sexta-feira, 31 de maio de 2019

Trilogia: O Vale dos Lamentos (Trilogia: To livadi pou dakryzei) 2004

Tenho a consciência de que acabo de ver uma verdadeira obra-prima. Mas tenho também a percepção de que não é para toda a gente, não é uma obra fácil – como em tudo o resto do grego. Porque o cinema de Angelopoulos é moroso, é lento, melodramático, hiper-melancólico e contemplativo com todos os seus deslumbrantes planos-sequência. Mas sobretudo, é belo. Aqui Angelopoulos quer, sobretudo, fazer um filme sobre a história Grega da primeira metade do séc. XX. A História, a queda do grego para explorar a História da Grécia (seja qual for a época) não é novidade, quase todos os seus filmes incidem na História Grega (é o caso de O Megalexandros, A Viagem dos Comediantes, Viagem a Cítera, O Passo Suspenso da Cegonha, O Olhar de Ulisses, A Eternidade e Um Dia), mas, além disso, incide também na política. Sim, são quase todos eles, além de filmes históricos, filmes políticos. Críticos na História e na Política. Mas essencialmente, o que define o cinema de Angelopoulos é a sua mise-en-scène, os seus longos e pausados planos-sequência, a sua tentativa em, visualmente, explicar aquilo que pretende transmitir ao espectador. E mais, o seu cinema (geralmente) reflecte nos refugiados gregos. Por isso, podemos dizer que o cinema de Angelopoulos se trata de um cinema neo-realista, dum neo-realismo embelezado, poético, lírico, enfim, teatral. Mas, importante referir, um neo-realismo do que foi e não do que é. O cinema de Angelopoulos é diferente de tudo o que já se viu no cinema. É particular, muito próprio. E por isso Angelopoulos é um dos melhores cineastas de sempre. Nota-se, acima de qualquer coisa que se possa (eventualmente) notar, que o grego é um apaixonado por cinema. E além do cinema, a poesia e a História Grega têm um lugar muito especial em si.
Aqui, em Trilogia: O Vale dos Lamentos, no apoio à tentativa dessa exploração da História Grega da primeira metade do séc. XX, Angelopoulos conta a história trágica duma mulher, Eleni. Mais que trágica é uma história romântica, melodramática e sofrível. É essencialmente o retracto dum amor, da luta por esse amor proibido que nasce ainda na adolescência. As repressões morais, éticas e sociais da época e daquela comunidade de exilados que chegara a Tessalónica no virar do séc. XX, retornando à pátria oriundos duma Rússia em revolução, originam a fuga destas duas almas enamoradas e desejosas de viver livremente esse amor. E esse amor vai enfrentar as contrariedades dessa primeira metade do séc. XX. Eleni e Mihalis enfrentam a pobreza, o fascismo, as guerras (mundial e civil), as repressões, a distância, a perseguição social daquela comunidade. A tragédia de Eleni é, de certa forma, uma metáfora ao sofrimento/tragédia da própria Grécia, ao povo grego. A água (mais uma vez) figura como metáfora do pranto daquela mulher/Grécia, a inundação daquela comunidade traz, além de simbolismos religiosos (não é à toa que se inunda logo após o massacre dos carneiros que vemos pendurados numa árvore, seguido do plano do chão onde Angelopoulos nos mostra o sangue dos animais – símbolo da culpa do casal pela morte do pai), como também essa alusão directa com o choro duma Grécia sofrível, duma Grécia que atravessou nessa primeira metade do século dificuldades a todos os níveis. Angelopoulos relaciona sobretudo Eleni com a pátria, com a alma ferida da Grécia.
E, como em todo o seu cinema, Angelopoulos filma magistralmente. Estão lá os planos-sequência dilatados e lentos que são já típicos do grego, planos belos que tentam imergir numa relação espaço/tempo a que aquelas personagens permanecem sempre próximas, tempo esse que Angelopoulos parece querer estender ao máximo nesses mesmos planos. E o enquadramento da câmara, a destreza daqueles travellings, a comunhão dos planos com a magnífica música de Karaindrou, a poesia esbarrada naqueles diálogos existencialistas, a liturgia daqueles movimentos de comunidade após inundação, etc. O Vale dos Lamentos é um filme absolutamente admirável, grandioso, épico. Fenomenal.
Texto do Álvaro Martins. Daqui.

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quinta-feira, 30 de maio de 2019

Quem Programa Sou Eu: Melancolia / Desolação, por Álvaro Martins

De volta a mais uma rubrica do "Quem Programa Sou Eu", desta vez com um convidado bem conhecido da blogosfera portuguesa. O Álvaro Martins é conhecido por ser autor do blog Preto e Branco, um dos blogs mais cinéfilos de Portugal, e que ainda é actualizado de vez em quando, ao fim de quase 12 anos. O seu primeiro post data de 12 de Junho de 2007.
O Álvaro aceitou de bom grado o convite para participar nesta rubrica, e deu até um nome ao seu ciclo de 10 filmes: "Melancolia / Desolação", um tema que não será estranho a quem o conhece de tantos anos a falar e a escrever sobre cinema, como eu e muitos outros. 
Vamos começar com as palavras do próprio Álvaro para dar o pontapé de saída para este ciclo. Os filmes poderá apanhá-los por aqui, durante os próximos dias. Vão ver que vai valer a pena. Obrigado Álvaro. 

