sexta-feira, 30 de agosto de 2019

As Olimpíadas de Tóquio (Tôkyô Orinpikku) 1965

"As Olimpíadas de Tóquio" (Tokyo Orimpikku) é um documentário profundamente humanista de Kon Ichikawa sobre os Jogos Olímpicos de 1964, em Tóquio, no Japão, que esteve quase para não ser feito. Inicialmente rejeitado pelo Comité Olímpico Japonês por ser artístico demais, que procurava um documentário mais noticioso num estilo mais tradicional, focado nos vencedores de medalhas japoneses e na recém modernizada cidade de Tóquio, o documentário de Ichikawa acabou por se ver envolvido numa encruzilhada que se centrava num dos grandes paradoxos do cinema documental: o realizador está ali simplesmente para gravar, ou para interpretar?
Felizmente, a obra-prima de Ichikawa sobreviveu à provação que parecia um pouco ridícula, dada a natureza magnífica do filme. Não convencional, sim. Mas é essa natureza não convencional de Ichikawa que vem da sensibilidade única do realizador como cineasta japonês do pós-guerra, que torna o filme tão memorável e único. Todas as Olimpíadas encomendam um filme oficial, e a maioria deles são reportagens intercambiáveis sobre quem ganhou o quê. Poucos destes documentários chegam às Olimpíadas e comemoram não só o objectivo real dos jogos, reunir pessoas de todas as nacionalidades e etnias em competições de boa vontade, mas também mostram a humanidade dos competidores. As câmaras de Ichikawa procuram e elucidam não apenas atletas de grande talento, mas também as dolorosas dimensões humanas da competição, o que significa que o filme se foca nos perdedores com a mesma frequência que dos vencedores.
Visualmente o filme é uma maravilha das técnicas cinematográficas, muitas das quais eram inovadoras na altura naquilo que era aceitável para um documentário desportivo. Nunca satisfeito em apenas capturar o evento em filme, Ichikawa procurou transmitir mais minuciosamente a experiência das Olimpíadas. Por exemplo, ele emprega a câmara lenta durante as corridas, para que possamos ver todos os músculos dos atletas, a tensão nos seus rostos, o desejo nos seus olhos. Para fazer a transição para a ginástica ele dá-nos uma imagem abstrata de uma única ginasta contra um fundo preto, usando câmara lenta e múltiplas exposições para destacar ainda mais a beleza dos movimentos físicos.
Mas, de certa forma, o Comité Olimpíco Japonês estava absolutamente certo em rejeitar "Tokyo Orimpikku". Enquanto que eles queriam um documentário rigoroso e objectivo sobre o que aconteceu naqueles 17 dias em Tóquio, Ichikawa deu-lhes um poema visual e pessoal sobre a natureza humana. Quem ganhou com isso? Todos nós.
Legendas em inglês.

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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

120 Filmes Noir

Este post já tem uns anitos. Cinco, para falar a verdade, mas hoje resolvi passa-lo para o topo porque muitos dos novos visitantes do blog talvez não o conheçam, e convém ser visitado de vez em quando para que os links não se percam. Disfrutem à vontade.

The Maltese Falcon (1941, John Huston) - Imdb Link
Double Indemnity (1944, Billy Wilder) - Imdb Link
The Big Sleep (1946, Howard Hawks) - Imdb Link
Sunset Boulevard (1950, Billy Wilder) - Imdb Link
The Third Man (1949, Carol Reed) - Imdb Link
M (1931, Fritz Lang) - Imdb Link
Notorious (1946, Alfred Hitchcock) - Imdb Link
Touch of Evil (1948, Orson Welles) - Imdb Link
Cris Cross (1949, Robert Siodmak) - Imdb Link
Strangers on a Train (1951, Alfred Hitchcock) - Imdb Link
Out of the Past (1947, Jacques Tourneur) - Imdb Link
The Big Combo (1955, Joseph H. Lewis) - Imdb Link
The Night of the Hunter (1955, Charles Laughton) - Imdb Link
The Killing (1956, Stanley Kubrick) - Imdb Link
Key Largo (1948, John Huston) - Imdb Link
The Killers (1946, Robert Siodmak) - Imdb Link
I Am a Fugitive From a Chain Gang (1932, Mervyn Le Roy) - Imdb Link Legenda
Ace in the Hole (1951, Billy Wilder) - Imdb Link
Laura (1944, Otto Preminger) - Imdb Link
White Heat (1949, Raoul Walsh) - Imdb Link

The Lost Weekend (1945, Billy Wilder) - Imdb Link
Angels With Dirty Faces (1938, Michael Curtiz) - Imdb Link
Du Rififi Chez Les Hommes (1955, Jules Dassin) - Imdb Link
Sweet Smell of Success (Alexander Mackendrick) - Imdb Link
The Blue Dahlia (1946, George Marshall) - Imdb Link
Night and the City (1950, Jules Dassin) - Imdb Link
The Set-Up (1949, Robert Wise) - Imdb Link Legenda
Scarface (1932, Howard Hawks) - Imdb Link
Shadow of a Doubt (1933, Alfred Hitchcock) - Imdb Link
The Big Heat (1953, Fritz Lang) - Imdb Link
The Asphalt Jungle (1950, John Huston) - Imdb Link
Nightmare Alley (1947, Edmund Goulding) Imdb Link Legenda
Body and Soul (1947, Robert Rossen) - Imdb Link
In a Lonely Place (1950, Nicholas Ray) - Imdb Link
The Lady From Shangai (1947, Orson Welles) - Imdb Link
Ossessione (1943, Luchino Visconti) - Imdb Link
The Woman In the Window (1944, Fritz Lang) - Imdb Link
Pickup on South Street (1953, Samuel Fuller) - Imdb Link
Scarlet Street (1945, Fritz Lang) - Imdb Link
Kiss of Death (1947, Henry Hathaway) - Imdb Link

