segunda-feira, 17 de abril de 2017

E... Deus Não Dorme (Thunder on the Hill) 1951

No início da década de 50, Sirk começava a construir a pulso uma sólida reputação em Hollywood. É certo que, apesar da sua irredutibilidade, o cineasta ainda não se tinha especializado nos sumptuosos melodramas que o tornariam conhecido. Nessa altura abordava uma pluralidade de estilos, alguns com resultados francamente duvidosos. Em 1951, numa produção frenética, assinou três longas metragens: para além de Deus Não Dorme (Thunder on the Hill), veriam ainda a luz do dia, Jogar Perder e Ganhar (The Lady Pays Off) e os Pais Vão Casar (Week-End with the Father) 
Ao contrário do que o título indica, Deus Não Dorme (aportuguesamento discutível do original Thunder on the Hill), o filme só marginalmente aborda questões de natureza religiosa. Isto mesmo tendo em conta que praticamente toda acção decorre num convento hospital dirigido por freiras, sendo quase integralmente rodado em estúdio. Há uma boa razão para que tal aconteça e que decorre do argumento adaptado a partir de uma peça de Oscar Saul e Andrew Solt: uma tempestade isola todos uma pequena aldeia inglesa nos arredores de Norwich, cujos habitantes acabam por se refugiar no convento local que funciona igualmente como hospital. Mas entre os refugiados, há uma mulher com uma situação particular, já que após julgamento é considerada culpada da morte do irmão e condenada à forca. Só que o isolamento da aldeia, impede-a de seguir para Norwich, enquanto as estradas não estiverem transitáveis. Sirk, de imediato, faz-nos crer que estamos em presença de um erro judicial, que irá condenar uma inocente e deixar um culpado impune. Ao longo dos dias em que a condenada aguarda no convento, vai-se estabelecendo uma relação de cumplicidade entre a prisioneira e uma das freiras, que, contra todas as evidências, vai acreditar na sua inocência. Trata-se de um caso de pura intuição feminina que a persistência virá a confirmar com factos. A irmã Bonaventura vai desafiar todas as leis e regulamentos, recebendo a hostilidade dos outros refugiados, a suspeita da polícia e a repreensão da sua superiora. E embora haja já elementos melodramáticos no contexto do filme, o mesmo acaba por se transformar num noir, situação completamente inesperada se tivermos em conta o local onde a acção se desenrola. Afinal se a condenada não é responsável pela morte, quem é que terá sido? E porquê? A realização de Sirk é uma afirmação de sobriedade: nada existe de acessório e muito menos de supérfluo. O ritmo é rápido como sucede na boa tradição do período dourado do cinema americano. Os dramas psicológicos das personagens (sobretudo da irmã Bonaventura, dividida entre a estrita obediência hierárquica e o remorso pela morte prematura de uma irmã que lhe atormenta a consciência) e a transformação progressiva das mesmas, remetem para o universo sirkiano. A direcção de actores é magnífica, com destaque para o desempenho de Claudette Colbert no papel da principal protagonista. 
 Foi um dos filmes mais baratos de Sirk com um orçamento a rondar os 2,5 milhões de dólares. O que prova, hoje como ontem, que não são precisos grandes meios para se fazer grandes filmes. Antes dos melodramas famosos (a partir de Magnificent Obsession de 1954), já Douglas Sirk nos tinha deixado um conjunto de obras relevantes. E esta é, sem dúvida, uma das melhores.
*Texto de Jorge Saraiva.

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