terça-feira, 14 de agosto de 2018

The Hourglass Sanatorium (Sanatorium pod Klepsydra) 1973

"Józef (Jan Nowicki), viaja de comboio até ao sanatório onde o seu pai está internado, na Polónia antes da II Guerra Mundial. Ao chegar, sente estar num mundo diferente, onde o tempo pode voltar para trás. Józef é assim levado numa viagem interior, onde memórias e fantasias se misturam. Desse modo redescobre os seus pais, com quem conversa de novo, vê imagens da história com soldados coloniais, convive com judeus da sua cultura, nos ghettos onde cresceu, assiste a discussões teóricas, observa a política do seu tempo através de bonecos de cera, e revive episódios do seu passado, envolvendo as raparigas que amou.
Wojciech Jerzy Has foi um prolífico realizador polaco, que escapou à tradição de filmes políticos do seu período, preferindo dedicar-se a temas psicológicos e abstractos. Exemplo são os seus filmes de cariz surrealista como “Sanatorium pod Klepsydra”, que em Portugal passou apenas na televisão como “Sanatório Clepsidra”. 
 No sanatório que dá nome ao filme, como nos é explicado logo no início pelo médico residente, o tempo não passa como lá fora. De facto, pode retroceder sempre que queiramos, o que é testemunhado pelo personagem principal Józef (Jan Nowicki), quando após a sua chegada, pode, através de uma janela, ver-se no exterior ainda a chegar. Essa peculiaridade temporal é o mote para as viagens ao passado de Józef, feitas de um modo perfeitamente caótico. 
 Mais que viajar para o passado, Józef experimenta um misto de fantasia e reminiscência, que o conduz aleatoriamente de sala em sala, de pensamento em pensamento, de episódio em episódio. Sem o controlar Józef vê-se interpelado pelas mais estranhas personagens, que surgem e desaparecem como fantasmas da sua imaginação. Do mesmo modo, vê-se transportado de um para outro cenário sem qualquer explicação lógica, e pelos meios mais insólitos, como seja passar por de baixo de uma cama, e surgir num jardim do sanatório. 
 Se no início Józef tem como único objectivo inteirar-se do estado de saúde do seu pai, estranhando a decadência do edifício, logo passa a aceitar aquela realidade fantasiosa, interagindo com os restantes personagens de modo natural. É assim que encontra o seu pai, de boa saúde, em diferentes contextos, redescobre a sua mãe, participa em discussões com o médico e um ornitólogo, tenta fazer sentido do seu mundo através de um livro de selos de uma criança, assiste a batalhas coloniais e participa em discussões de política, onde os personagens são bonecos de cera. Józef redescobre ainda pessoas do seu passado, como os judeus do ghetto onde cresceu, as raparigas que amou, amigos de infância. 
 Tudo isto acontece numa mansão onde o tempo e o espaço não têm relevância. Cada porta pode, de cada vez que aberta, levar a um local diferente, exteriores e interiores confundem-se, e para passar de um local a outro, tanto se pode passar por debaixo de uma cama, subindo uma escada, ou afastando umas cortinas. 
 O principal trunfo de “Sanatorium pod Klepsydra” é, no entanto, a sua mise-en-scène, resultado de uma excelente produção. Através de cenários elaboradíssimos, o sanatório ganha uma vida incrível, onde cada cenário é ricamente detalhado, e cada espaço uma surpresa de extrema beleza. 
 Não é difícil imaginar o filme como um sonho, onde tempo e espaço pouco significam, a lógica fantasiosa é naturalmente aceite pelo protagonista, e os personagens e as conversas surgem fora de lugar, num ritmo caótico sem qualquer lógica aparente. A história é por isso uma viagem interior de alguém a contas com o seu passado, num momento em que a perda do seu pai o torna emocionalmente mais frágil. 
 “Sanatorium pod Klepsydra” venceu o Prémio do Juri do Festival de Cannes em 1973. mesmo contra a vontade das autoridades polacas, que viam no filme um ataque às condições dos hospitais do país, e um enaltecimento da cultura judaica, reprimida na Polónia."
Filme escolhido pelo José Carlos Maltez. O Texto também é seu, do seu blog.

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