Gun Crazy (1950, Joseph H. Lewis) - Imdb Link Legendas
Mildred Pierce (1945, Michael Curtiz) - Imdb Link
Where the Sidewalk Ends (1950, Otto Preminger) - Imdb Link
The Naked City (1948, Jules Dassin) - Imdb Link
Gilda (1946, Charles Vidor) - Imdb Link
Murder, My Sweet (1944, Edward Dmytryk) - Imdb Link
Kiss Me Deadly (1955, Robert Aldrich) - Imdb Link
Sudden Fear (1952, David Miller) - Imdb Link
This Gun for Hire (1942, Frank Tuttle) - Imdb Link
Dark Passage (1947, Delmer Daves) - Imdb Link
The Postman Always Rings Twice (1946, Tay Garnett) - Imdb Link
Fury (1936, Fritz Lang) - Imdb Link
Leave Her to Heaven (1945, John M. Stahl) - Imdb Link
D.O.A. (1950, Rudolph Mathé) - Imdb Link
Kansas City Confidential (1952, Phil Karlson) Imdb Link
Force of Evil (1948, Abraham Polonsky) Imdb Link
Crossfire (1947, Edward Dmytryk) - Imdb Link
The Strange Love of Martha Ivers (1946, Lewis Milestone) - Imdb Link
House of Strangers (1949, Joseph L. Mankiewicz) - Imdb Link
The Wrong Man (1956, Alfred Hitchcock) - Imdb Link

Odds Against Tomorrow (1959, Robert Wise) - Imdb Link
Raw Deal (1948, Anthony Mann) - Imdb Link Legendas
Act of Violence (1948, Fred Zinnemann) - Imdb Link
The Stranger (1946, Orson Welles) - Imdb Link
You Only Live Once (1937, Fritz Lang) - Imdb Link
Angel Face (1952, Otto Preminger) - Imdb Link
Pitfall (1948, André de Toth) - Imdb Link
Detour (1945, Edgar G. Ulmer) - Imdb Link
On Dangerous Ground (1951, Nicholas Ray) Imdb Link
Panic in the Streets (1950, Elia Kazan) - Imdb Link
Human Desire (1954, Fritz Lang) - Imdb Link
Fallen Angel (1945, Otto Preminger) - Imdb Link
Cry of the City (1948, Robert Siodmak) - Imdb Link
Dead Reckoning (1947, John Cromwell) - Imdb Link
T-Men (1947, Anthony Mann) - Imdb Link
Party Girl (1958, Nicholas Ray) - Imdb Link
Clash By Night (1952, Fritz Lang) - Imdb Link
Mystery Street (1950, John Sturges) - Imdb Link
Niagara (1953, Henry Hathaway) - Imdb Link
While the City Sleeps (1956, Fritz Lang) - Imdb Link

Beyond a Resonable Doubt (1956, Fritz Lang) Imdb Link
The Big Steal (1949, Don Siegel) - Imdb Link
Black Angel (1946, Roy William Neill) - Imdb Link
Born to Kill (1947, Robert Wise) - Imdb Link
Brute Force (1947, Jules Dassin) - Imdb Link
Call Northside 777 (1948, Henry Hathaway) - Imdb Link
Caugh (1949, Max Ophüls) - Imdb Link
Cry Danger (1951, Robert Parish) - Imdb Link 
Follow Me Quietly (1949, Richard Fleischer) - Imdb Link
Journey Into Fear (1943, Norman Foster) - Imdb Link
Lady in the Lake (1947, Robert Montgomery) - Imdb Link
My Name is Julia Ross  (1945, Joseph H. Lewis) - Imdb Link
Nightfall (1957, Jacques Tourneur) - Imdb Link
Pushover (1954, Richard Quine) - Imdb Link
The Shanghai Gesture (1941, Josef Von Sternberg) - Imdb Link
Side Street (1949, Anthony Mann) - Imdb Link
Stranger on the Third Floor (1940, Boris Ingster) - Imdb Link
The Dark Corner (1946, Henry Hathaway) - Imdb Link
The Hitch-Hiker (1953, Ida Lupino) - Imdb Link
The Mob (1951, Robert Parish) - Imdb Link
The Seventh Victim (1943, Mark Robson) - Imdb Link
They Live by Night  (1946, Nicholas Ray) - Imdb Link
Thieves Highway (1949, Jules Dassin) - Imdb Link
Whirpool (1949, Otto Preminger) - Imdb Link

Boomerang (1947, Elia Kazan) - Imdb Link 
Detective Story (1951, William Wyler) - Imdb Link 
House of Bamboo (1955, Samuel Fuller) - Imdb Link 
House by the River (1950, Fritz Lang) - Imdb Link 
Killer's Kiss (1955, Stanley Kubrick) - Imdb Link
Kiss Tomorrow Goodbye (1950, Gordon Douglas) - Imdb Link 
Railroaded (1947, Anthony Mann) - Imdb Link 
Secret Beyond the Door... (1948, Fritz Lang) - Imdb Link 
Shock (1946, Alfred L. Werker) - Imdb Link 
Suddenly (1954, Lewis Allen) - Imdb Link
The Big Clock (1948, John Farrow) - Imdb Link 
The Blue Gardenia (1953, Fritz Lang) - Imdb Link
The Desperate Hours (1955, William Wyler) - Imdb Link 
The Glass Key (1942, Staurt Heisler) - Imdb Link 
The Letter (1940, William Wyler) - Imdb Link 
The Reckless Moment (1949, Max Ophüls) - Imdb Link  
The Spiral Staircase (1945, Robert Siodmak) - Imdb Link
The Unsuspected (1945, Michael Curtiz) - Imdb Link
The House on 92nd Street (1945, Henry Hathaway) - Imdb Link
The Racket (1951, John Cromwell) - Imdb Link

An Actor's Revenge (Yukinojô Henge) 1963


Kon Ichikawa a homenagear o grande Kabuki onnagata Kasuo Hasegawa, que comemorava aqui a sua 300ª aparição no cinema, com um papel especialmente concebido para ele. Kabuki é um dos estilos clássicos de teatro no Japão, que era conhecido por não usar mulheres nos papéis femininos, mas sim actores masculinos altamente treinados, chamados de "onnagata", e que por vezes eram mais convincentes do que muitas mulheres.
Nesta história, passada em 1836, Yukinojo (Kasuo Hasegawa) é um "onnagata" a viajar para Edo vestido de mulher. Na viagem reconhece três comerciantes implacáveis que arruinaram o negócio do pais, levando-os ao suicídio. Empenhado em vingar a morte dos pais, segue-os, e com a ajuda de um misterioso bandido chamado Yamitaro (interpretado pelo mesmo Hasegawa), irá tentar cumprir a promessa, mesmo que isso signifique a destruição da filha de um dos comerciantes, que se apaixona por ele.
Kon Ichikawa foi designado para realizar este filme, um remake de um outro de 1935 também com Hasegawa como protagonista, como punição pelos fracassos comerciais dos seus filmes mais recentes. Ainda assim acabou por se tornar num dos filmes mais marcantes do realizador. O filme começa e acaba num teatro, reservando o seu conto de vingança com performances, e colocando o público num lugar confortável para nos lembrar que tudo aquilo é entretenimento, e assim deve ser desfrutado. Com reviravoltas lúdicas e visuais audaciosos, é um filme a não perder.
Legendado em português.

