domingo, 17 de setembro de 2017

The Edge of the World (The Edge of the World) 1937

Embora já fizesse filmes desde 1928, sobretudo curtas metragens (algumas das quais perdidas), The Edge of the World é considerado como o primeiro filme de Michael Powell. Pelo menos, é o primeiro em que ele pode assumir totalmente a sua direcção partir de um argumento próprio.
The Edge of the World bastaria para que Michael Powell pudesse ser recordado como um realizador importante. Felizmente, quer a solo, quer na posterior companhia de Emeric Pressburger, o cineasta deixou-nos suficientes motivos para tornar a sua imortalidade cinéfila num facto incontestável. Trata-se da passagem a tela de forma ficcionada de um dos acontecimentos mais dramaticamente relevantes na Grã-Bretanha na década de 30: a evacuação voluntária da ilha de Hirta situada no arquipélago de St. Kilda nas Novas Hébridas exteriores. Numa viagem de iate, três passageiros chegam à ilha que encontram desabitada, embora se notem ainda os sinais de recente povoamento. Curiosamente é o próprio Michael Powell, então com 32 anos que capitaneia o navio. Mas o filme é um flashback sobre o que se passou meia dúzia de anos antes. Embora baseado numa situação real, o filme ficciona o êxodo, através de uma história de amor entre dois jovens contra a vontade do pai dela. O que é absolutamente fascinante em The Edge of the World é a forma como Powell olha para aquele microcosmos, constituído por algumas dezenas de pessoas, numa vida agreste e dura, marcada por rituais perigosos, mas também por um elevado sentido comunitário. Há uma repartição da pobreza que se transforma num quase comunismo primitivo: o gado que se guarda junto, a pesca colectiva, as decisões tomadas em conjunto, por uma pequena comunidade que, de tão isolada e restrita, não chega a ter nenhum órgão de poder. Pelo tom desolado, por uma paisagem agreste (aqui com as escarpas altíssimas constantemente filmadas, como que a revelar que esta não é uma terra para pessoas) o filme tem alguns pontos de contacto com o célebre Stromboli de Roberto Rossellini. Mas o tom de inevitável decadência, de uma vida que gradualmente se vai tornando impossível, com a escassez da pesca e as colheitas cada vez mais fracas, fez-me lembrar a obra prima de Michelangelo Frammantino, Il Dono. O mesmo olhar antropológico sobre um mundo que se desfaz, mais lento no italiano, quase numa antevisão, mais acelerado no inglês, como uma inevitabilidade imediata. Neste confronto entre os novos que querem partir e os velhos que querem ficar e balizado pelo olhar mudo de uma velha paralítica, a câmara move-se com um virtuosismo surpreendente, aquele que só a sobriedade pode conferir. O olhar dela quando pressente a morte do neto é quase arrepiante. Mas não há lugar para comoções assolapadas. O êxodo é encarado com uma serenidade impressionante, com uma resignação digna. A inexorabilidade do destino dita a sua lei. A ilha, habitada desde tempos imemoriais, onde em raros dias de limpidez, se consegue vislumbrar a costa escocesa a sul (o que é presságio de desgraça) ficará entregue às aves. 
A corda que se parte e conduz à morte do mais renitente dos habitantes da ilha num antecipado e almejado suicídio, é a metáfora de um mundo a ruir. E, tal como em A Terra Treme de Visconti, nunca são necessárias muitas palavras para descrever a vida dos pobres. Está tudo nos olhares, está tudo nas imagens. 
* Texto de Jorge Saraiva
 Legendas em inglês

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