"Antes de mais, queria agradecer ao Francisco a oportunidade de participar nesta rubrica e programar um ciclo. Depois, os meus dez filmes escolhidos representam não só um gosto particular como também um tema específico que os une, uma certa melancolia e/ou desolação. O tema escolhido reflecte também o gosto e a valorização por este dada pela minha pessoa. Todos os dez filmes escolhidos marcaram-me na altura da primeira visualização e "definiram" o tal gosto cinéfilo particular que assumo e que me vem acompanhando ao longo dos anos. Estão neles alguns dos meus cineastas de eleição (Ozu e Angelopoulos "à cabeça"). Tentei reunir e escolher aqueles que, para mim, são os ou uns dos melhores filmes que eu conheço referentes ao tema em questão. Espero que gostem."


terça-feira, 28 de maio de 2019

Student (Student) 2012

A acção desenrola-se no moderno Cazaquistão. O protagonista é um jovem estudante de filosofia que aluga o quarto de um porão de uma mulher idosa, e vive nos subúrbios sofrendo de uma enorme falta de dinheiro e da solidão. O estudante anda stressado pela atmosfera circundante de pobreza e da ideologia da competição da sobrevivência total, e a divisão das pessoas em ricos e pobres, fortes e fracos...e influenciado por tudo isto, resolve a loja de conveniência mais próxima que frequenta de tempos a tempos…
Em "Student" o autor do Cazaquistão Darezhan Omirbaev continua uma tendência recente de adaptar os titãs da literatura russa, à realidade da Àsia Central dos dias actuais. O filme reproduz a narrativa básica de "Crime e Castigo", de Fyodor Dostoyevsky para os subúrbios sombrios de Almaty, empregando-lhe a história de um universitário sem dinheiro que mata um comerciante ganancioso num  mundo invadido pelo capitalismo que emergiu na paisagem pós-soviética da terra natal do realizador Omirbaev. 
Há momentos no filme em que a técnica e as qualidades formais do realizador brilham, valendo-lhe comparações a Bresson, enquanto que outras assemelham-se a Tarkovsky, no seu sentido poético do misticismo, mas o filme também recebeu algumas críticas negativas que consideraram o seu trabalho uma fachada.
Estreou no Festival de Cannes de 2012, onde foi selecionado para a secção "Un Certain Regard". Legendas em inglês.

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segunda-feira, 27 de maio de 2019

Warriors of the Steppe (Zhauzhürek Myng Bala) 2012

No início do século XVIII as tribos Dzungar ocuparam as terras do Cazaquistão e incendiaram as aldeias locais. O menino Sartai testemunha a destruição da sua aldeia pelos guerreiros Dzungar. Anos depois, Sartai(Asylkhan Tolypov) e os seus amigos Taimas (Ayan Utepbergenov) e a mulher guerreira Korlan (Kuralai Anarbekova) vivem nas regiões da montanha com os seus familiares sobreviventes, e visitam uma aldeia num lugar mais baixo no vale. Sartai entra numa competição de wrestling, vence e conhece o chefe da aldeia, mas logo descobre que estas pessoas têm ligações com os Dzungar.
Uma espécie de híbrido da Ásia Central entre "Braveheart" e "300", "Myn Bala" foi o filme escolhido para representar o Cazaquistão nos Óscares, e é uma celebração de um herói guerreiro mítico do início do século 18. O título do filme traduzido para português significa "os mil rapazes" uma referência exagerada a algumas centenas de jovens guerrilheiros que lutaram contra a ocupação dos Dzungares, uma impiedosa tribo Mongol descendente de Genghis Khan. A vitória definitiva contra estes invasores ocorreu na batalha de Anyrakay em 1729, uma data marcante na independência do Cazaquistão. 
Este filme é um épico patrocionado pelo estado, feito para comemorar o 20º aniversário da separação da União Soviética, e classificou-se em segundo lugar nas bilheteiras do país, atrás apenas de "Avatar". Rápido e arrebatador, "Myn Bala" foi feito pelo realizador de acção Akan Sakayev com um orçamento de 12 milhões de dólares, um orçamento enorme para os padrões do pais, mas com uma história que seria difícil de vender para um público estrangeiro.
De notar que o protagonista, o novato Asylkhan Tolypov foi escolhido num casting com cerca de 20 mil participantes. Legendas em inglês. 