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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Alone on the Pacific (Taiheiyô Hitoribotchi) 1963


Kenichi Horie está determinado a desafiar a sua família e as leis da natureza atravessando do Pacífico para a América num pequeno veleiro. Apesar de ter feito um planeamento muito cuidadoso, muitos eventos imprevistos irão testar a sua determinação.
Em 1962, quando o jovem Horie Kenichi completou a primeira viagem marítima pelo Oceano Pacífico, entre Osaka e São Francisco, uma viagem feita num barco sem motor, e com pouca experiência em navegação, as reacções no seu país de origem foram de rejeição, e até vergonha. No Japão da época, as crenças colectivas eram de que nenhum indivíduo deveria perturbar a harmonia de todos, e ao entrar secretamente em tal viagem, sem obter permissão oficial, as acções de Horie eram vistas não como heroicas, mas como acções de um maluco. Era uma conquista vista de um modo diferente por ambas as sociedades, nos Estados Unidos a acção de Horie foi amplamente divulgada e muito celebrada, embora ele tenha sido inicialmente preso por não ter passaporte, mas foi rapidamente libertado e recebeu um visto para um período de 30 dias.
No regresso ao país de origem Horie escreveu um livro sobre a sua aventura marítima, que foi prontamente adaptada para o cinema pelo casal Kon Ichikawa e a argumentista Natto Wada, sua esposa. O filme acabou por conquistar o público de uma forma de que o evento original não o fez, talvez pela forma como o filme é contado, num formato mais associado à aventura e à ficção, com um papel central entregue ao actor Yûjirû Ishihara, um actor que tinha tendência a interpretar psersonagens que perseguiam os seu sonhos, desafiando as regras e a aprovação da sociedade, algo que estava bem identificado com o personagem centrar deste filme.
A maior parte do filme é ocupado pela jornada em si, cuja história de um homem num barco é interrompida por flashbacks de Horie e os preparativos para a viagem, e as conversas com os membros da sua família sobre as suas intenções. Cinematograficamente a natureza épica da viagem é contada com muita eficácia, principalmente com um óptimo trabalho de fotografia da autoria de Yoshihiro Yamazaki.
Seria nomeado para o Globo de Ouro de Melhor filme estrangeiro de 1964, além de ter feito parte da Seleção oficial de Cannes desse mesmo ano. 
Legendas em inglês.

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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

11 Anos de Thousand Movies /Times Are Changing, Not Me (2012)

Hoje os Thousand  Movies completam o bonito número de 11 anos. 11 anos a passar filmes para todos vós, uma longa luta que parece não ter fim.
Nesta data especial tenho um pequeno presente para vós, um filme que se estreia hoje online, e que foi co-realizado pelo José Oliveira, a Marta Ramos e o Mário Fernandes. Três velhos amigos aqui deste sitio que em 2012 fizeram este documentário sobre o realizador Manuel Mozos, outro nome bem respeitado aqui por este local.
O nome deste documentário reflete bastante bem o que se passa por aqui: "Times are Changing, Not Me". A verdade é que ao longo deste tempo as coisas não mudaram muito por aqui, mas provavelmente é preciso um espaço assim, e eu acredito no que faço, por isso tenho mantido as coisas sempre assim.
Sobre este filme, o José Oliveira disse o seguinte: "Esta frase é do Pat Garrett & Billy the Kid (Duelo na Poeira, 1973) e resume um pouco o cinema do Mozos, esta relação de resistência. Isto apesar do Xavier, por exemplo, ser um filme completamente moderno, pois está sempre a extravasar, a inventar coisas novas, aquele travelling na Alameda, a construção coral das várias personagens que se cruzam com o Xavier, aquele rodopio. E depois a câmara e a montagem do Manuel vão sempre atrás daquilo com relações ultra complexas. Mas apesar de tudo já ninguém filma assim, ou pouca gente. “Times are changing but not me” é uma crença que se podem ainda utilizar muitas coisas do passado, de um grande cinema, que o Mozos viveu. O Mozos num texto magnifico sobre o Peckinpah fala disso, das grandes salas de cinema, que os filmes dele só se poderiam ver em salas monumentais, com ecrãs monumentais, com cadeiras todas partidas, com a película a partir no meio do filme. Um grande cinema que ele conheceu, esse ritual, essa experiência religiosa de ir ao cinema. Hoje vemos os filmes nos shoppings ou na internet, são novas maneiras. Mas ver o cinema nessas condições do passado importa para muitas coisas. Por exemplo, vês hoje um filme do Manuel ou do Pedro Costa, que viveram esta forma de fazer e ver o cinema, e reparas como as escalas de planos, os detalhes, como se filma um rosto, um corpo, tudo é diferente por causa dessa experiência que tiveram. Por outro lado, a geração de hoje já não filma dessa maneira pois sabe que a dimensão do ecrã em que vamos ver o seu filme é menor. As escalas vão diminuindo ou vão sendo mais dispersas." 
Optem sempre por verem os filmes numa sala de cinema, sempre que for possível. Quando não for possível, sabem onde podem vir ter.

