 
* Texto de Jorge Saraiva

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