sábado, 8 de abril de 2017

Tempestade de Verão (Summer Storm) 1944

Tempestade de Verão (Summer Storm) adapta uma novela de Anton Tchekov de 1884, com argumento de Rowland Leigh. É o seu segundo filme feito nos EUA, após a Loucura de Hitler (1943) e a sua primeira incursão séria no melodrama que o viria a tornar famoso, sobretudo durante a década seguinte 
Para quem está familiarizado sobretudo com a obra de Sirk da década seguinte, estranha de imediato a ausência daquilo que viria a ser uma marca distintiva da sua herança cinematográfica: a cor. Mas, de resto, está lá quase tudo que faria dele um dos cineastas mais originais de toda a história do cinema; os amores transviados, as reviravoltas inesperadas da vida, a ascensão e a decadência, a perversidade das personagens e, sobretudo, a dimensão trágica da vida. O argumento é relativamente complexo, seguramente devido ao texto original de Tchekov, por vezes assemelhando-se a certas tramas de Hitchcock, pelo rumo inesperado das decisões de certas personagens. Não é de imediato compreensível a razão porque o argumento resolve situar o filme em 1919, dois anos depois da Revolução de Outubro, quando o romance original foi escrito em 1884. Até, porque havendo uma passagem quase final que relata a miséria em que caiu uma das personagens centrais oriunda da aristocracia após a revolução, o filme nunca ganha contornos políticos. O que é verdadeiramente surpreendente relativamente aos seus filmes posteriores, é a perversidade da personagem central, desempenhada por uma mulher oriunda de meios sociais baixos e que usa a sua grande beleza como um trampolim para poder ascender socialmente. Olga surge como o exemplo da mulher sem escrúpulos que troca o amor pelo dinheiro, sendo vista como o exemplo acabado de alguém determinado a não olhar a meios para alcançar os seus fins, enredando-se em jogos de sedução opaca e dupla. Esse sentido de sedução perversa é a chave para a análise do filme e para o estabelecimento de comparações com a sua obra posterior. Embora não haja uma espécie de maniqueísmo de género nos filmes de Sirk, todo o enredo se desenvolve para tomar partido pelas personagens masculinas: Volsky, o aristocrata de meia idade, levemente cabotino, habituado a ser obedecido, mas que se perde de amores e passa a ser manipulado por uma rapariga do povo; e o jovem juiz Fedor com casamento apalavrado e que o desfaz num ápice, para poder entregar-se à sua nova paixão. Neste triângulo instável em que as personagens masculinas são amigas, mas desconhecem os sentimentos que cada uma nutre pela mesma mulher, reside a razão que faz deste filme uma obra absolutamente notável. Sirk dirige com mestria George Sanders, Edward Everett Norton e, sobretudo Linda Darnell, uma actriz muito talentosa e que se tinha perdido em filmes menores e que normalmente estava associada a personagens inocentes e puras. 
O filme foi o primeiro grande sucesso de bilheteira para Sirk, o que não deixa de ser um facto assinalável, para quem estava a dar os primeiros passos na sua carreira americana. A crítica da época foi também bastante favorável. Posteriormente, sobretudo após a sua recente edição em dvd em cópia restaurada, as opiniões têm-se dividido entre os que a consideram um filme relativamente menor no conjunto da sua obra e aqueles que vêem em Tempestade de Verão, um primeiro e firme sinal da sua grandeza posterior. Pessoalmente, inclino-me mais para esta segunda posição. O sentido trágico da vida está aqui bem presente e essa é uma das melhores dádivas que o cinema nos pode dar.
*Texto de Jorge Saraiva

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