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terça-feira, 20 de agosto de 2019

Being Two Isn´t Easy (Watashi wa Nisai) 1962


Gorô e Chiyo são marido e esposa, com um filho recém nascido chamado Tarô passam pelos altos e baixos de uma vida familiar a viverem num moderno apartamento nos subúrbios de Tóquio.  A sua história é contada nos primeiros dois anos de vida de Tarô, e muitos dos seus problemas resultam do facto de Gorô e Chiyo estarem inseguros como pais, principalmente por causa das suas diferentes perspetivas da sua vida futura como pais. Ouvimos a perspetiva de Tarô, através da sua voz interior, e também a vemos através dos olhos dos seus pais.
Muitos anos antes da série de filmes "Look Who´s Talking", Kon Ichikawa já tinha um bébé narrador, menos sarcástico, a relatar as frustrações da criação dos filhos pelos seus pais. O bébé é ouvido frequentemente, mas de forma alguma fornece a narração continua.
Filme simples e doce sobre os primeiros anos de vida de uma criança. Por vezes faz rir (principalmente nas narrações da criança), e por vezes é provocante, mas é um óptimo retrato do que era a vida de ser pai, principalmente durante a década de sessenta.
Legendas em inglês.

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domingo, 18 de agosto de 2019

Ten Dark Women (Kuroi Jûnin no Onna) 1961


Kaze é um produtor de televisão casado, que tem várias namoradas ao mesmo tempo, para além da sua esposa. Elas reúnem-se todas com o objectivo de conspirar contra ele e matá-lo, no entanto, cada uma delas pretende secretamente salvá-lo no último momento, e garantir ser ela a única mulher da sua vida. Escusado será dizer que, quando chega a hora do crime acontecer, as coisas ficam realmente complicadas.
Kon Ichikawa, comentarista dos seus tempos, volta o seu olhar irónico para o sexismo inerente da década de sessenta, com uma farsa sobre um marido mulherengo de repente confrontado com a decepção das suas amantes, que de repente se uniram só com um objectivo em mente - a sua morte. Com argumento de Natto Wadda, esposa do realizador e sua colaboradora frequente, até se retirar em 1965, "Ten Dark Women" é uma comédia absurda e tímida sobre 10 mulheres que amam tanto um homem que até o querem ver morto, ou, pelo menos, não com as outras.
Nos anos sessenta o termo "comédia negra" tornou-se popular nos cinemas americanos, e é por aqui que este filme se qualificaria. Mas, aqui, ao remover o factor raiva ou vingança da história, também é removido todo o melodrama, e o filme também não funciona como uma comédia. Ninguém age da forma que é esperado, dado a configuração da trama. Sendo um pouco diferente da orientação cinematográfica de Ichikawa, é também um filme bastante interessante. 
Legendas em inglês.

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sábado, 17 de agosto de 2019

Her Brother (Ototo) 1960


Passado em 1926, quando a tradição japonesa era muito mais forte, este drama de Kon Ichikawa analisa o funcionamento interno de uma família japonesa padrão, principalmente a relação entre uma irmã e um irmão.
"Ototo" é principalmente uma fatia da vida japonesa que se concentra nos valores e tradições familiares. O cuidado incondicional e o amor pela ovelha negra da família que causou problemas até ao fim, embora não sem frustrações nem sentimentos negativos, é muito impressionante.
O filme tem muito melodrama e uma velocidade muito lenta, além de vários enredos secundários que nem lhe fazem muita falta. Felizmente a recompensa vinda deste filme é gratificante, e em certos momentos "Ototo" é um trabalho esmagadoramente emocionante, mas é muito verdade que os acontecimentos aqui retratados podem acontecer a qualquer família.
Exibido no festival de Cannes de 1961, ganhou uma menção especial.
Legendas em inglês.

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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A Woman's Testament (Jokyô) 1960


Um conjunto de três contos sobre mulheres modernas, realizados por realizadores diferentes. Na primeira história (de Yasuzô Masumura) encontramos uma jovem mulher que trabalha num clube nocturno em Tóquio. Ela tem um bom plano para o que parece ser um futuro financeiro forte. Por um lado, está a investir numa empresa, por outro está a tomar medidas para casar com o filho do dono da empresa. Na segunda história, (de Kon Ichikawa), uma jovem é empregada por um agente imobiliário para convencer clientes do sexo masculino a investirem em propriedades sem valor, tomando banho com eles. Na última, de Kôzaburô Yoshimura, encontramos uma gueixa viúva sem preocupações financeiras, mas ao se envolver com um falsário acaba por ter problemas na família e na sociedade.
Um excelente filme antológico composto por três histórias decididamente não sentimentais, sobre a luta de três mulheres modernas. Apesar de já terem passado quase 60 anos da sua produção parece um filme notavelmente moderno na sua representação de mulheres a fazerem o seu próprio caminho no mundo, e a sua franqueza sexual. Fraqueza essa muito à frente da maioria dos filmes americanos da altura.
Kon Ichikawa colaborou nesta trilogia com a segunda história.
Legendas em inglês.

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quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Fogo na Planície (Nobi) 1959


Tamura (Eiji Funakoshi), o herói de "Fogo na Planície", de Kon Ichikawa, pode ser o herói mais solitário da história do cinema. Mais solitário do que os peregrinos espirituais de Bresson, Bergman ou Dreyer. É um soldado de um exército que, na derrota, lhe virou as costas.
Estamos em 1945, na ilha de Leyte, nas Filipinas. As forças do Japão foram tão derrotadas que abandonaram qualquer pretensão de solidariedade e camaradagem, da responsabilidade básica dos homens em guerra se protegerem mutuamente. Na primeira cena do filme, Tamara, um soldado com tuberculose, que foi dispensado, ainda doente, de um hospital da campanha, porque não há espaço suficiente para os doentes e a equipas de médicos, é informado pelo seu líder de esquadrão que deve regressar ao hospital, porque a sua própria unidade não tem forma de sustentá-lo naquele estado de debilidade. E mais, se o hospital não o receber de volta, ele deve se matar.
Depois desta sequência pesada, Tamura inicia uma viagem através de uma paisagem inimaginavelmente hostil. O exército americano controla as estradas, os filipinos odeiam os japoneses por terem transformado os seus terrenos num campo de batalha. E os colegas soldados de Tamura estão tão desesperados e famintos que alguns, numa total retirada de toda a sua humanidade, recuam para a linha que separa a humanidade da selvajaria, e matam outros homens por comida.
No livro de 1952, de Shohei Ooka, no qual este filme se baseia, Tamura reflecte: "Para pessoas como nós, viver o dia e a noite à beira do perigo, o instinto normal de sobrevivência parece atacar por dentro, como uma doença, distorcendo a personalidade e removendo todos os motivos que não sejam do puro interesse próprio". Tamura, consumista, faminto, e muitas vezes delirante, perambula numa espécie de atordoamento moral. Ele sabe que está no Inferno, mas não está pronto para se alistar no exército dos condenados, e enquanto luta contra o inimigo também está a lutar contra o inimigo voraz que tem dentro de si.
"Fogo na Planície" é, naturalmente, um filme antiguerra. Um dos mais persuasivos e poderosos de todos os tempos. Mas também é mais do que isso: não apenas uma série de quadros vívidos e chocantes, mas também uma investigação lúcida e estranhamente pura sobre os misteriosos trabalhos da vontade humana. Todos os homens são ilhas, e Ichikawa faz com que as distâncias entre elas pareçam incrivelmente vastas. É um visão íntima e incrivelmente clara do apocalipse.
Legendas em português.