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sábado, 25 de maio de 2019

Hanaan (Hanaan) 2011


"Hanaan" dedica-se a prostitutas, traficantes e policias, todos tentando sobreviver ao rigor do dia a dia de uma vida de baixo nível no Uzbequistão. Stas é um detective da polícia coreano-uzbeque que tenta travar a corrupção e o tráfico de droga no seu distrito, tornando-se o centro simbólico do filme, e do realizador Ruslan Pak,.   
A principal atracção de "Hanan" é o seu exotismo étnico: um policia coreano no deserto urbano/industrial de Tashkent, no Uzbequistão, é algo que não se vê todos os dias (Stalin realocou milhares de coreanos para povoar as republicas asiáticas da URSS). A história parece bem desgastada, no entanto, tal como num filme americano, com os seus altos e baixos do vício da droga a providenciarem alguns bons momentos no filme.  
Co-produção entre a Coreia do Sul e o Uzbequistão, cujo tema deriva das complexas ligações históricas e culturais entre estas duas nações asiáticas muito diferentes entre si, é também o filme de estreia do realizador Ruslan Pak, e  o filme concorreu ao prémio "Golden Leopard - Filmmakers of the Present" no Festival de Locarno de 2011.
Legendas em Inglês.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Kelin (Kelin) 2009

Traição, luxúria, crime e vingança, desenrolam-se sem palavras e de forma convincente entre as estepes cobertas de neve do Cazaquistão, na estreia na realização do jornalista e argumentista Ermek Tursunov. "Kelin" tem a sensação de uma história épica transmitida por gerações através da tradição oral, mas o realizador brilhantemente transforma essa noção da sua cabeça, eliminando todos os diálogos e usando muito pouca música. Ele, inteligentemente, confia no público para compreender a história, mesmo quando este assiste a rituais e costumes a si estranhos.
A proveniência do filme, e o facto dele ser virtualmente mudo (excepto os grunhidos ocasionais e os sons da natureza), relegam o filme injustamente para um segundo plano. No entanto, anuncia a chegada de um novo realizador de uma parte do mundo virtualmente desconhecida, que é capaz de juntar altos valores de produção a histórias inovadoras num filme surpreendentemente moderno. 
O filme começa com a jovem, apática e bela Kelin (que significa "nora") a ser preparada para o seu casamento arranjado. O seu amor verdadeiro perdeu para um pretendente mais rico (que ofereceu mais moedas de prata e um casaco de peles maior para ela), mas não antes de se ligar a ela através de um juramento de sangue. Adornada com chapéus e sumptuosos Kelin é levada para longe, num boi, para a casa do marido, para viver com, presumivelmente, a mãe idosa e o irmão mais novo do marido. Apesar de ser forçada a casar-se, ela descobre que as coisas não são tão más assim. A felicidade não dura muito, no entanto, quando o seu primeiro amor vem à procura de vingança, provocando uma série de eventos dramáticos. 

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quarta-feira, 22 de maio de 2019

Tulpan (Tulpan) 2008

Nas estepes do Cazaquistão vive o jovem Asa (Askhat Kuchinchirekov) com a sua irmã Samal (Samal Eslyamova) e o seu cunhado Ondas (Ondas Besikbasov). Ondas é um homem duro, cuja vida como pastor o tornou solitário e de poucas falas. Já Asa é delicado e sonhador. Recentemente regressado da Marinha russa, tenta reencontrar o seu lugar dentro da comunidade cazaque: ser pastor e casar com uma mulher que o ame e cuide dele para o resto da sua vida. Mas, para que isso seja possível, terá de conquistar a simpatia de Tulpan, a única rapariga disponível de toda a planície. Porém, o amor entre os dois parece não querer acontecer e o jovem vai ter de encontrar uma outra maneira de encontrar a felicidade…
"Tulpan" primeira longa metragem de ficção do etno-documentarista russo Sergei Dvortsevoy, vencedor do prémio "Un Certain Regard" em Cannes, é uma ficção fundada num poderoso sentido de lugar, e aquele lugar, as estepes desérticas do sul do Cazaquistão, poderia facilmente ser noutro planeta. Ao contrário das obras anteriores do realizador, o filme não é um documentário, mas é um relato dramático de uma situação documental. Ausência é o principio do fundamento, e o filme vai buscar o nome ao nunca visto objecto das afeições de Asa, a única donzela casável daquele território.
Dvortsevoy consegue atingir um grande nível de realismo com os seus cenários e com o magnifico elenco. As planícies empoeiradas da estepe são uma personagem dominante que influencia fortemente a direcção da história. Uma subtrama envolve ovelhas desnutridas, é um resultado directo das dificuldades infligidas pelo temível clima que atingiu as planícies. 

segunda-feira, 20 de maio de 2019

The Gift to Stalin (Podarok Stalinu) 2008

Do pós-guerra soviético às paisagens remotas do Cazaquistão, "The Gift to Stalin" retrata eventos locais raramente vistos no cinema. Em 1949, num comboio para o Oeste cheio de prisioneiros políticos e pessoas indesejáveis, o jovem judeu Sashka (Dalen Shintemirov) é separado da família
moscovita, e segue para um destino obscuro e é levado para o Cazaquistão rural, onde é contrabandeado para um sitio seguro por um homem chamado Kasym. Transportado para as estepes selvagens Sashka encontra uma comunidade improvisada de exilados, que inclui uma bela condenada, um doutor polaco, e uma série de órfãos do deserto.
O filme de Rustem Abdrashev é ao mesmo tempo épico e intimista, tentando captar todo o momento histórico bem como o amadurecimento de um rapaz resiliente. Abdrashev tem a confiança necessária para criar uma atmosfera pacientemente. Uma rara pequena história passada num grande momento, poético tanto na fotografia de Khasanbek Kydyraliev como no argumento de Pavel Finn. 
Narrado por  Sashka como um adulto residente em Israel, "The Gift to Stalin" luta para criar uma família sob o domínio da opressão, aqui representada por um polícia importante e pomposo, governando a aldeia pelo medo, e, no caso de Vera, pelos abusos sexuais. 
Legendas em inglês.

