quarta-feira, 16 de maio de 2018

Zéfiro (Zéfiro) 1993

Zéfiro é um filme sobre Lisboa, a última das cidades mediterrâneas, condenada ao Atlântico pelo estuário vastíssimo que a separa "da outra banda". A princípio, o trajecto escolhido parece ser o dos cacilheiros, os "ferry-boats" que ligam a margem Norte à Margem Sul do Tejo, na realidade, quando chega à margem sul, o filme muda inesperadamente de registo e, enquanto nos fala dos povos que sucederam ou coexistiram no Sul profundo de Portugal, cruza a planície do Alentejo, e desde do outro lado até ao mar, onde pára finalmente, a contragosto, como se quisesse continuar até ao Mediterrâneo. Depois volta desencantado para cima, e é já de noite quando atravessa o rio de novo.
Zéfiro é uma crónica histórica de Lisboa face ao Sul, onde a um discurso quase de carácter didáctico-informativo se sobrepõem fiapos de ficção, como se o espaço visitado segregasse, ele mesmo, uma vontade de imaginar, como se as planuras, os castelos ou as vielas tivessem lá dentro ficções.Um marinheiro pode, por isso, ser acometido de uma vontade de dança no convés de um cacilheiro, um misterioso cavaleiro árabe pode atravessar os campos do Alentejo, como uma visão, um homem pode esfaquear uma mulher nas sombras vizinhas a S. Vicente de Fora e fugir desabaladamente. E sobre tudo pode pairar a sombra errante de Corto Maltese. É quase um principio poético que enforma a construção de Zéfiro, de José Álvaro Morais, cineasta de pouquíssimos filmes, perguntamo-nos todos porquê, mas que sempre inventa, procura, joga, cria.
* Texto de Jorge Leitão Ramos.

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