terça-feira, 7 de agosto de 2018

O Navio Farol (The Lightship) 1985

Skolimowski abandonou a Polónia em 1967 após a realização do filme Barrier. Até chegar aos Estados Unidos mediaram 18 anos onde foi fazendo filmes na Europa, entre os quais Deep End (1970) que lhe trouxe prestígio internacional, The Shout (1978) e Moonlighting (1982) que aliaram os elogios da crítica a um relativo sucesso de bilheteira, neste último caso com o inestimável contributo de Jeremy Irons com um desempenho notável enquanto protagonista.
A sua chegada aos EUA tornou-se quase inevitável e lógica. Mas foi feita, em termos cinematográficos, de forma inusitada. O Navio Farol adapta o pequeno romance Das Feuerschiff do escritor alemão Siegfried Lenz, um dos mais importantes escritores alemães da segunda metade do século XX e autor da obra prima Uma Lição de Alemão. O livro, até pela sua pequena dimensão, é quase minimalista, sentido que Skolimowski respeitou integralmente. Trata-se de um filme de baixo orçamento, quase teatral, que decorre inteiramente num barco ancorado que serve de farol para evitar que outros barcos colidam com rochas perigosas, O navio é comandado pelo capitão Miller, um oficial com um comportamento suspeito durante a segunda guerra mundial, acusado, embora não formalmente, de cobardia. Tem uma tripulação mínima que vive de forma monótona executando as suas tarefas rotineiras. Na altura em que o seu filho o visita o navio é assaltado por três bandidos armados que dominam o barco e o tentam pôr em movimento e sequestram a tripulação e o filho do capitão.
 O que me fascina neste filme é, em primeiro lugar, a sua sobriedade espartana. Não existe nada de acessório, nem nas imagens, nem nas palavras, nem sequer no cenário. Diríamos estar em presença de um filme de essências e não de aparências, com um cenário fixo centrado no barco e que só vai variando em função das suas diversas divisões. Em segundo lugar e pelas razões acima expostas, todo o ambiente é absolutamente claustrofóbico. Ninguém pode abandonar o barco: os tripulantes porque estão sequestrados e os assaltantes porque se regressarem a terra serão capturados. Há, assim, um convívio forçado entre uns e outros. Em terceiro lugar, o espantoso contraste entre o capitão e o chefe dos assaltantes. O primeiro é um homem tranquilo, quase sempre silencioso que entende a sua missão como uma espécie de castigo imposto, mas que está disposto a cumprir de forma determinada a sua missão, por mais irrelevante que a mesma possa parecer; o segundo é uma espécie de gentleman verboso, histriónico e cínico, pronto a filosofar sobre tudo e sobre nada. Em quarto lugar pela tensão crescente que se vai instalando entre os dois grupos transformando O Navio Farol numa espécie de thriller, uma vez que a tripulação depois de uma fase de aturdimento perante a surpresa da invasão indesejada, começa a resistir, com excepção do capitão que pretende preservar a missão do barco e a segurança da tripulação. Em quinto lugar, e este é talvez o aspecto mais importante, pelas questões filosóficas que coloca: primeiramente os dilemas morais do capitão, entre a resistência incitada pela tripulação e pelo seu próprio filho e a necessidade de preservar o barco e as vidas das pessoas, numa dimensão quase existencialista; mas, numa análise mais funda, a dicotomia metafísica entre permanência e a mudança, desta vez aplicada ao destino do barco. Como diria Caspary, o chefe dos assaltantes, os barcos foram construídos para navegar e não para estarem parados. Esta contradição entre o ser e o devir, remete-me para os bancos da Universidades e as polémicas entre Parménides e Heraclito, dois filósofos pré-socráticos. 
 É um filme de pequeno orçamento, que não ganhou prémios internacionais, não teve os favores do público e é frequentemente omitido das listas dos melhores de Skolimowski. Klaus Maria Brandauer (capitão) e Robert Duvall (Caspary) têm desempenhos notáveis bem acompanhados, entre outros, por Arliss Howard e William Forsythe, ainda então nos primeiros passos das respectivas carreiras. Que eu saiba houve uma edição em dvd que hoje se vende a baixo preço na Amazon. Não encontro na net grandes análises, ou qualquer clube de apaixonados por ele. Em suma, não gerou nenhum culto em seu redor. Trata-se, portanto, de um pequeno segredo, um filme desconhecido para muitos e que tenho o prazer de partilhar convosco.
Uma escolha do Jorge Saraiva, que também escreveu o texto de acompanhamento. 

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