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domingo, 19 de maio de 2019

Native Dancer (Baksy) 2008

Aidai, a baksy, ou feiticeira, vive nas montanhas e ajuda as pessoas. Ela usa acções misteriosas para curar os doentes, e dar filhos aos casais inférteis. À medida que as forças capitalistas começam a invadir a tradição, a primeira baixa é herança mais fundamental da cultura - a terra. A curandeira tem de deixar a sua terra porque alguém acha que ela é ideal para um posto de gasolina Uma dura batalha entre o "bem" sobrenatural e o "mal" natural, segue-se.
"Native Dancer" é um filme estranho. Meio realismo mágico, meio filme de gangsters, com alguns momentos de comédia introduzidos pelo primo de Batyr. A realizadora Gulshat Omarova, de quem já tínhamos visto "Shiva" neste ciclo, faz um grande uso da paisagem do Cazaquistão, e também do Uzbequistão. Não é difícil acreditar em magia em terras como estas, e a realizadora ainda escolheu alguns habitantes locais para participar no filme. A curandeira Aidai é interpretada por uma curandeira verdadeira, de nome Neisipkul Omarbekova.
O argumento foi escrito a meias pela realizadora e pelo russo Sergei Brodov, de "Nomad", e mais ou menos a meio desliga-se do misticismo e passam para o suspense, quando uma das personagens é raptada. Estas sequências dão uma mudança refrescante na ênfase do filme, que nunca fica sem rumo, e segue sempre pelo caminho certo. 
Legendas em inglês.

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quinta-feira, 16 de maio de 2019

Ulzhan (Ulzhan) 2007

Algures nas intermináveis estepes da Ásia Central existe um tesouro. Um homem tem a chave para a ele chegar, um fragmento de um mapa antigo. Mas, na sua busca inquieta, Charles não procura fama nem glória. Ele procura uma forma de curar a sua alma ferida. Ele procura por amor, e Ulzhan sentiu isso a primeira vez que lhe colocou os olhos em cima.
Voando por baixo dos radares do regresso do cinema aos westerns que se deu no século 21, vamos encontrar "Ulzhan" (2007), do alemão Volker Schlöndorff. Embora não seja um western americano, nem um filme passado no século XIX, o filme é uma homenagem às formas clássicas do género. Numa entrevista, Schlöndorff disse que tentou, num determinado momento, obter os direitos de usar a música de "The Searchers" (1956), de John Ford, para explicar o paralelismo entre o herói errante de "Ulzhan" e o Ethan Edwards, de John Ford.
O realizador alemão já tinha criado quase-westerns no passado, como foram os casos de "Michael Kohlhaas" (1968), ou mais recentemente "The Ogre" (1996), para não falar do americano "A Gathering of Old Men" (1986). Enquanto que em Kohlhaas e The Ogre essa preocupação envolvia o western filtrado pelo género distintamente alemão do Heimatfilm, a apropriação do western em "Ulzhan" serve fins perfeitamente diferentes. Como filme conduzido pelo seu cenário, "Ulzhan" guia-nos através do deserto cazaque, uma fronteira cultural e intelectual, algures entre o materialismo ocidental e a espiritualidade oriental. Embora Schlöndorff não elimine completamente todas as tradições do pensamento colonialista europeu, em "Ulzhan", ele apresenta, a visão de um cineasta globalizado que tenta confrontar o legado do imperialismo e o potencial para os europeus de ultrapassá-lo. 
Legendas em inglês.  

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quarta-feira, 15 de maio de 2019

To go to Heaven First you Have to Die (Bihisht Faqat Baroi Murdagon) 2006

Impressionante e poético, "To Get To Heaven First You Have To Die" confirma o realizador Djamshed Usmonov ("Angel on the Right") como um dos mais brilhantes talentos do cinema soviético, e também do cinema da Ásia Central. Com mais clareza, mais sombrio e perturbador do que os seus filmes anteriores, conta com Khurched Golibekov a interpretar o Kamal, um homem de olhos arregalados, que está casado há alguns meses mas não consegue consumar o seu casamento. Depois de saber que fisicamente não há nada de errado com ele, depois de uma visita ao médico, Kamal parte para a cidade na tentativa de curar a sua impotência. Com uma ingenuidade infantil, ele esforça-se para encontrar alguém, até um encontro casual num autocarro , onde ele conhece uma jovem russa casada. Este encontro casual, leva-o numa jornada muito mais sinistra do que ele esperava…
Comparado por críticos a "A Short Film About Love", de Krzysztof Kieslowski, este filme conta com uma realização e uma narrativa absolutamente infalíveis de Usmanov, que gentil e gradualmente puxa o tapete dos nossos pés. Tomando como emprestadas muitas convenções do cinema americano de série B ("new boy in Town", introversão juvenil, iniciação numa família criminosa, sedução pelo mundo de gansters), para depois reduzir o ritmo para a velocidade de um caracol, Usmanov cria um ambiente estranho mas agradável. Injecta-nos um conto errante de voyeurismo e redenção com comentários sociais astutos e um humor brincalhão, tão elíptico e fatalista como seria de esperar deste cineasta. 
Legendas em inglês. 

