sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Paraíso Perdido (Paraíso Perdido) 1995
Degrada-se, dia a dia, o casamento de Cristóvão, 48 anos, docente universitário atormentado pelos fantasmas de uma pesada herança familiar - loucura e homicídio.
Quando Cristóvão encontra Cristina, 20 anos de espontaneidade e sem assomo de medos, mas com um passado lacunar, algures perdido entre Angola e Portugal, é absorvido pela idéia de a ajudar a encontrar as raízes da sua vida. À medida que o "puzzle" se vai compondo a paixão arrebata-os; ao que a impossibilidade dela gerar (Cristina não pode ter filhos porque pode morrer de parto) acrescenta um elemento redentor: como se não houvesse possibilidade de futuro e o presente fosse o único sentido. No desvelamento do passado de Cristina, Cristóvão, omitindo o seu passado, sente a esperança de o reinventar.
Há filmes malfadados. No berço, um encantamento perverso condenou-os a uma existência pária, "zombies" num universo de espectáculo de que eles são, por assim dizer, o avesso. Assim terá ocorrido com este "Paraíso Perdido", filme de Alberto Seixas Santos, longos anos vagueando no limbo dos mortos-vivos. Faz-se, não se faz, completa-se, não se completa, é visível, não é visível, estreia ou não estreia nunca? Estas - e outras - perguntas e um nunca acabar de rumores acompanharam a génese, o crescimento, o parto e a clausura da fita, numa sucessão de feitiços meléficos que pareceram ser fatais.
Tudo começou em 1977. No plano de produção para o IPC para esse ano consta uma atribuição de subsidio à Cooperativa Grupo Zero, para o filme "Rosa", de Alberto Seixas Santos, orçamentado em 3.041.684$00. Mais tarde, muda o projecto (passou a designar-se "Paraíso Perdido") muda o produtor (que passou a ser o Animatógrafo, de António da Cunha Telles) - e, em 1986, iniciam-se, enfim, as filmagens. Atribuladas, diga-se (a poucos dias de se iniciarem o actor protagonista teve de ser mudado, e foi apenas um dos episódios..). Finda-se estas, entra-se na fase de pós-produção. Interminável, o filme arrasta-se durante anos. Corre, por esses dias, em Lisboa, que "Paraíso Perdido" seria pavoroso, que nada ligava com coisa nenhuma, que Seixas Santos não completava o filme por pânico de dar a ver horrores de desfazer a mais sólida das reputações.
10 de Novembro de 1995 foi o momento de rasgar todos os véus. "Paraíso Perdido" - talvez o mais difícil parto do cinema português das últimas décadas - confronta-se com o público, com a crítica, com a luz do dia. Só que passou tantos anos na sombra que é de temer que a luz o ofusque - e, sobretudo, que o mundo em que foi pensado se tenha ido embora.
Que mundo é esse? Um mundo de fim-de-império, de gente que voltou das colónias, mas guarda uma espécie de mito guardado no fundo da alma. (os grandes espaços de África, um tempo idealizadamente feliz - por contraponto à pequenez deste "cochico" plantado no fundo da Europa). Um mundo onde os cinéfilos ainda tinham o Quarteto como catedral, um mundo que ainda não atravessara os anos laranja, que ainda não vira esta nossa gente armar-se em nova-rica, apinocar-se, jogar na bolsa, auto-estradar-se. O Portugal de Paraíso Perdido é pré-cavaquista, está desorientado, anda à procura de raízes, não é capaz de procriar por cobardia, tem muito medo - e quando encontra a verdade plantada do passado, não está lá coisa nenhuma a que seja possível uma pessoa arrimar-se, muito pelo contrário. A realidade é um desatino triste, uma loucura sem grandeza, um desacerto prolongado, um sarcasmo de demência visionária, apenas uma maluquice.
Por Jorge Leitão Ramos, em "Dicionário do Cinema Português 1989-2003".
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