terça-feira, 24 de outubro de 2023

Toda a Revolução é um Golpe de Dados (Toute Révolution est un Coup de Dés) 1977

Stéphane Mallarmé é hoje reconhecido como um dos mais importantes poetas franceses da segunda metade do século XIX. A sua obra é normalmente designada como obscura e hermética, mas também como profundamente inovadora e experimental onde os jogos de linguagem e a musicalidade das palavras desempenhavam um papel preponderante. Embora não fosse reconhecido na altura como alguns dos seus contemporâneos, a sua influência em movimentos artísticos do século XX como o futurismo e mesmo o dadaísmo foi amplamente reconhecida posteriormente. O seu poema Un Coup de Dés Jamais N'Abolira le Hasard (Um Lance de Dados Jamais Abolirá o Acaso) publicado em 1897 é um extenso «ensaio filosófico» justamente considerado como um precursor da poesia moderna, naquilo que se convencionou chamar de poesia tipográfica, ou seja, com verso livre e intensa musicalidade das palavras.
Foi a esse poema que Danièle Huillet e Jean-Marie Straub recorreram para realizarem a curta metragem de pouco mais de dez minutos, Toda a Revolução É um Lance de Dados. O título inspira-se numa frase do historiador e filósofo francês Jules Michelet (1798-1874) e é dedicado a Franz Van de Staak, Jean Narboni e Jacques Rivette «entre tantos outros». A concepção do filme é muito simples e bastante comum na sua forma de realizar. Um grupo de nove pessoas sentada na relva de um jardim de Paris recitam o referido poema de Mallarmé. As vozes nunca se sobrepõem, mas a apresentação do poema parece ser relativamente aleatória. Não há uma repartição equitativa nas intervenções dos recitantes. Nalguns casos apresentam excertos relativamente extensos do poema, noutros, apenas uma ou duas palavras. Apesar deste cariz aparentemente casual, percebe-se que, tal como em todos os seus filmes, houve um intenso trabalho de preparação dos actores. Mas talvez o mais interessante e enigmático de todo o filme é que antes e após a recitação do poema, são apresentadas imagens introdutórias e conclusivas. Se estas consistem num plano fixo e distante da câmara relativamente às ruas e edifícios de Paris, já as primeiras apresentam imagens do monumento aos mortos na insurreição que ficou conhecida como A Comuna de Paris de 1871. E se o poema recitado e objecto do filme não é obviamente um poema político, porquê esta associação com o episódio simultaneamente glorioso e trágico da Comuna de Paris?
«A Paris operária, com a sua Comuna, será para sempre celebrada como a gloriosa precursora de uma sociedade nova. A recordação dos seus mártires conserva-se piedosamente no grande coração da classe operária. Quanto aos seus exterminadores, a História já os pregou a um pelourinho eterno, e todas as orações dos seus padres não conseguirão resgatá-los», escreveu Karl Marx sobre os acontecimentos da Comuna d Paris. 
Na minha interpretação, a junção de dois factos (A Comuna e o poema de Mallarmé) sem nenhuma aparente ligação, só pode ser estabelecida pelo elo comum de ambos (cada um a seu modo) serem formas de ruptura e apelos à transformação. No primeiro caso, social, no segundo, estético. O que significa que se toda a revolução é um golpe de dados, ela também deve ser entendida como uma transformação radical a que nada pode ser imune, sejam as velhas estruturas da sociedade de classes, sejam as velhas fórmulas anquilosadas do conformismo na criação artística.
Legendas em Inglês.
* texto de Jorge Saraiva

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3 comentários:

  1. Para todos aqueles que lerem isto:

    Os votos de um Feliz 2024.

    E um grande abraço ao Chico, onde quer que ele esteja. E obrigado por todos os anos de muitos e bons filmes que ofereceste a esta comunidade.

    Se algum dia te apetecer voltar, cá estaremos para desfrutar das tuas dádivas.

    BOM ANO PARA TODOS

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  2. Olá Ronan, desculpem a demora. Tenho andado distraído com outras coisas.
    Assim que possa eu volto.

    Abraço a todos.

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  3. Obrigado pela resposta, Chico.
    Espero que esteja tudo bem contigo e com os teus.

    Um grande abraço e até ao teu regresso.

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