sexta-feira, 21 de abril de 2017

Herança de Honra (Taza, Son of Cochise) 1954

1954 foi um ano muito prolífero para Douglas Sirk. Ficará marcado por Sublime Expiação um dos seus melodramas mais famosos e populares, mas também por outros dois filmes que se afastariam totalmente do género que o tornou mais conhecido: Herança de Honra e o Sinal do Pagão. 
Herança de Honra (Taza Son of Cochise) é a uma incursão de Douglas Sirk no western, ou pelo menos num determinado tipo de western. Parte de um argumento de Gerald Drayson Adams e situa-se no final do século XIX. O curioso deste filme, é que os índios são o centro da atenção, o que não é nada comum nos westerns. Mais ainda, há uma tentativa de fazer um filme a partir deles e não apresentá-los como era costume como os maus da fita. Provavelmente, teríamos que recuar a John Ford para encontrarmos uma tentativa de compreensão similar da cultura e da forma de vida dos índios. Esse é o aspecto mais interessante seja conseguido. Herança de Honra é, nos seus pressupostos ideológicos, o oposto de O Rebelde da Irlanda. Neste filme, havia uma apologia de uma via sem concessões face ao domínio colonial britânico, em detrimento de uma outra mais conciliatória. Agora estamos numa situação inversa. O velho chefe dos Chiricauas assina um tratado de paz com os brancos e pede aos seus dois filhos que o honrem e que mantenham esse acordo, bem como a unidade dos Apaches. Um dos filhos, que será o novo chefe, decide ser fiel ao testamento paterno, mas o outro, que aliás lhe disputa a namorada, pretende voltar à guerra contra os colonizadores. Todo o filme se desenvolve nestas duas concepções, envolvendo sobretudo Taza e Gerónimo, o mítico líder índio rebelde. O argumento é sempre parcial, claramente desfavorável aos mais radicais que são apresentados como pérfidos, belicistas e traidores. O filme torna-se profundamente maniqueísta que é um dos seus aspectos mais frágeis. Taza, o índio bom, revolta-se contra os brancos porque estes querem aplicar a justiça federal à nação apache, mas acaba por aceitar as suas decisões e conformar-se ao acantonamento numa reserva e a funcionar como uma espécie de polícia de controlo dos movimentos da sua própria população vestindo uniformes cedidos pelo exército americano. Os maus, pelo contrário, não querem saber de acordos, apenas querem atacar à traição e são intolerantes para com o inimigo. Não cabe aqui discutir questões de natureza política e abordar quem tem razão, mas o destino posterior dos índios americanos, dá bastante que pensar. Mas o que se impõe em Herança de Honra são as questões de natureza moral, ou seja, o cumprimento escrupuloso dos princípios acordados. Embora procure apresentar os índios como um povo com uma identidade própria, cai nos estereótipos dos filmes do género, muito comuns na época com particular relevo para um etnocentrismo mal disfarçado. Claro que se contextualizarmos o filme rodado há mais de 50 anos, conclui-se que provavelmente até seriam concepções avançadas para a época. No entanto, não deixa de ser um fraco consolo. Sirk tenta ser o mais rigoroso possível como é seu hábito, com a utilização artificial da cor e os cenários e adereços cuidadosos. Mas, como é óbvio, nenhum dos actores principais é índio, a começar pelo protagonista principal, o inevitável Rock Hudson. 
Não há grande volta a dar. Herança de Honra, apesar de alguns méritos, é um dos menos conseguidos filmes de Douglas Sirk. Os incondicionais do cineasta alemão, não o vão perder, os outros poderão vê-lo por mera curiosidade.
* Texto de Jorge Saraiva.

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