sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A Vida do Coronel Blimp (The Life and Death of Colonel Blimp) 1943

A Vida do Coronel Blimp (The Life and Death of Colonel Blimp) marca o início da época de ouro de colaboração entre a dupla Michael Powell e Emeric Pressburger a partir da produtora The Archers criada e controlada por ambos. Neste período que se estende até 1951 seriam produzidos os filmes mais conhecidos da dupla e que hoje se constituem como referências incontornáveis quer do cinema britânico, quer da própria história do cinema mundial.
A Vida do Coronel Blimp é mais um filme de guerra, ou melhor, um filme de guerras. Mas, ao contrário de alguns dos seus antecessores, não é nenhuma encomenda do Ministério de Informação Britânico. O efeito foi exactamente o oposto. O retrato do general Candy não foi particularmente bem acolhido pelas forças armadas britânicas, que viram nele uma espécie de herói bonacheirão, relativamente estouvado e que não corresponde exactamente às virtudes marciais convencionais. Mais controversa ainda foi a forma como é descrita a amizade entre o general Candy e o coronel alemão Theo Kretschmar-Schuldorff, uma relação que ultrapassa fronteiras e até amores pela mesma mulher. Apesar do coronel ter afirmado «que o nazismo é a invenção mais diabólica que o cérebro humano produziu» esta relação de amizade foi vista de forma suspeita. O coronel que se bate em duelo com o general em Berlim em 1902, ambos ainda jovens, por um motivo aparentemente fútil, e que é prisioneiro de guerra britânico durante a primeira guerra mundial, acaba por fugir de Hitler e do nazismo e pedir refúgio em Inglaterra. Talvez este seja o calcanhar de Aquiles do filme: quando Theo é libertado das prisões inglesas e ouve promessas de paz, cooperação e de amizade entre os dois povos, volta ao seu país a remoer num discurso de renascimento alemão e desforra das humilhações sofridas. Regressa menos de 20 anos depois desiludido com o rumo que Hitler deu à Alemanha. Nunca se percebem inteiramente os motivos da transformação das suas ideias. Como já tinha sucedido nos seus anteriores filmes, a guerra propriamente dita é um presente ausente. É um pano de fundo constante, mas onde não se filma qualquer acção militar. Em contrapartida, há uma notável discussão que opõe Candy a Theo sobre os métodos a utilizar na guerra: Candy defende uma concepção ética da guerra, sem tortura aos prisioneiros, sem bombardeamentos de cidades nem danos sobre civis; Theo, pelo contrário, considera que a segunda guerra não pode ser comparada à primeira e que o nazismo só pode ser eficazmente combatido com as mesmas armas e sem quaisquer tipos de contemplações. A discussão ainda hoje mantém plena actualidade. O bombardeamento de muitas cidades alemãs, algumas delas de forma absolutamente inútil e por pura vingança, revela qual a teoria que se impôs nos anos finais da guerra. 
Do ponto de vista formal, o filme é primoroso. A utilização da cor, que tinha sido iniciada com o Ladrão de Bagdad, aperfeiçoa-se, tornando-se uma das imagens de marca das suas obras subsequentes. O argumento, não sendo dos mais brilhantes, é, ainda assim, excelente, com um início de desconcertante sarcasmo («foi combinado que a guerra só começava à meia noite» afirma Candy em desespero), para depois funcionar em flashback, só retomando o início na parte final do filme. O trabalho de direcção de actores é excelente, com a particularidade das três principais personagens femininas serem todas representadas pela mesma actriz (Deborah Kerr) o que faz todo o sentido, face ao próprio desenvolvimento do argumento.
 Apesar das reservas com que foi acolhido, A Vida do Coronel Blimp foi um sucesso de bilheteira na Grã-Bretanha, em 1943. Nos EUA só foi estreado dois anos depois, devido a pressões do próprio governo britânico. Hoje há uma visão mais consensual sobre o filme: apesar de não ser dos meus favoritos da dupla, normalmente é presença regular na lista dos cem melhores filmes de todos os tempos. Isto naquele que Powell considerava como o mais inglês dos seus filmes, apesar do argumentista ser húngaro, o director de fotografia, francês, o compositor, judeu alemão e o responsável pelo guarda roupa, checo... 
* texto de Jorge Saraiva

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