sexta-feira, 6 de outubro de 2017

a Batalha do Rio da Prata (The Battle of the River Plate) 1956

Após Os Contos de Hoffman a produção de Powell e de Pressburger caiu drasticamente. Até 1951 terem realizado um filme por ano, fizeram um interregno de quatro anos. Regressaram com a comédia musical Oh Rosalinda que não está incluída neste ciclo. Posteriormente assinariam em conjunto mais dois títulos, antes de dissolverem a produtora The Archers em 1957
A Batalha do Rio de Prata (1956) é o segundo desses três filmes. É o regresso ao cenário da Segunda Guerra Mundial e a um dos seus episódios mais significativos, a primeira grande batalha naval desse conflito, ocorrida em 1939. Ao contrários de outros filmes seus em que a guerra era um pano de fundo, mas nunca aparecia filmada, tornando-se numa espécie de ausente-presente, em a Batalha do Rio de Prata as acções militares não só são filmadas explicitamente, como se tornam no aspecto fulcral de todo o filme, tornando-a numa presente-presente. Trata-se de uma reprodução absolutamente meticulosa e fidedigna daquele episódio militar. Como tal, foi filmado no próprio local e houve o cuidado de utilizar os navios da época de forma a tornar mais realista a acção. Mais uma vez nenhum pormenor foi deixado ao acaso, embora haja, como é óbvio, elementos ficcionais. As filmagens decorreram no Rio da Prata e na cidade de Montevideu, capital do Uruguai. No contexto da acção estão os modernos cruzadores alemães que atacam sistematicamente e em todos os lugares do planeta os navios mercantes ingleses, tendo em vista cortar os abastecimentos à Grã-Bretanha. Revelando uma clara superioridade tecnológica, os alemães acabam por ser confrontados no Rio de Prata, com uma frota britânica muito superior que acaba por derrotar a jóia naval alemã, o cruzador Graf Spee. A Batalha do Rio de Prata centra-se exclusivamente nos aspectos militares da acção, quer na sua vertente prática no terreno, quer na definição de estratégias e contra-estratégias para aniquilar o adversário. É um filme sem mulheres, porque estas não fazem a guerra nem pertencem à Marinha (pelo menos nesse tempo). Não apresenta contextos de vida pessoal ou qualquer romance. Não tem verdadeiramente um actor principal, uma vez que tem o cuidado de se repartir entre os barcos ingleses e o couraçado alemão. Tem muitos tiros de canhão e presume-se que existam muitas baixas de um lado e do outro, estas são referidas, mas raramente filmadas. Sendo um filme a cores, é, do ponto de vista do argumento, totalmente monocromático. A única variação à acção militar está directamente com ela relacionada, ou seja, as manobras diplomáticas das diversas embaixadas junto do governo uruguaio, nessa altura neutral.
Não é propriamente galvanizante, para quem não percebe nada de guerra, nem é um particular entusiasta deste tipo de temas. Mas quando se faz uma análise mais fina, percebe-se imediatamente a marca de água dos The Archers, mesmo num filme que não é, na minha opinião, uma obra prima. E não é apenas no plano puramente estético. O filme trata os alemães em absoluta paridade com os ingleses. No centro está a figura do capitão alemão Hans Langsdorff que faz sobrepor a dimensão ética do relacionamento humano, face ao mero sentido do inimigo militar. A forma como termina os seus dias («um capitão está sempre sozinho») num assomo de dignidade e cavalheirismo, remete-nos de forma imediata para a obra prima de Jean Renoir, A Grande Ilusão. O mesmo sentido de dignidade ao olhar a guerra, que afinal é uma circunstância do acaso e, como tal, transitória, enquanto há uma perenidade de valores que ultrapassa circunstâncias e fronteiras. 
A Batalha do Rio de Prata não está ao nível das obras primas que Powell e Pressburger nos deixaram. Mas é um filme deles, com todo o significado que isso possa ter. 
* texto de Jorge Saraiva

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