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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Odd Obsession (Kagi) 1959


Um velho especialista em antiguidades (Ganjiro Nakamura), de Kyoto, no Japão, tenta ressuscitar a sua virilidade em decadência, ao apresentar a sua linda e mais nova esposa (Machiko Kyo),  ao namorado da filha (Tatsuya Nakadai).
"Odd Obsession", como é conhecido internacionalmente, de Kon Ichikawa, seria a primeira de muitas adaptações para o grande ecrã do livro de Tanizaki, "Kagi", cujo assunto seria irresistível para muitos realizadores dos chamados "pinku movies", filmes com uma grande carga sexual, assim como fonte para um dos melhores filmes de Tinto Brass. É um filme extremamente perverso, até pervertido, ainda por cima feito debaixo da censura vigente em 1959.
Mas os filmes japoneses eram muito mais abertos do que os americanos quando o assunto era o sexo, durante o final da década de cinquenta, tanto que seria comercializado em 1961 com o slogan: "the most daring motion picture ever made". Mas não era um filme sobre nudez, ou sexo dissimulado, o sexo aqui era uma obsessão, mas também era uma arma e uma armadilha para todos os personagens envolvidos.
Como as motivações das personagens nunca são claras, nunca sabemos o que esperar delas, e assim, ficamos em suspenso do principio ao fim. A personagem de Kyo é particularmente inescrutável, nunca sabemos o quanto ela sabe dos planos do marido, e o argumento do filme nunca nos deixa prever o que se passa pela sua cabeça, ao contrário do livro, que vai alternando entre a narração do marido e da mulher.
Por esta altura Ichikawa já gozava de enorme sucesso internacional. O filme ganhou o grande prémio do Júri no Festival de Cannes de 1960, e ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua Estrangeira, que partilhou em conjunto com outros 4 filmes, entre os quais "Morangos Silvestres" e "Orfeu Negro".
Legendas em português.

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domingo, 11 de agosto de 2019

Chamas de Tormento (Enjo) 1958


Vagamente baseado num livro de Yukio Mishima, que por sua vez era inspirado num evento real que chocou a nação em 1950, "Enjo" detalha as dificuldades e a desilusão de Goichi, um jovem gago enviado para servir no templo mais famoso de Kioto, e do Japão. O seu pai era um padre muito fraco, a sua mãe uma mulher adúltera, para não deixar de mencionar que cresceu durante a Segunda Guerra Mundial, e tudo isto isto já eram razões suficientes para o jovem crescer com problemas emocionais. Apesar dos outros estagiários gozarem com ele por causa da gaguez, a dedicação e a devoção de Goichi chamam a atenção do padre chefe, que lhe quer pagar uma educação adicional. Mesmo assim, Goichi logo descobre que esse padre também está longe de ser perfeito, aparentemente mais interessado na sua gueixa e ganhar tanto dinheiro quanto possível dos visitantes do tempo, principalmente dos turistas americanos, do que fazer os seus deveres. 
Não encontrando nenhuma forma de expressar o seu tumulto interior, ele queima o templo. É aqui que vamos encontrar este nosso filme. Através de uma série de flashbacks, enquadrados com um interrogatório policial, desvendamos a história da sua obsessão com o templo, desde a sua juventude.
Raizô Ichikawa ganhou o prémio de Melhor Actor no Festival de Veneza, no papel do perturbado Goichi, que o catapultava para lá das fronteiras do ídolo adolescente que era na altura, enquanto que Tatsuya Nakadai, que viria a ser um dos actores mais importantes do cinema japonês, se revelava aqui no papel de um aleijado. Era o primeiro filme de Kon Ichikawa em Widescreen, e mais uma maravilha a preto e branco, trabalho de Kazuo Miyagawa, director de fotografia de "Ugetsu" "Rashomon", e "Yojimbo",  que aqui também fazia o seu primeiro trabalho em Widescreen. 
Ichikawa contra a história de uma forma facturada e onírica, com o filme a passar de um período para outro sem aviso prévio. As memórias de Goichi tornam-se mais díspares e intensamente focadas à medida que a sua saúde espiritual se deteriora. Ichikawa tenta capturar um pouco da claustrofobia interna de Goichi através da arquitectura opressiva do ambiente do templo, mas não consegue se aproximar do senso de pavor do livro de Mishima. "Enjo" é a dissecação da auto-imolação de um homem da sua própria desintegração espiritual, mas é também uma condenação do mundo moderno corrupto que permite que tal poluição aconteça. 
Legendas em inglês.

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sábado, 10 de agosto de 2019

