terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Ofício de Matar (Le Samouraï) 1967


"Le Samouraï" era o segundo dos filmes de Jean-Pierre Melville a cores, mas podia muito bem ter sido feito a preto e branco. As cores das ruas parisienses e as paredes cinzentas dos interiores sugerem uma zona moral escura, um lugar em que as personagens derivam, e ocasionalmente, dão encontrões umas nas outras. Como a maioria das mais conhecidas obras de Melville, a alma do filme está profundamente enraizada no élan do filme noir americano e o seu universo restrito de gravidade, moralidade e interlúdios fatídicos. Quando era mais novo, Melville tinha absorvido tudo o que Hollywood poderia oferecer, e era isso que ele queria dar quando começou a carreira como realizador, na cinema na década de 1950, trabalhando independentemente no seu próprio estúdio e reformulando géneros americanos com um toque decididamente europeu.
O herói de Melville em "Le Samouraï" é Jef Costello (Alain Delon), o "samurai" do título, embora não no sentido de que nós geralmente pensamos. Jef não é definido pela nobreza do propósito ou mesmo pela consistência da visão, mas sim pela sua solidão. Uma citação inventada no início do filme informa-nos sobre a solidão da vida do samurai, algo que Melville invoca imediatamente com monotomia, Jef no quarto do apartamento. Como os mais emblemáticos durões, Jef é um homem de poucas palavras, mas é também um homem de pouca acção. Um assassino contratado, ele mata o proprietário de uma boate logo no início do filme, um acto que irá ter um efeito dominó de eventos que acabará por leva-lo à ruína. No entanto, Jef é tão resignado que parece não se importar. De certa forma, ele é o epítome do "ultra-cool" (daí porque tanto John Woo como Quentin Tarantino são tão fervorosos admiradores do filme), mas ao mesmo tempo ele parece ser um fantasma na sua própria vida. 
Um investigador da polícia (François Périer) tem a certeza de que Jef está por trás do crime, e ainda consegue levá-lo para a esquadra para identificação. No entanto, Jef tem um álibi perfeito inventado com a sua namorada, Jane Lagrange (Nathalie Delon), e uma pianista na boate (Caty Rosier) que o viu sair do escritório do proprietário, mas recusa-se a identificá-lo por razões que apenas descobrimos mais tarde. No entanto, apesar de Jef parecer escapar da acusação, continua a ser arrastado pela polícia e, de seguida, torna-se um alvo ele próprio quando os seus empregadores decidem que a fixação da polícia nele é um risco.
Isso faz com que "Le Samouraï" pareça ter uma história pesada, mas na verdade não tem. Como nos seus outros filmes de gangsters, Melville leva o seu tempo a desenhar os eventos, focando-se mais nos personagens e na atmosfera do que no "quem, o quê, quando ou por quê". Alguns elementos são deixados intencionalmente vagos, incluindo o caráter da personagem Jef, cuja falta de uma história de fundo e motivos transformam-no numa projecção de fantasia do estoicismo masculino.
Este papel, não surpreendentemente, fez de Alain Delon uma estrela. Apesar da sua gama limitada de expressões, Delon transmite muito através dos seus penetrantes olhos azuis, e os seus pequenos gestos de linguagem corporal. A frieza tão lhe frequentemente atribuída  é um produto da sua completa auto-confiança, o que o leva a tomar uma decisão crucial no último acto que finalmente lhe imbui com um sentido de nobreza, além de toda a sua solidão.

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