domingo, 9 de outubro de 2016

Idílio Selvagem (The Lusty Men) 1952

"“The Lusty Men” começa com um dos mais belos momentos de nostalgia, momento mítico do velho oeste e do cinema clássico norte-americano, desse homem mítico e sem rumo que vagueia pela mesma mítica América dos westerns e dos noirs que tudo dizem e tudo mostram, esse homem tão mítico e tão próprio de Ray como de Ford que por um instante ou por um impulso ou só por “não ter mais pernas para andar” (e quem já viu “The Lusty Men” sabe que estas “pernas” tudo dizem) visita a casa onde passou a infância para recordar ou apenas para sonhar com aquilo que nunca teve, outra das coisas tão míticas de Ray e tão longes de Ford, a ausência do lar. Coisa tão distante de Nicholas Ray e tão próxima de Ford, o lar, o oposto a tudo o que sempre Ray procurou, o vaguear, a inadaptação e a falta de rumo e dum sentido na vida. É desse momento tão mítico e nostálgico quanto lírico que nasce todo o sentido de “The Lusty Men”, essa coisa de homem errante nessa América selvagem dos rodeos, nesse oeste daquele tempo que abandonou os pistoleiros e os fora-da-lei para abraçar os bravos e os cowboys que enfrentam os touros e os potros e os dominam por alguns segundos, é disso tudo que se fazem os bravos nessa América tão bruta quanto fascinante donde brotam os mais perigosos jogos da vida, é disso que irrompe Jeff McCloud o tal que visita a casa onde nasceu, o tal que encontra o que em tempos foi uma pistola ainda escondida onde a deixou, o tal que por momentos visita aquilo de que sempre se afastou, o lar. 
E se falava das “pernas” mais atrás é porque cedo se percebe que McCloud se retirou desse mundo dos rodeos, dessa coisa fria e brutal que tudo rouba e tudo desvia do caminho que os inicia, coisa de costelas partidas e de pernas fodidas que tudo impossibilitam e tudo fazem perder. É também cedo que se percebe que Wes Merritt, o aprendiz, vai repetir o mesmo trajecto de Jeff, caminhos errantes de quem se perde nesse mundo viciante do dinheiro rápido (e a certa altura Louise a mulher de Wes diz para Jeff: “o que rápido vem rápido se vai”), nessa coisa viciante que lhes faz ferver o sangue e que os faz sentir vivos e desejosos de enfrentar o medo, que os faz esquecer os sonhos e os propósitos de estar naquele meio. É pelo rancho que outrora foi dos McClouds que Wes se lança às arenas e aos touros e aos potros, coisa de sonhador que já Jeff o fora (e sabemo-lo pela sua confissão na tal visita inicial), sonhos do casal que até ali economizava o que podia para ter o que sempre desejaram, coisa que Jeff sabia no que resultaria porque já o viveu, porque ele sabe que o tal dinheiro rápido se desvanece nos vícios adquiridos, porque mesmo com uma mulher a querer controlar tudo se destrói e tudo se vai pelo álcool ou pelo jogo ou pelas mulheres, porque ele sabe que enfrentar o perigo vicia e fá-los sentir mais vivos e heróicos. É por causa do lar que tudo começa e tudo brota, o mesmo lar que Jeff sonhou um dia voltar, é pelo lar que eles se lançam aos touros, mas ele sabe-o bem que o caminho é tortuoso e errante e que todo o homem tomba. E é precisamente por Louise que Jeff vai ficando e ficando e aguentando o declínio de Wes, é por ela que ele se vai espelhando nele e é por ela que se lança uma última vez à arena e aos touros…"
Texto de Álvaro Martins, daqui.

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