Punishment Room (Shokei no Heya) 1956


Katsumi é um estudante universitário que não tem respeito nem pelos seus pais trabalhadores, nem pelos professores, nem mesmo pelos amigos. Ajuda um amigo a obter um financiamento para uma dança, humilhando o seu pai no banco onde este trabalha. Depois droga e viola Akiko, uma das suas colegas estudantes, que se apaixona por ele, embora ele pareça indiferente. Ele gosta de incitar um gang rival num salão de bilhar, mas acabar por ir longe demais a tentar provar a sua coragem…
Tal como "Rebel Without a Cause", "Kids", e outros filmes populares sobre adolescentes em fúria que mostram os jovens a portarem-se muito, muito mal, "Punishment Room" causou um enorme tumulto quando foi estreado no Japão. Os conservadores tentaram bani-lo, organizaram piquetes junto dos salas onde o filme era exibido, para além dos debates públicos que tentavam salientar os seus deméritos. Mas ao contrário de outros filmes que perderam muito do seu impacto ao longo do tempo, este mantém toda a sua brutalidade. A sequência onde o protagonista viola a sua colega estudante ainda é chocante, mas ainda mais interessante é a resposta da jovem. E a prolongada sequência final, de onde provém o título internacional do filme, pode muito bem ter servido de inspiração para uma famosa sequência de "Reservoir Dogs", de Tarantino.
Mas, para lá do valor da violência e do choque, a importância de "Punishment Room" reside no seu estilo duro e impiedoso. A realização habilidosa de Ichikawa e o estilo niilista construídos em cenários pouco iluminados, centrados em jovens desencantados, levaram o filme a ser uma importante influência para a chamada "Nova Vaga" do cinema japonês, da qual fariam parte filmes como "Cruel Story of Youth", de Nagisa Oshima.  Este filme também seria do mesmo ano que "Crazed Fruit", de Kô Nakahira, considerado o primeiro filme desse movimento, e que já passou pelos Thousand Movies, para os mais atentos.
Legendas em Inglês.

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sexta-feira, 9 de agosto de 2019

A Harpa Birmanesa (Biruma no Tategoto) 1956


Mizushima é um soldado no exército japonês em Bruma, na Segunda Guerra Mundial. É um bom soldado, e frequentemente toca a sua harpa para entreter os seus colegas soldados. Quando a guerra chega ao fim, é solicitado pelos ingleses para ir para as montanhas tentar convencer um grupo de soldados a renderem-se. Com apenas 30 minutos para o fazer, acaba por não ter sucesso, e eles preferem morrer com honra do que serem aprisionados. Mizushima fica profundamente afectado pelo que acontece a seguir…
Adaptação de um célebre livro de Takeyama Michio, de 1948, um escritor que se opôs abertamente à aliança que o Japão fez com a Itália e a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Foi um filme muito importante por uma série de razões: tornou-se um grande sucesso em território japonês; ganhou vários prémios no Festival de Veneza de 1956, onde também foi nomeado para o Leão de Ouro, o prémio mais importante do festival (o festival nesse ano não teve vencedor); foi nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1957 (perdeu para "A Estrada", de Fellini), trazendo o nome de Ichikawa, então um desconhecido internacionalmente, para a ribalta. Também humanizou o soldado japonês comum para um público internacional, que então os via como uns fanáticos pela "vitória ou morte", a serem mortos. Para o público caseiro este retrato foi bem aceite pelos japoneses, aceitando a derrota, enfrentando as suas perdas, sem ousarem sugerir que, em situações extremas, lutar até ao ultimo homem não era uma boa alternativa para a rendição.
"The Burmese Harp" é um retrato humanista do pós-guerra no seu melhor, examinando as consequências da guerra e o processo de ultrapassar a derrota sem se sentir algum preconceito ou sendo excessivamente sentimental, apensar de sentirmos que poderá mergulhar em ambos os pontos. O foco no carácter e na universalidade dos principais elementos da história faz com que o seu sucesso internacional seja menos surpreendente, mas há muito mais no filme do que a sinopse possa antever, desde o simbolismo, alegoria religiosa, e continua a ser uma das grandes obras pacificas do período pós guerra.
Legendas em português.

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quinta-feira, 8 de agosto de 2019

O Coração (Kokoro) 1955


Japão: 1912. Nobuchi é casado com Shizu, e aparentemente são um casal normal e feliz. No entanto, por baixo desta máscara de felicidade aparente há uma infelicidade reprimida que está de alguma forma relacionada com a morte, quinze anos atrás, do amigo de Nobuchi, Kaji. Desde então, Nobuchi estudou extensivamente mas nunca encontrou emprego, e sente que não tem mais nada a dar ao mundo do trabalho. Enquanto se prepara para visitar o túmulo do amigo mais uma vez, a sua esposa pergunta-lhe porque não pode acompanhá-lo, ao que ele responde agressivamente. Desta vez ele vai contar a um jovem de 23 anos chamado Hioki, que lhe chama de "sensei", sobre o segredo da sua vida, uma história sobre cíumes, traição, vergonha e culpa.
Vamos apanhar Kon Ichikawa já no nono ano da sua carreira, mas vamos mesmo ter de começar por aqui porque os seus filmes anteriores não têm legendas. Um ano depois ele viria a realizar duas das suas obras primas, "Punishment Room" e "A Harpa Birmanesa". Na verdade, "Kokoro" tem algumas semelhanças com este segundo filme. Ambos apresentam um mistério psicológico e gradualmente vão revelando o que trouxe a personagem principal ao seu estado actual. As pistas são nos atiradas, mas abertas a diferentes interpretações. Falar mais sobre o que é dito sobre o passado de Nobuchi roubaria a experiência de tê-lo descoberto de forma tão elegante. Através de flashbacks vamos ficar a saber a natureza de como Nobuchi conheceu Hioki, e depois vamos explorar o passado do protagonista.
Os personagens são sempre o foco da câmara de Ichikawa (aqui com dois directores de fotografia: Fujioka Kumenobu e Ito Takeo), para examinar as expressões faciais das emoções reprimidas. Quando a câmara se move, ela faz isso com propósito, viajando com os personagens enquanto eles se movem para que possamos continuar a observar as suas expressões enquanto falam.
O filme é baseado no livro de um famoso autor japonês chamado Natsume Soseki e explora os temas do isolamento individual e a alienação social, principalmente no protagonista central, atingido por demónios existenciais e preso pelas mudanças dos tempos. 
Legendas em inglês.