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segunda-feira, 13 de maio de 2019

Nomad - A Profecia do Guerreiro (Köshpendiler) 2005

O primeiro blockbuster a emergir do Cazaquistão, "Nomad" conta a história dos primórdios deste país. A história começa no início do Século XVIII, quando as tribos cazaques pacíficas e os nómades se encontram sob ataque quase constante de saqueadores e tribos em guerra, principalmente os Jungars da Mongólia. As tribos devem unir-se para o bem da sua pátria, e muitos, incluindo o sábio Oraz (Jason Scott Lee), acreditam que a sua graça salvadora é um guerreiro que é profetizado para se levantar e levar os seus guerreiros à vitória. Anos mais tarde, este guerreiro chega na forma de Mansur (Kuno Becker) um jovem nobre que vai ser inspirado por Oraz. Os Jungars vão preparar a sua mais impiedosa invasão, e Mansur terá que cumprir o seu destino rapidamente, e tornar-se o grande guerreiro que nasceu para ser.
"Nomad: the Warrior" pode ser melhor descrito como uma ambiciosa confusão, e considerando que a Weinstein Company está envolvida, isso não é de surpreender. Por um lado o filme tem dificuldade em decidir que tipo de público quer atingir. Por um lado dá a impressão de ser um retrato nascido no Cazaquistão, de como é possível um herói unir uma nação. Mas depois, a inclusão de actores ocidentais tornam a história meio confusa. Além de Becker e Jason Scott Lee, vamos encontrar Jay Hernandez, como o melhor amigo de Mansur, e Mark Dacascus, como o principal vilão, o líder dos Jungars.
O filme também foi parado a meio da produção, e retomado depois por outro realizador, pelo que aparecem dois realizadores nos créditos finais, Sergei Bodrov e o checo Ivan Passer, na sua última obra até à data, sendo este filme muitas vezes comparado com "300", de Zack Snyder.
É uma curiosidade para quem quiser conhecer um blockbuster do Cazaquistão, e este tem legendas em português.

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sábado, 11 de maio de 2019

Schizo (Shiza) 2004

Longa metragem de estreia da realizadora cazaque Guka Omarova, "Shiza", ou "Schizo" conta a parte
mais sombria da vida de um jovem de quinze anos, que dá nome ao filme. Passado no Cazaquistão, nos economicamente desesperantes inícios dos anos noventa, Schizo e a sua mãe estão a passar uma vida difícil. Quando o jovem é enviado para casa da escola por ter problemas, o namorado da mãe envolve-o em pequenas actividades ilegais. A cada decisão, a vida do jovem vai mergulhando num espiral descendente. A mãe ama-o e cuida dele, mas Schizo não modelos inspiradores ou orientação para o futuro.
Através de uma série de eventos, Schizo conhece uma mulher mais velha e igualmente desesperada, Zinka, que tem um filho pequeno e mora num barraco num terreno isolado e árido no meio do nada. Os três acabam a viver como uma família de facto, criando relacionamentos emocionais e de apoio. 
Há alguns factos notáveis sobre "Schizo" que merecem a pena ser mencionados. Tem apenas dois actores profissionais, o resto são não profissionais. Além disso, tanto o jovem que interpreta Schizo como o mais pequeno são órfãos. A realizadora foi até um orfanato para procurar uma criança para participar no filme. A actriz que interpreta Zinka chama-se Olga Zandina. que era uma das poucas profissionais, mesmo assim estreava-se no cinema com este filme, com uma personagem que exala vulnerabilidade, selvajaria e autenticidade.
Schizo, interpretado por Olzhas Nussuppaev. é uma personagem discretamente convincente. A fotografia dá o tom, e informa o público sobre o nosso protagonista. Shots amplos enfatizam o sentimento de isolamento de Schizo e o seu sentimento de ser pequeno num mundo grande. Paisagens áridas e prédios cinzentos e sem graça sugerem desolação e pobreza, mas o filme foi um dos melhores a saír do Cazaquistão neste início do Século 21, tendo sido exibido no festival de Cannes de 2004, concorrendo para a Câmara de Ouro, e Un Certain Regard.
Legendas em inglês.

