sábado, 1 de setembro de 2018

O Cavalo de Turim (A Torinói ló) 2011

“O Cavalo de Turim” de Béla Tarr é o filme mais desolador que alguma vez eu vi. Assisti-lo pela primeira vez num quarto resguardado da luminosidade diurna, e subir de novo os estores após o fim da sessão causou vertigem e dor real no meu nervo ótico – o vermelho dos telhados, o amarelo das paredes dos prédios, o azul do céu cobáltico, o verde-escuro das árvores e da relva…foi o choque do espetro das cores que me assolou, tal como o choque da luz do bloco de partos deve assolar o recém-nascido que abandona o ventre negro da mãe.
Mais do que um exercício à nossa resiliência como espetadores de cinema, “O Cavalo de Turim” é uma janela impiedosa para o abismo, para o terror inominável que circunda a frágil existência humana. É como se o objetivo do filme fosse recriar essa experiência do episódio que lhe serve de premissa: a da quebra da sanidade de Friedrich Nietzche perante a cena de um cavalo a ser vergastado, quebra essa da qual o filósofo nunca mais recuperou durante a década posterior em que ainda viveu.
Apesar de ser uma explicação mitológica para a condição demente de que Nietzche padeceu (provavelmente ele já se encontrava tomado pela sífilis quando se abraçou ao pescoço do cavalo magoado a chorar copiosamente), não há que negar a força da sugestão do episódio, e a angústia que nos causa imaginar que indescritíveis conclusões se abateram sobre Nietzche nesse fatídico momento, que verdade terrível sobre o Cosmos desabou sobre ele, catalisada por uma simples visão de maus-tratos a um animal.
Nessa perspetiva, “O Cavalo de Turim” pode ser visto como um conto lovecraftiano reduzido ao seu esqueleto, desprovido de quaisquer materializações de horror cósmico para nos confrontar com o vácuo na sua informidade infinita. Um filme que nos transporta lentamente através da última convulsão da entropia, que nos faz observar os últimos estertores da existência antes de se dissolver no zero absoluto. 
Para os corajosos que não temem ser confrontados com a derradeira conclusão da 2ª Lei da Termodinâmica, “O Cavalo de Turim” é uma experiência obrigatória, ainda que potencialmente aterrorizante.
Filme escolhido pelo Sérgio Pelado, que também escreveu este texto.

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