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quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Kon Ichikawa - O Essencial



A gama ousada de temas abordados e a versatilidade estilística de Kon Ichikawa seriam uma importante fonte de influência para qualquer realizador nascido no Japão do século XX. Ao longo da sua longa carreira, que se espalhou desde os anos 40 do século vinte até ao novo milénio, abordou várias temáticas dentro dos seus filmes: a juventude em fúria ("Punishment Room", 1956), filmes de guerra brutais ("The Burmese Harp", 1956, e "Fires on the Plain", 1959), thrillers ("The Pit", 1957, e, "The Inugamis", 1976), sátiras domésticas negras ("Odd Obsession", 1959, e "The Makioka Sisters", 1983), dramas de período ("An Actor´s Revenge", 1962), o documentário ("Tokyo Olympiad", 1965, dramas de samurais ("The Wanderers" 1973), e muito mais. O seu elevado ecletismo, contudo, talvez tenha abrandado a sua entrada na lista dos grandes autores de cinema japoneses, e por isso, foi feita uma retrospectiva dos seus filmes em 2001, na Cinemateca de Ontário por James Quandt, de forma a dar a conhecer a sua filmografia. Até então era pouco reconhecido fora do Japão.
Ichikawa foi treinado como animador. A sua obra de estreia, em 1946, era um filme de marionetas, e as storyboards eram uma das componentes principais na produção dos seus filmes em acção real. Mas ele preferia filmar em exteriores, as suas imagens em widescreen muitas vezes mostram uma enorme sintonia entre as paisagens e as estações do tempo.
A sua esposa, Natto Wada, escreveu a adaptação cinematográfica que viria a catapultar a sua carreira, "Punishment Room", baseado num livro do autor de culto Shintarô Ishihara, e que viria a ser uma das obras mais importantes mais importantes dos anos 50 e 60, da cultura japonesa.
Dos realizadores japoneses que gozam de uma reputação internacional, Ichikawa é talvez o menos conhecido e o menos compreendido. Muitos rejeitaram-no como se ele fosse apenas um ilustrador, mas os seus filmes embora não tivessem uma integridade óbvia, como nos casos de Ozu, Mizoguchi ou Kurosawa, a sua variedade extensa desmente os mais cépticos.
Na verdade, Ichikawa trabalhou sempre sob pressões diferentes dos outros mestres japoneses. As pressões comerciais que ele enfrentou eram mais fortes do que a dos seus contemporâneos, está registado que alguns dos seus filmes foram-lhe impostos pelo estúdio em vingança pelos fracassos dos seus filmes mais pessoais. No entanto, ele conseguia sempre impor o seu estilo, mesmo nos filmes mais comerciais.
Durante este mês de Agosto, vamos então conhecer a carreira deste realizador. Não iremos ver os seus quase noventa filmes, mas tenho para vós uma selecção das suas obras mais essenciais. Serão 22 obras, incluindo o documentário que poderão ver já hoje. Infelizmente a maioria dos filmes terão legendas em inglês, porque foi, de todo, impossível arranjá-los com legendas em português. Mas sempre que possível terão legendas em português.

Começamos então pelo documentário "Ichikawa Kon Monogatari" 2006, com legendas em inglês.
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Esquecer Paris (Forget Paris) 1995


Forget Paris é um filme sobre basket? No genérico irrompem retratos de feras do calibre de Henri Cartier-Bresson ou do absurdo de Elliott Erwitt, ao som embalante de Billie Holiday. Corte, e um piano toca notas gravemente possantes, a câmara sobe numa grua e vemos outro tipo de feras que marcaram o desporto universal dos anos noventa, de Charles Barkley a David Robinson. Estranha mistura do que é artisticamente baixo e do que é artisticamente alto, estranha mistura documental e cinemática, para, passadas as decisões in extremis da bola, aparecer o árbitro interpretado por Billy Crystal a mostrar que quem tem um apito pode ser um dos homens mais poderosos nesta terra e meter monstros daqueles e multidões daquelas na sua ordem.
Forget Paris é um filme sobre as altas impossibilidades de um argumento cinematográfico apenas poder ser superado pelas altas impossibilidades que a vida confirma a cada momento. Onde os narradores em volta de uma mesa de restaurante encenam a narrativa e as emoções a seu bel prazer desse par improvável – a árbitro da NBA e uma jovem que trabalha numa poderosa empresa de aviação que se conhecem no enterro do pai do primeiro em Paris depois de voltas e reviravoltas do caixão. Um pai que parece querer entregar ao filho o que nunca entregou em vida.
Narradores que encenam a seu bel prazer, manipulando e ajustando a fita conforme o prazer e segurança a adquirir para a vida de cada um que está a contar, perfeitos realizadores. Forget Paris é sobre o individual no colectivo, as jogadas sumptuosas e os compromissos, a técnica e a poesia e a corrida de fundo, a generosidade e a inteligência. Quem quiser bater todos os recordes e nada ganhar, sempre tem os deportos solitários. Um filme sobre basket que parece ter a mesma orquestração e fôlego da vida corriqueira. Forget Paris é sobre o momento da perfeição inicial da criação do universo e sobre o seu explanar lento – um filme sobre a experiência e o movimento totais onde o mais mediático e a exepção esbarram com a regra e com a banalidade. O homem que aparentemente tem mais tomates na américa, o único capaz de mandar calar Shaquille O'Neal, e a menina parisiense mas americana que domina as rotas dos ares e do mundo, amam-se totalmente, não se conseguem ajustar, jogam e matam o seu “eu”, para descobrirem que esse é o cesto complexo que interessa. 
Pelo meio, mais Billie Holiday, danças à Gene Kelly, Cole Porter e Duke Ellington e Ella Fitzgerald que já viveram aquilo tudo, as camisolas dos lamentavelmente desaparecidos Seattle SuperSonics, o Billy Crystal que é a pessoa mais bonita de sempre a descer dos pedestais, o cúmulo do romantismo na declaração final e a balada dos créditos como pura piroseira. Forget Paris acata todas as coisas belas e tudo o resto inclassificável e não só nos confirma o cliché inelutável do jogo da vida como não o separa da poesia do instante mágico para todos conservado, à espera, disponível, para dez segundos ou para nunca. It's a kind of magic, cada um, o seu filme.
* texto do José Oliveira. Muito obrigado pela colaboração. Fica por aqui este ciclo.