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quinta-feira, 9 de maio de 2019

The Hunter (Okhotnik) 2004

Numa aldeia isolada nas montanhas do Cazaquistão, Erken, um rapaz de 12 anos, vive com a mãe, uma bonita e sedutora mãe solteira. Uma noite, quando a mãe é visitada por um caçador, Erken rouba-lhe a arma e o cavalo para assaltar a loja. Procurado pela polícia, o jovem é encontrado pelo caçador, que lhe dá duas hipóteses: ser entregue à polícia ou ir viver com ele para as montanhas.
Regressando a um tema que lhe era familiar, que era a vida na aldeia, Serik Aprymov, oferece-nos uma interpretação cazaque sobre o que é a idade da adolescência, em "The Hunter" (2004). Com uma grande ênfase na música e na mitologia, Aprymov dá-nos tem aqui o seu filme mais ambicioso até então. Urbanização, aldeias e vida de nómades a colidirem na vida de um rapaz que luta para encontrar o seu caminho através deles. Como um todo, "The Hunter" testa os limites da chamada "nova vaga cazaque" e explora as influências culturais em volta da vida cazaque nas aldeias. 
O retrato das mulheres neste filme reflecte um dos problemas maiores no cinema da Ásia Central deste período, onde os realizadores optaram por personagens vazias de estereótipos de género, em vez de personagens complexas. Enquanto que a mãe é uma personagem estática num estado de virtude perdida, sendo deixada inteiramente inexplorada no filme, o retrato do caçador é o de um predador sexual dinâmico. 
Dos festivais onde passou, destaque para o de Locarno, onde ganhou dois prémios: o C.I.C.A.E. Award, e o Netpac Award. 
Legendas em inglês.

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quarta-feira, 8 de maio de 2019

Angel on the Right (Fararishtay Kifti Rost) 2002

Hamro (Maruf Pulodzoda) é um durão que regressa à sua terra natal, no Tajiquistão, depois de uma década em Moscovo, depois de uma década em Moscovo, para visitar a sua mãe moribunda, Halima (Uktamoi Miyasarova), que pode estar a morrer. O dela é que seja feita uma porta dupla na sua casa, para que o o seu caixão possa ser levado cerimoniosamente, e para isso Hamro tem de fazer as renovações. Acontece que a "doença" de Halima é apenas um pretexto para atraír Hamro de volta para casa, mas agora ele vai ter de lidar com velhas dívidas e com um filho que não sabia que tinha.
O título do filme deriva de uma lenda islâmica que fala sobre um anjo invisível que se encontra em cima de cada um dos nossos ombros. do lado direito testemunha as nossas boas acções e pensamentos, do lado esquerdo os nossos maus. Depois da morte a balança da justiça é pesada, com o anjo a ser enviado para o céu ou inferno, dependente das suas acções em vida. O realizador, Jamshed Usmonov, recusa-se, no entanto, a pintar os seus personagens de preto e branco, de acordo com um sentido de mistério para as motivações e acções da mãe e filho. 
Filmando na sua própria aldeia natal, e usando os seus parentes próximos em importantes papéis, o realizador constrói um retrato revelador de uma comunidade empobrecida, ainda a recuperar dos efeitos da guerra civil. Muito dos prazeres do filme estão no detalhes e nos rituais da vida quotidiana: os apertos de mão vigorosos ao fazer negócios, as técnicas do agente imobiliário local, a forma como alguém reserva o tempo da sua passagem para a outra vida.
O filme foi exibido em inúmeros festivais, incluindo Cannes 2002, onde concorreu na secção "Un Certain Regard", ao lado de realizadores como Pablo Trapero, Bahman Ghodabi, Apitchapong Weerasethakul, Christophe Honoré, Abderrahmane Sissako, entre outros.
Legendas em inglês.

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segunda-feira, 6 de maio de 2019

A Estrada (Jol) 2001

Um realizador chega a uma encruzilhada na sua vida e na sua arte quando descobre que a sua mãe pode estar a morrer, neste drama com toques cómicos do realizador Darezhan Omirbayev. Amir Kobessov (Djamshed Usmonov) é um muito respeitado realizador do Cazaquistão que está a sofrer, tanto profissionalmente como pessoalmente, uma crise de confiança. Amir começa a perguntar a si próprio se o público ainda está interessado no seu trabalho, e tem um pesadelo recorrente em que a estreia do seu último filme é preterida a um épico de baixo orçamento. Em casa o casamento também não está bem, e luta com a sua esposa para o conseguir manter de pé. Quando Amir recebe a notícia de que a sua mãe está gravemente doente, ele parte no carro para visitá-la na pequena aldeia onde nasceu. Ao longo do caminho vai examinando o seu passado enquanto tenta aceitar um futuro incerto.
Este filme de Darezhan Omirbayev celebra abertamente o seu amor pelo cinema. Não só o filme é dedicado aos seus compatriotas realizadores do Cazaquistão, como o herói principal é interpretado por um outro realizador do seu país, Jamshed Usmonov, de quem veremos dois filmes futuramente neste ciclo, e que tem um capítulo, muito interessante, dedicado a si, no livro que vos ofereci no post abaixo.
O filme é um clássico exemplo de um "road movie", em que o movimento de Amir pelo espaço (as estepes do Caziquistão) permite que ele revisite a jornada da sua vida. O passado, no entanto, não está na distante aldeia da sua infância, mas sim, é regido por duas obsessões: sexo e cinema. Os pensamentos de Amir raramente regressam à sua mãe, ou ao seu passado na pequena aldeia, durante a viagem, e quando regressam, são marcados por ausência de ligações.
Em 2002 foi exibido no Festival de Cannes, integrado na selecção oficial "Un Certain Regard". Creio que nunca foi exibido em Portugal ou Brasil, por isso adaptei o nome do filme em português livremente, já que o título internacional é "The Road".
Legendas em inglês.

