sábado, 28 de fevereiro de 2015
Vou Para Casa (Vou Para Casa) 2001
Gilbert Valence é um actor de teatro, e o seu talento e a sua carreira deram-lhe os papéis mais importantes que um actor pode desejar. Uma noite, no fim de uma representação, a tragédia irrompe na sua vida; o seu agente e velho amigo, Georges, diz-lhe que a sua mulher, a filha e o genro acabaram de falecer num acidente de viação.
A tristeza tarda em chegar, mas, lá mesmo no fim, alvorece. É num daqueles planos mágicos de que Oliveira e muitos poucos outros detêm o segredo, quando o miúdo vêm à porta e, entre ombreiras, vê o avô subir a escada. De súbito o seu rosto tolda-se e fica assim, traçado a mágoa, antes que o escuro aconteça, o genérico final desponte e uma musiquinha de maquineta sublime ainda mais, na sua graciosidade, o que acabámos de ver. O grande actor envelhecido vai repousar, dissera ele, o mais provável é que vá para morrer, já que cumprindo-se no filme o que a peça de Ionesco anunciara na sua abertura, ninguém nasce para sempre.
Depois de "Viagem ao Princípio do Mundo" e antes de "Porto da Minha Infância", Manoel de Oliveira, encara, ainda uma vez, a morte. Não o colapso, o momento terminal, o ataque cardíaco, o último suspiro, melodramatismos em que não está interessado. Antes, a morte em trabalho.
"Vou para Casa" é um filme de cumplicidade. De cumplicidade entre um cineasta e um actor, ambos com respeitadíssimas idade e carreira (Oliveira com 92 anos de idade e 70 de profissão, Piccoli com 76 de idade e 52 de actividadade) que enfrentam o inominável, numa parceria onde o humor e a ironia sábia dão cartas e há uma serenidade sem angustias. Só essa cumplicidade muito estreita permite aquele longo plano em que o actor é maquilhado, rejuvenescido, para efeitos de cinema e transformado num boneco assaz ridículo. Só um entendimento partilhado da vida permite concede essa cena em que se fala de solidão e se mostram sapatos. E, depois, "Vou Para Casa" é um filme de cinema. Com maiúscula, vale o atrevimento, porque não há muitos exemplos actuais de cometimentos que só o cinema propicia, da exploração do fora-de-campo e do tempo de um plano, das modificações de um rosto, da potencialidade de narrar imenso sem palavras. (In Expresso - 22-9-2001).
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