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segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Traffic - Ninguém Sai Ileso (Traffic) 2000


Traffic marcou o inicio deste milénio pelo culminar da arte excessivamente realista e calculadamente experimental do seu realizador Steven Soderbergh, mas sobretudo pelo grande tema que serviu de base a um mosaico narrativo e plástico tão fragmentado como decorativo: o vai e vem dos cartéis de droga entre o México e os Estados Unidos da América e todos os estonteantes reflexos mínimos e globais. Grandes estrelas a mostrarem os bons sentimentos da causa, o choque estético a ser infligido no choque político, a Questão a estilhaçar-se para todos os lados. Mas o mais tocante, que alguns viram na época (para lá do óscar) e que hoje vale toda a odisseia só para ele, é o polícia de Benicio Del Toro, um anjo puro a flutuar no miolo do degredo, todo porco e fulminado pela consciência, fechando o filme num céu estrelado que é dos mais reconfortantes pós-Frank Capra. À sua personagem foram oferecidas todas as mansões da luxúria e todos os castelos para fazer o que tem – sempre e simplesmente – de ser feito e ele apenas pediu um campo de jogos para os meninos que ele foi antes das escolhas graves. No final caímos sem paraquedas num Paraíso Perdido que ganhou a sua intocabilidade mítica e, a la Capra ou a la Walsh, a perfeição arrancada a todos os custos; ou, a la Nick Ray, escondidos para vivermos felizes. Del Toro é ali o ser mais sozinho do mundo e quem tudo ilumina, numa luminância visual e sonora que lapidou noutro milagre a sua pureza ao excesso. De repente, um milagre que sempre se adivinhou mas nunca se acreditou no silêncio cadente do rasto de um corpo e de uma alma unas. 
E o mais belo pedaço de filme sobre a infância. Dores de crescimento. Eternos regressos. Ausência de tempo.
* texto de José Oliveira

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domingo, 4 de agosto de 2019

Sem Limites (Without Limits) 1998

Já na introdução a este ciclo sobre desporto tinha falado da homenagem feita pelo grande argumentista Robert Towne a um dos mais estranhos destinos e a uma personalidade que mais do que “teimosa” – como muitos no seu tempo apenas quiseram crer – se aproximava perigosamente – como sempre – da poesia. Without Limits tenta apanhar a cada momento os resquícios voláteis e a aura fúlgida e logo fantasmática de uma existência que de tão intensa parecia estar sempre a poder desaparecer para sempre num simples piscar de olhos. Para tactear essa sensibilidade leve como o vento mas absolutamente resoluta chamada Steve Prefontaine, Towne convocou um dos maiores directores de fotografia de que temos memória, Conrad L. Hall, e foi como pôde até ao fim do enigma do corredor de fundo que decidiu atacar sempre o primeiro lugar desde o tiro de partida ou então falhar grandiosamente; e, quando não o fez, no auge da precoce carreira, matou-se a ele mesmo ainda antes da tragédia que lhe iria ceifar a vida, antes de todas as medalhas ou antes de todas as polémicas vãs.
Without Limits é a aproximação vaga e possivelmente impossível desse hieróglifo puramente humano que respeitava e queria muito o seu treinador Bill Bowerman - Donald Sutherland, soberano – mas que não se desviava um milímetro da sua poética, do seu coração ou dos quartos complexos do cérebro que o ordenava. Talvez fosse uma resolução simples e afinal bruta de um Macho Alpha – apenas se sentia «um conas» se usasse a táctia habitual de muitos campeões: ficar na cauda do pelotão e atacar no final; ou algo intrincado ligado com a neurociência e com a formação ontológica; ou simplesmente, e aí a luz de Hall e o olhar de Towne parecem corroborar, estamos no campo do indomável, da poesia, precisamente: e a arte, como um pintor ou um romancista, de Prefontaine, é de cada vez esboçar e cumprir um plano arriscado, em rede tensa, um poema em pista, a sua catedral, o sua Capela Sistina, muito para além do entretenimento, do espírito olímpico ou do desportivismo. Steve Prefontaine parece a cada corrida rasurar na pista de tartã – mas na terra ou no cascalho seria igual – o seu ideal de mundo e então de beleza, e matar-se para o cumprir.
E aí muitas vezes o ganhar não era o fim absoluto – como os hustlers americanos, de Jordan ao Newman de The Hustler – mas algo a um tempo e nesse espaço longínquo e composto numa das partes do edifício, da sua estrutura que não compreendia a vitória como a cúpula perfeita. A atitude, o arrojo, o explanar da vontade e da sua compreensão do mundo criavam então essa beleza – não premeditada como todas as belezas – única e intransmissível da verdade. O que leva obviamente a questão para os campos da solidão, da dor, e, para os místicos, da Paixão. «A lot of people run a race to see who is fastest. I run to see who has the most guts, who can punish himself into exhausting pace, and then at the end, punish himself even more.», palavra de Pre. 
Imperscrutáveis são os fardos ou as redenções que alguns escolhem ou não escolhem. Ainda mais estranhas sãos as estupefacções de quem as não compreende. E assim sempre foi.
* Texto de José Oliveira. 

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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O Escândalo de Black Sox (Eight Men Out) 1988

John Sayles é um cineasta sensível e um grande admirador e conhecedor de basebol, como se pode ver na monumental série que Ken Burns dedicou ao the National Pastime. Sobre o episódio de corrupção que assombrou a liga em 1919 já ouvimos falar no The Rookie of the Year de John Ford, e o que quero então destacar aqui, para além de que a verdade raramente é pura e é com certeza mais do que profundamente complexa, são os momentos em que Buck Weaver, um dos Eight Men Out, para para falar no passeio com os putos que o admiram e com a sua amada. São sempre, de uma só vez, bondade, pura poesia, e o âmago do filme.
A primeira vez: Buck a dizer maravilhas de um seu companheiro de equipe; a dizer aos miúdos que é tarde para jogar com eles pois tem a esposa à espera; e a aceitar o pedido, perante um delicado please; o resto é um Mundo Perfeito dos passeios e becos da infância, longe da sujidade adulta, em noite e relevos graciosos.
Com a sua amada: a amada a dizer a Buck que não se deve preocupar demais, que ontem esmagou e que tem o mundo a seus pés (mais coisa, menos coisa, na minha leitura); Buck a dizer que só quer jogar como nos passeios e toda a sujidade adulta a passar nos seus olhos com a grandeza e o brilho choroso e cândido de uma genuína tela de cinema; os dois a preferirem não saber; não saber talvez noticias lá de fora do mundo. 
A segunda vez: Buck a confessar que desconfia que nunca tenha crescido; os miúdos a perceberem tudo; a confessar ainda que continua a gostar de jogar como na primeira batida, da perfeição e da ordem que parece descer sobre todas as coisas, de como parece que vai viver para sempre; nunca desistam disso, é o único conselho possível entre iguais.
* texto de José Oliveira

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