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sábado, 4 de maio de 2019

Ásia Central: Século XXI


Sem dúvida que a história do cinema na Ásia Central seguiu um caminho invulgar, reflectindo os interesses da construção da nação soviética, o internacionalismo infundido ideologicamente, o exotismo e a fantasia neo-tradicionalista, à medida que o século avançava. Ao longo do caminho, alguns filmes verdadeiramente excelentes e de renome mundial foram produzidos em lugares esquecidos, até que a "guerra ao terror" evocou memórias de rivalidade entre os impérios russos e britânicos.
A história da Ásia Central está marcada por uma série de invasões e convulsões, desde as conquistas de Alexandre, o Grande, Genghis Khan e Tamerlane, até à absorção da região pela primeira Rússia depois pela União Soviética (a violência persistiu, depois da independência no Tajiquistão, uma feroz guerra civil resolvida apenas nos anos 90 do século passado). O domínio Soviético na Ásia Central foi catastrófico, durante o governo de Staline, sobretudo, o modo de vida tadicional do seu povo foi brutalmente reprimido, se não destruído, mesmo. Milhões morreram como resultado da fome ou da perseguição do governo, o islão foi banido, o alfabeto árabe foi substituído primeiro por caracteres latinos, e, por fim, cirílicos, propriedades foram confiscadas, no Cazaquistão, onde a cultura era quase exclusivamente nómade, o povo foi obrigado a se estabelecer. Alguns dos países foram devastados ecologicamente por máquinas soviéticas para aumentar o rendimento agrícola, e o território foi invadido por milhões de russos e outros estrangeiros, aqui a assistência médica melhorou significativamente e o analfabetismo foi quase totalmente eliminado.
Fazer cinema nestas condições, não foi, e nunca será muito fácil de ser feito. Mas o certo é que ele foi feito, e continua a saír desta região da Ásia Central, que se entende pelos seguintes países: Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão, e Uzbequistão.
Não é meu objectivo fazer um ciclo sobre a história do cinema nestes cinco países, mas sim traçar um mapa do estado em que está a situação actual do cinema nesta região.
No final do século 20, apenas o Uzbequistão produzia filmes para o seu próprio mercado. Enquanto que o Cazaquistão e o Quirguistão receberam inúmeros prémios em festivais internacionais de cinema, o público interno não conseguia encontrar os seus filmes. O cinema no Tajiquistão e no Turquemenistão era praticamente inexistente. Os anos 90 foram uma década de difícil transição, incerteza política e colapso económico, e cinema na Ásia Central reflectia essa realidade. As indústrias cinematográficas domésticas eram ainda mais limitadas pela disponibilidade de filmes baratos, muitas vezes ilegais, de Hollywood e da Rússia.
Vamos iniciar assim esta viagem, não muito longa, com cerca de 15 filmes destes 5 países, todos feitos a partir do ano 2000, e que por uma ou outra razão mereceram destaque.
E, para começar, para que se possam inteirar do que acontecia neste canto do mundo, cinematograficamente falando, deixo-vos com um livro em PDF, que pode funcionar como introdução, e, até quem sabe, guia. Começo a postar os filmes a partir de segunda ou terça-feira.
Bom fim de semana.

Cinema in Asia Central: Rewriting Cultural Histories, de Michael Rouland, Gulnara Abikeyeva, Birgit Beumers

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O Vale Era Verde (How Green Was My Valley) 1941

A história decorre no virar do século (XIX/XX), numa pequena aldeia mineira em Gales. O casal Morgan compõe canções sobre as minas de carvão e cria os seus filhos na esperança de que estes tenham uma vida melhor que a deles.
"The Grapes of Wrath, The Long Voyage Home e Tobacco Road, são, muitas vezes, englobados numa chaveta comum: a "trilogia social" do realizador. A etiqueta presta-se a equívocos mas há, inegavelmente, uma atmosfera comum nessas obras, baseadas, todas, em escritores (Steinbeck, O´Neill, Caldwell) enquadráveis no chamado "realismo americano".
Mas Ford não era homem para se prender a um género ou a uma "escola". E, em 1941, depois desses três filmes, iniciou as filmagens de "How Green Was my Valley", adaptação de um escritor - Richard Llewllynn - que nada aparentava ao realismo.
Último filme de Ford , antes de ser mobilizado (só quatro anos depois, em 1945, o cineasta voltaria à ficção) foi um dos maiores êxitos da sua carreira. Obteve seis Óscares (Melhor Filme, Melhor Realização, Melhor Interpretação Masculina Secundária - Donal Crisp, Melhor Fotografia, Melhor Direcção Artística, Melhores Cenários), valendo, como já se disse, a Ford, o seu terceiro Óscar (segundo consecutivo) e batendo, como melhor filme do ano, o célebre Citizen Kane. 
Contudo, para muita gente, estas distinções foram ambíguas, pois pareceram premiar o "classicismo" contra o "modernismo". E não faltou quem dissesse que na carreira de Ford este filme marca uma viragem de 180º. O "revoltado" Ford de "The Grapes of Wrath" aparecia, aqui, como extremo defensor dos valores menos associados à revolta: Deus, Pátria e Família. E desposaria o ponto de vista de Donald Crisp na sua tenaz oposição à greve e aos sindicatos ("socialista nonsense"), exaltando a figura do Pai ("homens como o meu pai não podem morrer") e o sacrifício do amor de Pidgeon por O´Hara por razões de sacerdócio. Para os que sempre chamaram ao autor de "Young Mr. Lincoln" reacionário, puritano, beato e outros mimos, "How Green Was My Valley" surgiu como a perfeita exemplificação de tais atributos."
É com estas palavras de João Bénard da Costa sobre "How Green Was My Valley" que terminamos este ciclo sobre os filmes de John Ford realizadores entre o início do cinema falado, e a altura em que ele partiu para a Guerra. Espero que tenham gostado, penso que daqui a uns tempos farei o mesmo para os filmes de Howard Hawks. Até já, o próximo ciclo começa já a seguir.

