domingo, 23 de fevereiro de 2020

Ah, Ernesto (En Rachâchant) 1982

Ah Ernesto foi originariamente um conto de Margueritte Duras escrito em 1971. Parece que a escritora se interessou particularmente pela personagem por si criada, já que voltou a dar-lhe vida no filme Les Enfants de 1985 e no romance La Pluie D´été de 1980.
O conto é muito pequeno e a sua passagem ao cinema daria azo à mais curta metragem de toda a cinematografia conjunta de Straub e Huillet. São apenas sete minutos (com os créditos iniciais e finais incluídos), filmados a preto e branco e falados em francês. Tem apenas quatro actores, a criança, os seus pais e o director da escola. Ernesto, um aluno do ensino primário (para utilizar uma expressão antiga) chega a casa e diz aos pais que não quer ir mais à escola porque nesta só lhe ensinam coisas que ele não sabe. Alarmados, os pais decidem levar a criança para uma conversa como director da escola. Trata-se de uma criança que passa completamente despercebida (exceptuando o facto de usar óculos com lentes grossas) a ponto de nem sequer o director se lembrar dele. A troca de palavras entre aluno e director é particularmente saborosa e plena de humor, contrariando a ideia de que Straub e Huillet só filmavam textos densos sérios. Quando lhe é perguntado como é que vai aprender aquilo que não sabe se não for a escola a ensinar-lhe, Ernesto responde prontamente: é fácil: En rachâchant, abandonando de imediato a sala onde decorre a entrevista e deixando pais e director a fazerem prognósticos soturnos sobre o seu futuro. Aliás será En Rachâchant o título que os realizadores deram ao filme.
Parece-me um pouco despropositado fazer grandes considerações sobre um conto e um livro tão simples e com um tamanho tão pequeno. No entanto, após ter visto Ah! Ernesto, duas reflexões impuseram-se-me de imediato: por um lado, um elogio ao não conformismo e à irreverência infantil, Ernesto pode não ter razão e seguramente se arrependerá mais tarde da sua atitude, mas a tentativa de fugir à norma estabelecida e de questionar a aprendizagem escolar, como uma verdade indiscutível deve ser amplamente valorizada; por outro lado, o papel da escola como uma instituição de socialização forçada e de normalização de comportamentos e de atitudes, pode e deve ser questionada. Todos devem aprender o mesmo e da mesma maneira. Afinal, uma criança que quer marcar a diferença mesmo na sua ingenuidade, deve ser incentivada e não vista como um empecilho ou uma tragédia. Outras questões mais profundas sobre a qualidade e utilidade do que se aprende nas escolas sobre as relações entre o saber e o não-saber e sobre a relação entre o saber e a felicidade são igualmente lícitas a partir deste pequeno filme, que se revela um fecundo ponto de partida para inúmeras discussões. 
No seu livro Sociedade Sem Escolas, escrito, tal como o conto de Duras, em 1971, Ivan Illich afirmava que a verdadeira aprendizagem só será possível quando as escolas acabarem. Talvez seja esta a melhor forma de sintetizar a forma de estar de Ernesto!
Legendas em inglês.
Texto de Jorge Saraiva

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