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quinta-feira, 2 de maio de 2019

A Estrada do Tabaco (Tobacco Road) 1941

Durante a Grande Depressão americana, a família Lester não sabe como sobreviver à miséria que se avizinha. Residem e gerem os territórios rurais da Geórgia, cultivados com tabaco e algodão, mas já nem isso os salva. Debilitados pela pobreza ao ponto de atingirem um estado de ignorância e egoísmo cruel, os Lesters preocupam-se com a fome, os apetites sexuais que os devoram e o medo de que a hierarquia social os empurre para uma camada ainda mais desfavorecida.
O filme mais estranho de John Ford, é como uma realidade alternativa para "As Vinhas da Ira". Baseado num livro de Erskine Caldwell, e numapeça longa de Jack Kirkland, com argumento escrito por Nunnally Johnson, o filme concentra-se num grupo de camponeses que ainda ocupam as suas terras, mesmo depois das plantações terem deixado de crescer. Charley Grapewin dá algum equilibrio como Jeeter Lester, um homem de bom coração, à frente de um elenco de peso: Gene Tierney, Wiliam Tracy, Dana Andrews, Marjorie Rambeau, Elizabeth Patterson e Ward Bond.
O filme foi bastante prejudicado por ter sido homogeneizado pelos pedidos dos estúdios e dos censores, indo parar à lista dos filmes amaldiçoados. Depois de várias reclamações de que "muitas pessoas religiosas em todo o pais possam ter ficado ofendidas com os aspectos religiosos", Ford aligeirou o tom do filme. Segundo as suas palavras: "We have no dirt in the picture. We’ve eliminated the horrible details and what we’ve got left is a nice dramatic story. It’s a tearjerker, with some comedy relief. What we’re aiming at is to have the customers sympathize with our people and not feel disgusted." Para evitar controvérsias a Fox decidiu não filmar em exteriores, na Geórgia, mas sim em estúdios e cenários fechados para impedir que o filme fosse banido antes da estreia. Eventualmente só seria banido na Austrália.
O certo é que seria mais um filme injustamente esquecido de Ford, talvez por ter sido lançado mesmo no meio de dois filmes em que Ford foi premiado com o Óscar de Melhor Realizador: "As Vinhas da Ira" (1940) e "O Vale era Verde" (1941).

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quarta-feira, 1 de maio de 2019

Tormenta a Bordo (The Long Voyage Home) 1940

A bordo do cargueiro Glencairn as vidas da tripulação são vividas com medo, solidão, suspeita e camaradagem. Os marinheiros contrabandeiam mulheres e bebidas a bordo, brigam entre si, espiam-se, consolam-se quando a morte se aproxima e ajudam-se uns aos outros do perigo. Isto com a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo.
"The Long Voyage Home" é um filme estranhamente belo, baseado numa série de peças rápidas de Eugene O´Neill. Descreve uma jornada a bordo de um cargueiro desde as Índias Ocidentais de volta para os Estados Unidos durante o início da Segunda Guerra Mundial. John Ford reúne a sua equipa habitual, que vinha desde o argumentista Dudley Nichols  na sua penúltima colaboração com o realizador, ao magnifico elenco que incluía John Wayne, Thomas Mitchell, Ward Bond, Joe Sawyer, entre outros.
O filme seria notável pelo trabalho da fotografia de Gregg Toland, que já tinha trabalhado com Ford em "As Vinhas da Ira", e que logo depois deste filme trabalharia em "Citizen Kane", considerado em ter umas das melhores fotografias de sempre. Ford admirava tanto o trabalho de Toland que o deixou usar a câmara livremente, ao que Toland aproveitou para experimentar um novo tipo de lentes que lhe garantiam uma grande profundidade de foco. Seriam essas mesmas lentes que seriam usadas em "Citizen Kane".
Sendo este filme mais uma grande-obra prima de Ford, acaba por ser prejudicado por ter sido feito no período mais criativo do realizador. Alguns filmes ofuscavam totalmente os outros, por terem sido feitos com muita proximidade de tempo. No caso de "The Long Voyage Home" e também "Tobacco Road" foram feitos entre "As Vinhas da Ira" e "O Vale era Verde", tudo no espaço de uns meses. O tempo acabaria por fazer justiça a cada um destes filmes.

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